Arte

Calder e Miró, percursos revolucionários

A abstração abriu uma perspectiva criativa, ampla e transparente, permitindo uma infinidade de experimentações onde a sensibilidade e a poética caminham unidas na realização de obras que sintetizavam visões inovadoras, antecipando rumos revolucionários.

A exposição Calder+Miró, aberta recentemente, no Instituto Tomie Ohtake possibilita aos visitantes apreciarem dois artistas que revolucionaram a arte moderna com sutileza, sensibilidade, poesia e sobretudo arrojo nos confrontos formais e cromáticos.

Foto: José Henrique Fabre Rolim

Alexander Calder (1898-1976) desde cedo se interessava por sutis mecanismos como pela argila e pelos pincéis. Foi em Paris que criou seus primeiros figurinos em fio de ferro sobre o tema do circo: brinquedos que captam o caráter de esculturas animadas por filetes e pequenos motores sucedendo silhuetas e figuras, sempre em fio de aço. A amizade com Varese, Kiesler, Léger, Le Corbusier, Hélion o familiarizou com o melhor da “abstração-criação” grupo com o qual expôs diversas vezes. Sua visita a Mondrian, lhe inspira o desejo de fazer Mondrians que se movem, mas ele em 1932, realizou uma esfera de madeira que lhe possibilitou fazer um universo, qualquer coisa como o sistema solar. Daí tudo partiu, passou das esferas de madeira às figuras planas por ócio, o ócio vem com os prazeres, um clima próprio para a invenção.

Conique Rouge – Alexander Calder . Foto: José Henrique Fabre Rolim

Nasceu assim após algumas pesquisas abstratas sobre papel os stabiles (batizados por Arp), formas não figurativas em placas de aço cortadas e fixadas que apesar de imóveis sugerem movimento. Em seguida passa aos mobiles (batizados por Duchamp), o movimento é provocado pela simples locomoção do ar ambiente, constituídos por finos tubos de aço finalizados por superfícies de telas eventualmente coloridas e equilibradas entre elas de forma empírica. Se Calder não é o primeiro a trabalhar o movimento, a simplicidade aparente de suas montagens é totalmente nova. Ele introduziu a “corrente do ar na arte” (Bury). Expostas desde 1931, essas obras vão alcançar notoriedade inquestionável, que mascara por outro lado parcialmente a qualidade de seu trabalho pictórico. Seus guaches de grandes signos vivamente coloridos sobre fundo branco, afirmam um prazer de viver permanente, explicitado nos espirais rosáceos com sóis e flores estilizadas, germinações efervescentes, que serão reprisados nas tapeçarias. A partir de 1953, Calder divide seu tempo entre os Estados Unidos e Saché (Indre-et-Loire), região da França. Exposições e encomendas se alternam, permitindo a realização de mobiles e stabiles monumentais, onde os movimentos malgrado suas dimensões são sempre aprazíveis, sem resistência e movidos de uma grande leveza. Obras como A Espiral 1958, Unesco, Paris; Grande Stabile para MIT, 1965, Cambridge e Stabile Sol Vermelho para o Estádio Olímpico do México, 1968.

Vínculos de amizade

A relação com Joan Miró (1893-1983) foi tema de diversos estudos, uma amizade consolidada em décadas de convivência que permitiu o desenvolvimento de uma linha estética revolucionária.

Foto: José Henrique Fabre Rolim

A presente exposição no ITO, visa sobretudo destacar esse vínculo profícuo entre Calder e Miró, que começou em Paris em 1928. Nessa época, Calder já era bem conhecido graças a sua obra performática Cirque Calder, apreciada pela mídia. Os dois artistas tornaram-se grandes amigos, apesar de terem temperamentos bem diversos, Miró mais fechado, Calder mais aberto com suas performances e atitudes.

Nos anos 40, Calder conheceu dois ilustres brasileiros nos Estados Unidos: o crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981) e o arquiteto Henrique Mindlin (1911-1971), admirador de seu trabalho, o incentivando muito e divulgando a sua obra no Brasil. Em 1948, Calder veio ao Brasil realizando uma exposição antológica no Ministério da Educação, em seguida expôs no Museu de Arte de São Paulo, fortalecendo o seu laço com o país. Por outro lado, Miró nunca veio ao Brasil, mas tinha uma grande amizade com o poeta João Cabral de Melo Neto, o único elo com o país.

Diálogo e reflexões

A mostra reúne preciosas peças de ambos os artistas a maioria pertencente ao acervo do Instituto Casa Roberto Marinho e Instituto dos Arquitetos do Brasil (São Paulo) que cedeu a excepcional obra Viúva Negra (Black Widow).

O diálogo com a arte brasileira é um dos pontos cruciais da exposição, a influência tanto de Calder e Miró nas obras de Milton Dacosta, Hélio Oiticica, Ione Saldanha e Franz Weissmann são bem representativas na linha abstracionista.

Miró achava que a arte não tem nada de decorativo, é na realidade um combate ininterrupto de suavização de símbolos essenciais, densos carregados de significados e duráveis como marcas pré-históricas. No seu percurso, Miró confirma sua vontade de desvirtuar a pintura nas colagens e assemblages com materiais diversos, dotados de agressividade e humor.

Foto: José Henrique Fabre Rolim
Sa Majesté – Joan Miró. Foto: José Henrique Fabre Rolim

Na década de 20, em Paris, teve contato com o Dadaísmo e o Cubismo, mas foi no Surrealismo que encontrou uma fonte inesgotável de inspiração, elementos oníricos, cores fortes, uma imersão no inconsciente coletivo, são alguns dos reflexos presentes na sua obra. Apesar de ser surrealista, nunca participou ativamente do movimento. Suas telas espelham elementos do abstracionismo acrescido de um toque da arte rupestre.

Tanto Calder como Miró realizaram obras em que o prazer da criação é ilimitado, proporcionado deleite para o apreciador pelos resultados alcançados como reflexões da potencialidade da arte na sua concepção plena, livre, extremamente agradável e poética.

Curiosidade

Calder pintou em 1973 para a Braniff International, um jato DC8 programado para voar entre a América do Norte e América do Sul. Em preparação para o projeto, Calder criou vários modelos de fibra de vidro, cada um pintado com cores e desenhos diversos. Um modelo destes faz parte da mostra.

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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