Artes Plásticas

Crise na Europa chega ao mundo da arte pública

Por Paulo Varella - março 27, 2013
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A crise financeira já está afetando o mundo da arte, com museus que eram gratuitos passando a cobrar a entrada, com a diminuição da ajuda do governo e do patrocínio para instituições, museus, feiras e galerias de arte. E agora com a possível venda de obras de arte públicas para diminuir os gastos e pagar dívidas do município.

Leia abaixo uma tradução livre de uma reportagem de Danica Kirka para o Associated Press, contando como rumores da venda de uma escultura de Henry Moore pode abrir precedentes para a liquidação de obras de arte públicas na Europa na tentativa de diminuir o impacto da crise em seus municípios.

O mundo da Arte se arrepia com venda de estátua de Henry Moore

A escultura de bronze maciço é formalmente conhecida como “Draped Seated Woman”, criação de Henry Moore que evocou londrinos amontoados em abrigos antiaéreos durante a Blitz.
Para os East Enders que viviam nas proximidades, a obra foi conhecida como “Old Flo,” um símbolo forte de pessoas que enfrentam a opressão com dignidade e graça.

Mas agora, Old Flo pode ter que ir embora.

A quebrada vila de Tower Hamlets, uma das comunidades mais pobres da Grã-Bretanha, planeja vender a estátua – com valor estimado em até 20 milhões de libras (30 milhões de dólares).

Os amantes da arte temem que a venda de uma escultura famosa abriria um precedente preocupante, provocando a venda de centenas de obras menores alojadas em parques, prédios públicos e pequenos museus locais enquanto comunidades em toda a Grã-Bretanha lutam para equilibrar seus orçamentos em meio a mais longa e profunda desaceleração econômica desde a Grande Depressão.

“Se a venda da Old Flo passar, ela pode abrir as comportas”, disse Sally Wrampling, chefe de política do Fundo de Arte, caridade de angariação de fundos para a arte nacional e um dos grupos que fazem campanha para bloquear a venda.

A proposta incorpora um dilema enfrentado por muitas famílias em dificuldades: Você vende a prata da família para passar por tempos difíceis?

Tower Hamlets, onde um estudo recente descobriu que 42% das crianças vivem na pobreza, tem uma dívida de 100 milhões de libras.

A escultura nem sequer está no bairro há mais de 15 anos. Ela foi transferida para um parque de esculturas no norte da Inglaterra, quando as autoridades derrubaram o projeto de habitação onde tinha sido colocada. O conselho diz que o seguro apenas para o bronze maciço já seria um fardo para os contribuintes.

“Tomamos esta decisão com o coração pesado”, disse Rania Khan, uma conselheira local para questões de cultura. “Nós temos que tomar decisões difíceis.”

As autoridades locais em todo o país estão sendo atingidas pelos cortes no financiamento enquanto o governo central procura equilibrar o orçamento e reduzir os empréstimos. O financiamento para o governo local vai cair 33% em termos reais entre Abril de 2011 e Março de 2015, segundo a Associação do Governo Local. O Instituto de Estudos Fiscais diz que os cortes tendem a atingir áreas urbanas mais pobres, como a Tower Hamlets, porque os seus gastos já são maiores normalmente.

Cerca de 2.000 museus na Grã-Bretanha são assuntos locais. O Conselho de Bury vendeu uma pintura de L.S. Lowry em 2006, e Southampton City desistiu dos planos de vender uma escultura de bronze de Auguste Rodin em face do protesto público. A Associação de Museus tem aconselhado o conselho de Northampton a adiar a venda de um monumento funerário egípcio com valor estimado em 2 milhões de libras até mais consultas serem feitas.

A profundidade da recessão e da falta de esperança de que as coisas vão melhorar em breve estão alimentando o debate.

Os números mais recentes do Escritório de Responsabilidade do Orçamento, um órgão independente criado em 2010 para assessorar o governo, mostram que a economia está crescendo mais lentamente do que o previsto anteriormente, reduzindo a receita fiscal e prolongando o programa de austeridade do governo.

Uma coisa é certa: Tower Hamlets, uma comunidade de 254 mil pessoas, precisa desesperadamente de dinheiro.

