Mortos. Todos mortos. Sabemos que estaremos todos mortos, um dia. Mas odiamos pensar sobre isso. Fingimos não existir a morte para não ter de lidar com ela. Planos, jogos, desafios, busca por riqueza pessoal, tudo nega a morte, tenta ignorá-la. E isto é novo. Historicamente, isto é muito recente; com menos de setenta anos. Um cílio no relógio do tempo. Até a II Grande Guerra a morte era uma presença nas decisões humanas – desde as públicas às particulares, passando pelas Artes, as Ciências, e claro, totalmente fundamentada nas Religiões e Filosofias.
Gostando ou não, foi a Morte que iniciou o Processo Civilizatório quando decidiu pelo sedentarismo. Povos nômades em busca de comida paravam de tempos em tempos quando os territórios mostravam-se facilitadores de suas necessidades. Enquanto pudessem caçar e se defender, tratavam seus doentes e enterravam seus mortos a quem devotavam suas memórias e agradecimentos. Esses solos onde depositavam familiares tornavam-se sagrados. De início os corpos eram deixados ao relento, mas duravam muito pouco e atraiam animais. Depois os empilharam em grutas funerárias, mas aprenderam a enterrar os mortos, reunindo utensílios e até comida para garantir conforto e proteção. Mas já eram lugares separados onde pudessem distinguir um parente do outro e prestar seus ritos.
Em algum momento o mistério da morte ganhou reverência transcendental tomando as culturas e formando Religiões com seus dogmas, ritos, hierarquias. O Egito lutou pela preservação dos corpos através do embalsamamento, o Tibet tentou aprender com a travessia do morto de um estado ao outro, os Fenícios os cremaram para evitar que fossem comidos por seres inferiores como os vermes, mas já os Chineses os cremaram para que os eflúvios do fogo se espalhassem e retomassem para perto de seus familiares. Para os Muçulmanos importante era fixar a cabeça dos mortos de frente para Meca, garantindo um caminho de salvação. Mas foi com a tradição greco-romana que nossos antepassados cristãos, nos ensinaram a enterrar os mortos, mantendo a alma perto de seus corpos, de modo a terem túmulos reverenciados.
Com os gregos aprendemos que, toda cidade deveria ser fundada em solo sagrado pela presença dos antepassados, garantindo que permanecessem perto de seus descendentes. Cada casa construía um altar para reverenciar os mortos, chamados LARES. Assim, uma casa equipada com um Lar seria uma casa consagrada e protegida. Com o tempo Lar passou a designar uma família unicelular, distinguindo a construção (casa), da família que nela habita, com seus hábitos, ritos e mortos. Neste solo sagrado serão erguidas as Pólis gregas, depois as Urbis romanas e por fim, com a cristianização do Império Romano, enterrar mortos ganhará territórios ao redor das cidades. A princípio os enterros eram feitos dentro das Igrejas, mas apenas nobres e religiosos ficavam protegidos em suas paredes. Camponeses, artesãos e comerciantes ficavam ao redor, no que viria a ser os Cemitérios (de origem GREGA – KOIMETERIÓN, passou para o latim como COEMITERIUM), com pouca terra de cobertura, para que pudessem aguardar o DIA DO JUÍZO FINAL, quando então sairiam da terra para enfrentar seu julgamento sagrado e final.
No século XVIII com o Classicismo, quando valores e estéticas da Era Greco-Romana foram revalorizados, sua estética foi negociada com os conhecimentos da Higiene, e os Cemitérios foram afastados das cidades e Igrejas, mas recuperaram a ideia de sacralidade dos corpos como protetores da família e as sepulturas ganharam contornos de templos ou capelas para adoração e devoção. O primeiro deles, o PÈRE-LACHAISE de Paris em 1815 traz a complexidade estética de suas construções e volutas de seus contornos.
No século XIX – o século da disciplina, como denominado por Foucault, a sobriedade das imagens e dos túmulos, capelas, jazigos e lápides, se impôs para combater qualquer indício passional e de arroubo erótico, mas no Cemitério São Paulo, no bairro mais antigo da cidade de São Paulo, o Pinheiros, fundado em 1920, túmulos e ornamentos rompem com a sobriedade que os tempos propagavam, expondo esculturas e monumentos onde emoções e erotismos se mostram com ousadia.
Caminhando por suas alamedas, a surpresa pela constatação propôs esta pequena pesquisa sobre a história onde Mortos, Cemitérios, Cidades e expressões estéticas dariam pistas de nosso percurso desde a vida à morte, descobrindo que o inverso justificou as cidades que nos reuniram, pois sobre mortos construímos nosso caminho de vida e emoção. E nesse pequeno Cemitério, o São Paulo, a despeito dos controles morais de recato e melancolia, demonstrações de erotismo e vida pulsante dão provas dos deuses gregos que ali ainda fazem morada: Eros e Thanatos – Vida e Morte – Arte e Cidade.
Para mais imagens dos túmulos no Cemitério São Paulo, acesse: https://br.pinterest.com/glauciapimentel/cemiterio-sao-paulo-dor-e-erotismo
(via Ars Publica)
Veja também:
Alfredo Volpi nasceu em Lucca na Itália 1896. Ele se mudou com os pais para…
Anita Malfatti nasceu filha do engenheiro italiano Samuele Malfatti e de mãe norte-americana Eleonora Elizabeth "Betty" Krug, Anita…
Rosana Paulino apresenta um trabalho centrado em torno de questões sociais, étnicas e de gênero,…
Na arte, o belo é um saber inventado pelo artista para se defrontar com o…
SPPARIS, grife de moda coletiva fundada pelo artista Nobru CZ e pela terapeuta ocupacional Dani…
A galeria Andrea Rehder Arte Contemporânea - que completa 15 anos - apresentará, entre os…