Na arte, o belo é um saber inventado pelo artista para se defrontar com o mundo diferente e livre. Na história do ocidente, este belo é radicalmente transformado em dois momentos: no Renascimento e na Modernidade. No primeiro momento, a perspectiva inventada no Renascimento busca a profundidade, a construção de um espaço, de um universo semelhante ao do olhar do espectador. É um belo racional e o artista é o centro desse universo que ele próprio domina com leis científicas, reproduzindo fragmentos do real no território da tela. Arte e ciência convergem para objetivos comuns. A arte se liberta de seus contextos religiosos e rituais, e o olhar se impõe como um instrumento de sabedoria.
No outro momento, a modernidade, na qual ainda estamos sob seu impacto, procura-se trabalhar o plano. A concepção moderna de mundo faz do espaço da tela um lugar problemático, um campo de tensões. O artista não pinta mais o real, ele participa do real. O belo moderno é marcado pela emoção, pela fruição e pela autonomia em relação ao mundo racional da ciência. A superfície da tela é o espelho onde o artista deposita alegrias, medos, angústias, descarrega pulsões e pensa o mundo, para a imaginação do outro. “O que a arte seja, tem de aprender-se a partir da obra”, (Heidegger) e não do que se pode falar sobre ela.
O que importa é o ato de pintar. O que está no quadro, o tema, o motivo são pretextos para a realização do trabalho da pintura, como no trabalho do sonho (se alguém quiser fazer esta relação). A cor passa a ser totalmente autônoma (Matisse, principalmente), o artista expressa sua personalidade (Cézanne). É a liberação do artista como sujeito, que começou com o realismo; agora ele pinta sua própria liberdade. Antes de pintar para o público, ele pinta para si mesmo. O radical belo moderno não fica à espera do olhar alheio. Ele é a certeza de um saber das mãos de um personagem público (Picasso), ou um produto de um pensamento discreto que duvida de tudo, inclusive da obra de arte (Duchamp).
A insegurança, a angústia e a inquietação atrás do novo fazem o belo moderno. Uma viagem iniciada por Baudelaire. Uma história cheia de saltos, vanguardas superando vanguardas, atrás de uma renovação total e insaciável, contra qualquer tradição que acabou por inaugurar uma estranha tradição, a do “novo” (Harold Rosenberg). A radicalidade moderna, que surgiu sob o signo do tempo e da velocidade, criou este belo que se supera com o movimento automático da máquina. Um belo otimista que acredita na transformação do mundo pela máquina (Futurismo, Construtivismo), ou um belo que ironiza a máquina, que usa o chiste para interrogar a ideologia do progresso tecnológico (Dadaísmo, Surrealismo). O olhar moderno vê o belo como um lugar contraditório de reflexão e de gozo, de certezas e de dúvidas, de trabalho e de sonho.
O sujeito moderno vive num mundo urbanizado. Baudelaire e Poe escreveram na cidade fascinados por ela e sua multidão. A estética moderna é filha da cidade grande, assim como a filosofia grega nasceu na “polis”. O cosmopolitismo inspirou as mudanças desse belo, reclamou ao imaginário do artista uma linguagem nova e uma nova poética. As revoluções em busca do novo ocorreram na cidade, mais precisamente em Paris, capital cultural até a segunda grande guerra, superada por Nova Yorque, em seguida. “O mundo exterior não é objeto da arte, mas permanece sua condição” (Argan). A arte é manifestação de uma paixão, mas o sujeito está inserido numa cultura e ele inventa o belo no choque de sua realidade interior com o mundo externo, para dar sentido a esta relação.
Depois, um “Pós” para subverter o inconsciente moderno e livrar-se da responsabilidade obsessiva do novo, ou do complexo de não ser moderno: Levar este eterno moderno a um limite. Mas este “Pós” que ainda não se justificou com os trabalhos que produziu, em certos casos, até supera a questão moderna, inventa um belo ainda mais livre. Em outros casos, não passa de uma subjetividade pictórica sintomática. Um belo retrógrado que quer fazer da paixão um tema ausente na materialidade da obra, querendo se opor a uma suposta racionalidade das últimas manifestações de tendência construtiva (Arte Conceitual, Minimalismo).
Não somos mais espectadores de um belo inocente e eterno, mas de um belo histórico que exige paixões e pensamentos específicos, com a autonomia de ser objeto de satisfações desinteressadas, que ajudam a colocar o sujeito diante do seu mundo. Um belo que tem origem no belo, que só se expõe no trabalho do artista, na possibilidade da obra.
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