A partir do dia 27 de março, terça-feira, Carlos Vergara abre na filial gaúcha da Galeria Bolsa de Arte, exposição individual que inclui pinturas e esculturas. “Trata-se de uma afirmação da pintura como procedimento, mesmo quando inclui monotipia ou outra forma de registro de imagem, mas sempre buscando um acontecimento único e novo”, diz Vergara. As cerca de 20 obras seguem em exibição até o dia 12 de maio.
“Vários podem ser os pretextos [para a elaboração das obras], como um canto de paisagem esquecido, escondido, uma implosão, um telhado visto por baixo, algo que possa estruturar uma ação sobre o suporte, na busca de um novo tipo de beleza, inédita. Um trabalho construído para se ver pensando”, afirma Vergara.
Ao longo da exposição, a ideia é que o espectador busque novos caminhos para o ato de olhar. “Ao nos depararmos com os trabalhos de Vergara nosso olho faz essa operação química, entre o que se vê e o processo que deflagra na mente que imagina. A sua obra provoca um estranhamento no espectador desavisado. Ela nos impõe uma barreira, um obstáculo que deve ser vencido. Não existe em sua produção, de forma geral, um momento que permita o acesso facilitado por suas idealizações. (…)”(Juliana Rego Ripoli no livro Carlos Vergara, Automática Edições, 2013).
A natureza aparece em todo o percurso das obras de Vergara. Se serve como pretexto, serve também muitas vezes como matéria-prima, e está presente já na composição dos materiais empregados pelo artista. É o que acontece, por exemplo, com algumas das monotipias de Vergara, nas quais usa pigmentos naturais mesclados com industriais.
Desde o fim dos anos 1980, Vergara emprega pigmentos naturais e minérios, com os quais produz a base para trabalhos em superfícies diversas. Em 1997, o artista realizou a série Monotipias do Pantanal, na qual transferiu para a tela texturas de pedras ou folhas, entre outros procedimentos.
Sobre elas, diz Juliana Rego Ripoli: “Tanto as monotipias – esse processo de decalque da natureza no qual o pigmento, a cor, a textura e os materiais que vêm da terra constroem uma nova forma de expressão para a pintura –, quanto as pinturas e as esculturas fazem uso da natureza como matéria. Ambas estão impregnadas de um gesto que as qualifica com uma força vital sem tamanho, um diálogo entre natureza e a expressão artística que reavaliam a nossa experiência com o mundo, pois solicita que o nosso olhar se torne mais sensível para situações que, por estarmos tão absortos em nós mesmos, nem percebemos”.
O caráter questionador e não passivo da obra do artista também foi observado pela autora, no ensaio que integra o livro publicado em 2013: “Há, na multiplicidade de sua obra, como um todo, a construção dos elementos em camadas, fragmentos, pedaços, vestígios, cortes, partes. Seus trabalhos são para serem desvendados a partir de um olhar atento, consciente, investigativo. É na profundeza do que não se vê, do que não se escuta – é onde não está e é o que não é a natureza dos trabalhos de Vergara”.
Gravador, fotógrafo, pintor, cenógrafo, Vergara tem uma trajetória impossível de ser reduzida a uma linha ou tema. Embora tenha ênfase na pintura, ao longo de sua carreira o artista já se debruçou sobre o Carnaval – nas fotografias com interferências de sua série sobre o bloco Cacique de Ramos -, já trabalhou mais próximo de uma estética que remetia ao neoexpressionismo (que viria a ser tendência apenas uma década depois na Europa), o que dialogava também com o caminha percorrido por um de seus mestres, Iberê Camargo, com quem teve aulas.
Nos dois últimos anos, Vergara apresentou as séries “Liberdade” e “Sudário”, apresentadas respectivamente na Escola de Artes Visuais do Parque Lage – RJ, no Memorial da Resistência / Estação Pinacoteca de São Paulo (instituição ligada à Secretaria de Estado da Cultura) e no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói, depois exposta também em Brasília.
Em Liberdade, apresentada no Memorial da Resistência em 2012, Vergara registrou a implosão do Complexo Prisional Frei Caneca, edificação que avistava de seu ateliê. O presídio, o mais antigo do país, foi erguido com o nome de Casa de Correção da Corte, na época do imperador Dom Pedro II, e abrigou presos políticos das ditaduras Getúlio Vargas – como o escritor Graciliano Ramos – e militar. Na exposição, foram apresentados cerca de 50 trabalhos, entre instalação, pinturas, objetos e filme – a partir das fotos e filmes da implosão, Vergara desenvolveu monotipias que serviram de base para as pinturas que foram exibidas na mostra.
Já em Sudário, de 2013, o artista imprimiu em lenços vestígios dos diversos territórios por onde passou ao longo de sua carreira. Nela estavam presentes obras realizadas em lugares como Índia, Capadócia, Cazaquistão, Londres, Pantanal, São Miguel das Missões e Salvador.
Em abril de 2014, o artista foi premiado pela Associação Brasileira de Críticos de Arte por sua trajetória artística.
Sobre o artista
Carlos Vergara (Santa Maria, RS, 1941) vem produzindo desde os anos sessenta uma obra extensa e consistente. Participou da 1ª Bienal do Mercosul, das 18ª e 20ª Bienais de São Paulo, da 39ª Bienal de Veneza. Sua obra faz parte da coleção do Instituto Inhotim, do MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, entre outras importantes coleções.
Em 1965, participou da exposição Opinião 65, iniciativa dos colecionadores Ceres Franco e Jean Boghici que reunia as obras mais emblemáticas daquele momento, dentre as quais estavam trabalhos de Waldemar Cordeiro e Hélio Oiticica. Junto a Oiticica, Vergara também ajudou a criar a mostra Nova Objetividade Brasileira, no ano de 1967.
Na exposição, apresentada em caráter de manifesto, suas propostas estavam ao lado de artistas de vanguarda como Antonio Dias, Lygia Clark e Anna Maria Maioilino.
Das pinturas figurativas com grafismos e cores primárias nos anos 70, Vergara passa para a realização de (premiados) murais e painéis em parceria com arquitetos em vários países com técnicas artesanais brasileiras. Nessa mesma época começa a desenvolver trabalhos com a temática do carnaval, nos quais interfere sobre fotografias, sobretudo o bloco Cacique de Ramos. Na mesma época desenvolveu uma série de projetos premiados para as agências da VARIG no Brasil e no exterior, nas cidades do México, Paris, Tóquio e Nova Iorque. A partir dessa experiência multiplicam-se seus trabalhos em espaços arquitetônicos que se estendem até os dias de hoje: BCN, Itaú, Jornal do Brasil, Barra Shopping, Morumbi Tower, entre outros.
Durante os anos oitenta, o artista volta-se novamente à pintura, abandona o figurativismo e, ao final da década, inicia a utilização de pigmentos naturais e minérios em suas obras, pesquisa que segue nos anos noventa, culminando em diversas séries de gravuras, como a premiada Pantanal, além de monotipias e telas.
Carlos Vergara – Natura Inventada
Abertura: 27 de março de 2018, 19h00
Exposição: 28 de março à 12 maio de 2018
Horários: Segunda à sexta, das 10 às 19h00; sábados, das 10h00 às 13h30