Khan diz que acredita que Moore, filho de um mineiro de carvão e socialista por toda a vida, e que morreu em 1986, ficaria comovido pela ação da população. Ela conhece mulheres que serão atingidas pelos limites propostos para o pagamento de benefícios – pessoas para quem tão pouco quanto cinco euros podem fazer uma enorme diferença – e famílias que vivem em habitações com bolor crescendo nas paredes.

“Se ele acreditasse que a venda da escultura iria beneficiar a vida de milhares em Tower Hamlets … Eu acho que ele seria a favor”, disse Khan.

Moore freqüentou a escola de arte com uma bolsa de estudo para ex-militares. Ele ficou fascinado com a forma humana, criando obras com curvas ondulantes que refletem colinas e outras características da natureza. Seu motivo mais amado foi a figura feminina reclinada, como a de Old Flo.

A estátua apresenta o ‘draping’ gracioso que Moore atribuía à sua observação de pessoas amontoadas no subterrâneo durante a Blitz. Em uma entrevista de 1966 para a BBC, Moore falou sobre o medo e a euforia dos londrinos abrigando-se contra o bombardeio nazista. Ele tinha uma preocupação com aqueles que estava desenhando: Ele nunca sentou para esboçar, esperava até o dia seguinte e desenhava de memória – em vez de capturar pessoas em seus quartos improvisados.

Alan Wilkinson, um dos maiores estudiosos de Moore, disse que o artista teria sido simpático sobre os tempos difíceis em Tower Hamlets, mas gostaria que suas esculturas fossem vistas do jeito que estavam destinadas – em espaços públicos.

“A escultura pública era extremamente importante para ele”, disse Wilkinson. “Ele era muito exigente sobre onde era colocada.”

Moore vendeu a Old Flo com desconto para a London County Council, uma precursora da atual administração da cidade, em 1962, na condição de que a estátua seria exibida publicamente. Ela foi colocada em um projeto habitacional público.

O East End foi uma das áreas mais atingidas pelas bombas nazistas, e seus moradores se ligaram diretamente ao trabalho.

Agora as memórias de guerra se apagaram. A idade média das pessoas em Tower Hamlets é de 29 anos, a menor de Londres, e 43% da população nasceu fora do Reino Unido, de acordo com os últimos dados do censo.

A história de Old Flo não foi contada para a geração atual, disse Patrick Brill, um artista que usa o pseudônimo de Bob e Roberta Smith.

“Se não valorizarmos essas coisas, perdemos um pouco de nossa história”, disse ele. “Se você perder a sua história, você perde um pouco de si mesmo, de verdade.”

Ainda assim, Old Flo tem um fã-clube. Danny Boyle, diretor de filmes como “Slumdog Millionaire” e “Trainspotting”, assinaram uma carta aberta pedindo para conselho reverter sua decisão. Um flash mob de pessoas vestidas como Old Flo apareceu nos escritórios de Tower Hamlets em novembro para protestar contra a venda. Outro bairro londrino reivindicou a estátua.

Os críticos acreditam que o dinheiro arrecadado com a venda acabaria rapidamente e Old Flo desapareceria na coleção privada de um proprietário estrangeiro de fundos ou oligarca russo, escondendo a mensagem de Moore.

Rushanara Ali, um membro do Parlamento que representa parte de Tower Hamlets, levantou a questão durante um debate em dezembro, sugerindo que a proposta foi mais o resultado de “esbanjamento e desperdício extraordinário” do que de tempos econômicos difíceis.

“Esta fogueira de arte pública não é a resposta”, disse Ali. “Deve-se perguntar, onde isso acaba? Que precedentes será definido para outras áreas que desejam fazer tais vendas para lidar com os desafios financeiros?”

Notando o interesse de Moore na obra de Pablo Picasso, Brill disse que Old Flo foi influenciada por “Guernica”, a pintura de 1937 que mostra o sofrimento infligido pela guerra. Como tal, ela ainda tem ressonância para o povo de Tower Hamlets, uma área que tem sido o lar de gerações de imigrantes, incluindo os habitantes de Bangladesh, que respondem hoje por 32% da população.

“Old Flo… é uma imagem muito britânica do ‘keep calm and carry on’ (mantenha a calma e siga em frente), representando o mesmo que ‘Guernica’ “, disse ele. “Old Flo é o monumento do leste de Londres para pessoas que buscam refúgio. Ela é a nossa ‘Guernica'”.

Reportagem de DANICA KIRKA para o Associated Press – Mar 24, 2013

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Cartaz da ArtFund contra a venda da Old Flo.

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Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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