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O modelo de gestão americano é a solução para os museus no Brasil?

Por Renata Baltar - setembro 18, 2018
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Após a tragédia ocorrida no Museu Nacional do Rio de Janeiro, brotaram os especialistas de internet com suas opiniões sobre museus, sua gestão e sobre o caráter brasileiro.  Antes de mais nada, não podemos comparar maçãs com laranjas. Notícias equiparando a visitação de brasileiros ao Louvre com a do Museu Nacional têm como único propósito reforçar a ideia errônea de que o brasileiro não se interessa pela cultura do seu próprio país.

O Museu Nacional é um museu de história natural e antropologia; o Louvre é um museu de arte. Quem tem interesse em ver a Monalisa não necessariamente se interessa por fosseis ou coleções zoológicas. De fato, ambos os museus possuem em seus acervos múmias, cerâmicas e outros artefatos, mas a principal diferença é que cada museu usa desses objetos para propósitos distintos. Um museu de arte tem interesse pela expressão artística daquele objeto, enquanto o de história natural o vê como um registro da civilização que o produziu. Portanto, a missão dos museus é distinta, muda-se os visitantes, os tipos de pesquisa e quem se interessa em investir em cada instituição.

Segundo, atribuir a tragédia à administração da UFRJ e propor como solução a gestão privada baseada nos modelos americanos é um caminho fácil, mas equivocado e perigoso. Será que o modelo de gestão privada americano funcionaria no Brasil?  Para ser justo, vamos usar como exemplo o Museu Americano de História Natural (AMNH) em Nova York e compará-lo ao Museu Nacional (MN) do Rio de Janeiro. Os dois museus possuem missões parecidas e o mesmo tipo de acervo.

American Museum of Natural History

O Museu Americano de História Natural foi fundado em 1869 e tem como missão descobrir, interpretar e disseminar informação sobre as culturas humanas, o mundo natural e o universo através de um abrangente programa de pesquisa cientifica, educação e exposição. A coleção do museu abriga mais de 34 milhões de espécies e artefatos. Além de museu, o AMNH é uma instituição de pesquisa e conta com uma equipe de 225 pesquisadores científicos que trabalha em tempo integral. O AMNH possui 28 prédios interconectados, que já foram renovados ou restaurados, além de 45 salas de exposição permanente, que foram sendo construídas ao longo do século XX, fruto de expedições e doações. O museu possui também um planetário e uma biblioteca.  Quatro novas exposições temporárias são abertas por ano.  Somente 10% da coleção está exposta, o resto fica preservado em uma moderna instalação. A salvaguarda desse acervo conta com o suporte do National Endowment for the Humanities (NEH), uma agência federal do governo americano cuja função é apoiar a pesquisa, educação, preservação e programas públicos na área de humanas.

A aplicação da verba que vem do NEH é supervisionada por um conselho diretor. O conselho diretor dos museus americanos é responsável por aprovar a missão do museu, recrutar, dar suporte e avaliar o presidente e membros diretores. Além disso, os conselheiros orientam na gestão e também protegem a integridade financeira do museu. No caso do Museu Americano de História Natural, o conselho é formado por pessoas da sociedade civil, advogados, filantropos, empresários, diplomatas etc. Também fazem parte do conselho o prefeito de Nova York e outros membros da administração da cidade, como o chanceler do departamento de educação e o comissário da cultura. Em 2017 foi aprovada a construção do centro para ciência, educação e inovação Richard Gilder, projeto estimado em 383 milhões de dólares. O centro foi nomeado em homenagem a um dos membros do conselho diretor, em reconhecimento ao seu trabalho pelo museu e pela recente doação feita para o novo prédio. De acordo com o relatório anual de 2017 a receita do museu foi de 192 milhões e o custo para sua operação, de 175 milhões.[1] A diferença foi transferida para um plano de investimento a longo prazo. A maior parte dos gastos são com pesquisa científica, educação e exposição. Depois vêm os custos de operação, manutenção e salvaguarda. A maior parte da receita do museu vem de doações de visitantes e da bilheteria (28%); e depois de contribuição privada e projetos subsidiados (25%). O museu é também uma parceria público-privada, sendo que a cidade de NY contribui com 9% da receita com o propósito de ajudar com os custos ligados á segurança, manutenção, administração e energia.

American Museum of Natural History

Museu Nacional

O Museu Nacional foi fundado em 1818 por Dom Joao VI, transferido para a sede da Casa dos Pássaros, Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, em 1892, e incorporado a UFRJ em 1946 para ser administrado. É um museu universitário que tem perfil acadêmico e científico. Suas exposições tinham como finalidade a produção e disseminação do conhecimento nas áreas de ciências naturais e antropológicas. A coleção contava com mais de 20 milhões de itens e foi formada ao longo de dois séculos. São vinculados ao museu 90 professores pesquisadores e 210 técnicos. O prédio histórico é tombado pelo IPHAN e não é possível modifica-lo e expandi-lo como aconteceu no caso do museu americano. Entretanto, o MN havia, no ano de 2000, elaborado um plano de reestruturação, pensando numa expansão predial e recuperação do prédio sede, o que incluía usar o prédio histórico somente para exposições e atendimento ao público. A ideia era ter outro lugar para pesquisa, ensino e administração e salvaguarda do acervo.[2] Quando completou 200 anos o projeto não havia saído do papel, somente 3.000 itens estavam expostos e não havia nenhuma exposição temporária. O serviço educativo também havia sido cortado por falta de verba. A verba anual para sua manutenção era estimada em 520 mil reais, entretanto, em 2018, o MN recebeu somente 54 mil.

Diante de todos esses dados o que podemos concluir? E o que poderia ser interessante adotar do modelo americano?

