Arte

O corpo humano na visão de Francis Bacon

O Museu de Arte de São Paulo (MASP) abriu recentemente a exposição Francis Bacon – A Beleza da Carne, reunido 23 obras bem representativas e forte intensidade de um artista que se notabilizou em ultrapassar a sensualidade sutil, se aprofundando nas suas tramas, redefinindo novos olhares para o corpo humano, notadamente o masculino. A presente mostra faz parte da programação do Masp, que celebra um ano dedicado às Histórias da Diversidade LGBTQIA+. 

O percurso de Francis Bacon (1909-1992) é extremamente curioso, filho de um treinador de cavalo, se instala em Londres em 1925, atuando como realizador de móveis Art Déco, mas a necessidade de se expressar artisticamente florescia internamente, um potencial que ampliou o seu horizonte. Foi um autodidata na sua essência, em Paris ficou impressionado por uma exposição de Picasso na Galeria Paul Rosenberg e pelo antológico filme Un Chien Andalou de Luis Bunuel, mas foi em Berlim (1927) onde realiza suas primeiras aquarelas, utilizando também tinta a óleo. Em 1934 acontece sua primeira individual na Transition Gallery de Londres, na qual H. Read reproduz na revista Art Now, três crucificações de 1923. Passando por um período de reflexão, Bacon deixa de pintar por 10 anos 

Obra de Francis Bacon em exposição no MASP. Foto: José Henrique Fabre Rolim

Em 1945, período no qual se relacionou com Moore, Hodgkin e Mathew Smith, ele apresenta “Three Studies for Figures at the base of a Crucification “, na Galeria Lefevre suscitando consternação e polêmica. Em 1949 começa a criar uma série de pinturas a partir do Papa Inocêncio X de Velasquez. Essa série foi um marco na sua carreira, as exposições foram se sucedendo pelo mundo todo, participa da Bienal de Veneza (1954) e da Documenta de Kassel (1959). 

A morte do amigo Georges Dyer em 1972, o abalou muito, após o triste acontecimento pintou uma série de três grandes trípticos, denominados os trípticos negros além de numerosos autorretratos. Em pleno anos 70, pinta inúmeros retratos de seus próximos, notadamente Michel Leiris, Peter Dehard e John Edwards 

Obra de Francis Bacon em exposição no MASP. Foto: José Henrique Fabre Rolim

A sua hostilidade ao abstracionismo era demonstrada pelos seus comentários quase diários, onde visualizava somente um efeito decorativo sem nenhuma profundidade. A sua notoriedade cresce, sendo considerado um dos monstros sagrados da arte na metade do século XX. O aspecto marginal de seu comportamento entre o álcool e a fama atraía os amantes da arte e os observadores dos escândalos da sociedade. O jogo de marginalização dourada, refletida no bas-fond, acrescentava um aspecto exótico ao seu percurso, esse lado degradante lhe proporcionou inspirações e experiencias marcantes projetadas em suas telas. 

Em certo momento, destruiu quase todas as obras produzidas na sua juventude (de 1929 a 1944), mas o seu estilo rebelde se afirmou nos anos 50. Trabalhava a partir das obras de Rembrandt, Grunewald, Picasso, Velasquez, Van Gogh além dos filmes de Eisenstein e das fotografias de Muybridge. As suas incursões investigativas incluíam publicações médicas e jornais, fontes para suas realizações artísticas. Cria retábulos profanos e trípticos evocando uma mistura única de brutal lucidez e ternura, envolvendo um universo de drogados, homossexuais, pinturas onde o tema da crucificação se une a uma situação torturada do homem contemporâneo. Enquadramentos não habituais se destacam, o corpo humano é o objeto de desejo a ser desfigurado, retorcido envolto na sexualidade, no domínio do prazer da carne, masculinidade latente. Isola seus personagens nas linhas da perspectiva onde os eleva de maneira a confrontar todo um contexto sentimental criando assim um espaço austero, impacto e confronto analítico.  

Obra de Francis Bacon em exposição no MASP. Foto: José Henrique Fabre Rolim

Nos anos 70, o espaço começa a abrir, a cor torna-se mais submissa e brilhante, com uma explosão extraordinária de rosas e laranjas sobre o inverso rugoso da tela, que utiliza de preferência, pintava rapidamente, sem desenho preliminar. 

Os corpos troncados, agredidos, submissos a torções visam exibir a intimidade carnal na sua densidade a mais expressiva, não tem outro senso que a evocação obstinada de uma realidade da crueldade constituída como um desafio permanente. Ele afirma: “Eu não quero dizer nada com a pintura” e completa “sobretudo não fazer um discurso moralizador, isso acontece para mim como colocar uma armadilha no meio da qual eu posso pegar um fato em seu ponto mais vivaz”. 

A obra de Bacon é aberta à inúmeras visões, da pura violência passando por uma poética pictórica inovadora, arrojada nos efeitos, impactante e terrificante, a ambiguidade o acompanha e reflete no fundo a realidade humana com suas incongruências, devaneios e incoerências. Destaco que a primeira vez, que pude apreciar sua obra foi na Galerie Claude Bernard, em Paris, no final dos anos 70, por ocasião de uma individual inesquecível, desde aquele momento a sua obra me impressionou, permanece como uma referência para tantas incursões e reflexões sobre a pintura no século XX. 

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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José Henrique Fabre Rolim

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