O percurso de Pistoletto reflete as transformações do relacionamento da arte com a realidade social e cultural desde os anos 60, propondo incursões renovadoras que atiçam os confrontos estéticos da linguagem.
Inicialmente, o seu contato com a arte surgiu ao trabalhar ainda muito jovem com seu pai, restaurador de quadros entre 1947 e 1958. A curiosidade e o empenho despertaram uma chama marcante que o fez trilhar por um desafio constante, sua obra reflete a sua ânsia de revolucionar conceitos com propostas inusitadas.
Uma de suas primeiras obras foi a pintura Homem em sofá, de 1958, revelando toda a sua necessidade de pesquisar a imagem do homem, na complexidade de um mundo em constante transformação.
Na década de 60, influenciado pelo Movimento Novo Realismo (Nouveau Réalisme) realizou quadros em chapa de aço, tendo colado imagens de figuras humanas, geralmente fotografias de pessoas em tamanho real. A chapa permite como superfície refletora que o observador faça parte integrante da composição. Um dos mais significativos trabalhos com espelho é a peça Autorretrato, datado de 1962.
Em 1963, apresenta em Turim, personagens em dimensões reais pintados sobre superfícies metálicas espelhadas interpretando radicalmente o clima existencial da época. A elevação da expressividade como todo o movimento das figuras tem finalidade de resfriar a dramaticidade proporcionando ao espectador refletir no quadro o processo de deformação das imagens. Os espelhos separados e quebrados realçam o tema da duplicidade, tornando-se um método de pesquisa. A obra é dotada de uma estrutura circular de significados da qual o espectador age como um catalizador do senso.
Em 1967, Pistoletto encontra-se ligado a um dos grupos mais dinâmicos do movimento Arte Povera. Participou inclusive da IX Bienal Internacional de São Paulo com colagem em superfície reflexiva, sendo um dos destaques daquela edição marcada por um clima de repressão.
A escultura dos anos 80, em germinação desde 1967, Virgem dos Rasgos (La Venere degli Stracci), Pistoletto segue a dialética dos contrários, contrastes entre pesos e leveza, trabalhando em grandes blocos de mármore como fossem de poliuretano, e vice-versa.
Arte Povera, uma expressão criada pelo crítico Germano Celant (1940 –2020) para designar um projeto de intervenção criativa, uma forma de se questionar o que se modifica sempre em situações temporárias.
De formação pluridisciplinar (relação entre a arte e o seu meio, design radical e teatro de rua), Celant se interessa pela arte nos seus aspectos utópicos.
Em 1963, ele reencontra Paolini, Mondino, Pistoletto, Sperone, Pistoi e Gilardi, Schifano e Kounellis, em 1966 Boetti, Mario e Marsia Metz, enfim Zorio,Penone, Anselmo, Primi e Calzolari. Foi com eles, incluindo Fabro e Pascali ,que organiza em 1967, em Genova (Galleria La Bertesca), a primeira exposição de Arte Povera. Paralelamente, publica na Flash-Art um ensaio manifesto, onde ele insiste sobre a presença física do objeto, a quotidianidade privada de toda máscara comportamental: “importante é danificar, gravar, quebrar, tentar uma decomposição do regime cultural imposto”.
A Arte Povera (adjetivo é baseado nas concepções teatrais de Grotowisky) propõe um retorno ao homem real, aberto ao espaço cotidiano: os artistas procuram fugir da competição e da comercialização, eles solicitam a participação do público. Alguns não produzem mais objetos, mas espetáculo, criação fluida em osmose com o teatro. A correspondência da Arte Povera no contexto estético dos anos 1967-1971, com a Minimal Art, a Land Art ou o happening é literal. A partir de 1972, os percursos dos artistas se diversificam e a noção do movimento se constringe, não sendo mais pertinente.
A mostra Terzo Paradiso, em cartaz no Instituto Artium (Rua Piauí, 874), reúne um conjunto de obras do destacado artista em celebração aos seus 90 anos de idade. A exposição é parte de uma série de mostras que ocorrem em Paris (Palais d’ Iéna), Abu Dhabi (Louvre Abu Dhabi) e Turim (Castello di Rivoli).
O Terceiro Paraíso (Terzo Paradiso) uma reconfiguração do símbolo do infinito título da mostra, atrai a atenção do visitante pela sua concepção, nas extremidades a natureza e o artificial, no centro, a inserção de um círculo que simboliza a abertura, criação, uma proposta de práticas para uma transformação responsável da sociedade.
Uma outra obra antológica é a Metamorfosi criada em 1976, composta por espelho e trapos. A peça destaca uma demarcação entre dois grupos distintos de trapos, um branco monocromático à esquerda e outro policromado à direita. Os trapos e os espelhos, representam uma série de confrontos conceituais.
Outras quatro obras da série Color and Light, iniciada em 2014, estão ligadas a temas presentes em toda a sua incursão artística. Formada por espelhos quebrados, mas de forma equilibrada. A ruptura possibilita a criação de uma figura individualizada em muitos espelhos. Um jogo que reflete a sociedade, na realidade um grande espelho.
A obra de Pistoletto representa renovação e reflexão, rompe barreiras impostas por uma sociedade complexa e preconceituosa. As suas concepções se completam numa harmonia de efeitos plásticos inovadores e atemporais.
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