Uma proposta interessante, que já foi cogitada no passado, seria talvez transformar o museu numa instituição federal independente da UFRJ e assim tirar o ônus da universidade, que enfrenta enormes problemas com a falta de recursos. Mas a ideia não seria transforma-lo em associação privada sem fins lucrativos. O museu seria como uma instituição pública independente que poderia centralizar a verba e ter autonomia para se gerir. Uma outra ideia interessante é a de um conselho diretor composto por membros do governo e da sociedade civil, que orientariam na gestão, escolhendo e apoiando o presidente e os diretores, ajudando a fiscalizar as contas, garantindo que a verba estimada para sua manutenção seja repassada e usada de maneira correta. Entretanto, será que no Brasil existe uma cultura política de participação por parte de membros da sociedade civil e empresários com interesse em contribuir?

Uma outra questão equivocada é reafirmar o senso comum que o brasileiro não se interessa por cultura. Como dito anteriormente, a maior parte da receita do AMNH vem de doações de visitantes e da bilheteria. A cidade de Nova York recebe 61 milhões de visitantes por ano e possui 8,5 milhões de habitantes; enquanto o Museu Americano recebe anualmente 5 milhões de visitantes. A entrada custa $23, mas na bilheteria existe a possibilidade de se pagar o quanto quiser. Entretanto, exposições especiais têm custos adicionais. A visitação das escolas públicas de NY é gratuita. Existe a possibilidade de ser membro do museu, o que gera 3% da sua receita anual. O Rio de Janeiro, por outro lado, recebe anualmente 2 milhões de visitantes internacionais e 5 milhões de visitantes domésticos e tem uma população de 6,5 milhões de habitantes. A entrada do museu custava R$ 8 inteira, e R$ 4 a meia, mas era gratuita aos domingos e para os alunos das escolas públicas. Em 2017, o MN recebeu 192 mil pessoas. Assim sendo, se somarmos o total de visitantes e moradores das duas cidades e dividirmos pelo número de visitantes dos museus teríamos uma diferença entre público potencial e público efetivo de 6,5% para o ANHM em comparação a 1,5% do MN em 2017. Já não parece uma diferença tão gritante.

Museu Nacional

O Rio de Janeiro, em geral, não recebe turistas pelo seu potencial cultural, mas pelo interesse nas praias e na beleza natural da cidade, mas mesmo assim o CCBB Rio Janeiro e o Museu do Amanhã receberam em 2017 mais de um milhão de visitantes cada um.[3] Obviamente com uma melhor divulgação, uma programação moderna de exposições temporárias e um bom programa educativo poderia se atrair mais público para o Museu Nacional. Mas o governo do Rio de Janeiro teria que ter interesse em inserir o museu na publicidade da cidade.  E o mais importante de tudo: é necessário pensar em como um museu de história natural e antropológica pode ser relevante e interessante dentro da sociedade brasileira e assim mostrar para o público do porque é importante preserva-lo para que as pessoas se sinta atraídas a conhecer e frequentar o museu.

Outro fator que impede a importação do modelo americano é a realidade brasileira. Contar apenas com bilheteria e doação de visitantes como a maior parte da renda é impensável para a realidade de um país cuja renda média familiar é R$ 1.268 em comparação à americana, que é de $3.714 por mês.[4] Sendo assim, grande parte da verba tem que ser pública e deve ser usada para garantir a manutenção, salvaguarda do acervo e das instalações, o salário dos funcionários e as pesquisas científicas. No Brasil, pesquisa – em especial na área das Ciências Humanas – não é financiada pela iniciativa privada, uma realidade que não vai mudar do dia para a noite. O que poderia vir então da iniciativa privada seria o dinheiro para patrocinar o restauro que o museu propôs em 2000, e também o dinheiro para produzir exposições temporárias, os novos programas públicos e as novas tecnologias. No caso do Brasil, o dinheiro privado para a cultura vem através da Lei Rouanet: a lei de incentivo fiscal para pessoas jurídicas e físicas aplicarem uma parte do imposto de renda em ações culturais. O que também acontece no caso americano. Mas, será que existe um interesse dessas empresas de patrocinar esse tipo de cultura?

Adotar o modelo de gestão americano cegamente e privatizar o museu não é a solução. A questão é muito mais complexa e profunda e envolve diversas esferas, como repasse de recursos do governo, desvio de verbas, a realidade social do Brasil e o interesse da iniciativa privada em investir na cultura, que não sejam apenas shows e exposições midiáticas com forte apelo popular. O que menos devemos culpar é o interesse do brasileiro por cultura e os gestores do Museu Nacional.

American Museum of Natural History

fontes:

[1] Relatório Anual de 2017. Disponível em: <https://www.amnh.org/about-the-museum/annual-report>.

[2] Plano de expansão predial e recuperação do paco de São Cristovão. Disponível em: <http://www.museunacional.ufrj.br/200_anos/projeto_atual.html>.

[3] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/09/maioria-dos-museus-mais-visitados-no-brasil-tem-entrada-gratis.shtml

[4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-02/renda-familiar-capita-no-brasil-em-2017-era-de-r-1268-segundo-ibge.

https://work.chron.com/average-american-monthly-salary-8614.html

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Sebastiao Imbiriba
Sebastiao Imbiriba
4 anos atrás

O comentário final “O que menos devemos culpar é “… “os gestores do Museu Nacional” é totalmente equivocado.
Pessoas com mentalidade passiva, à espera de que o governo tome iniciativas, jamais terão espírito empreendedor, solucionador de problemas.
Tudo o que foi proposto como solução para os problemas do MN deve, necessariamente, começar com iniciativas de sua administração propondo, convidando, incentivando pedindo, exigindo, até implorando ou mesmo chantageando como fez Assis Chateaubriand ao criar o MASP.