Arte

Os Rumos da Arte

A arte é a chave para se compreender a profundidade da cultura humanista na sua dimensão complexa, tornando-se transparente ao alcançar a virtuosidade de um momento criativo que se perpetua indelevelmente na consciência do observador sensível.
A agilidade da arte nas suas entranhas possibilita uma infinidade de propostas que acolhe técnicas tradicionais aos mais avançados recursos tecnológicos, ultrapassando os limites impostos pelas regras comportamentais de uma sociedade repressiva que tolhe as inovações, mas em muitos casos é gerida por modismos que buscam um poder fugaz.
Os novos meios como a inteligência artificial e tantos outros que surgem a cada instante estão aí para serem decifrados, utilizados com criatividade abrindo novos caminhos e propondo grandes desafios a serem assimilados com ponderação e estratégia.

A arte permite uma infinidade de possibilidades desde os tempos ancestrais, o panorama histórico passado é riquíssimo, um componente primordial para se compreender o atual momento e o futuro.
Dentre os eventos marcantes na área das artes visuais, nota-se uma tendência de resgatar valores que marcaram uma época, revolucionaram a cultura do país.

Exposição “Ivan Serpa: Inovação Construtiva”

Recentemente, foi aberta uma preciosa exposição “Ivan Serpa: Inovação Construtiva”, comemorando os cem anos de seu nascimento (1923-2023), na Ricardo Camargo Galeria. Reunindo um conjunto de obras gráficas realizadas nos anos 50, espelha toda a potencialidade da essência do Construtivismo. As obras apresentadas pertenceram ao embaixador Jaime Leite Guimarães, que conseguiu conservar um conjunto de obras de extrema importância para a arte nacional.

Ivan Serpa. Crédito: Divulgação

Serpa estudou com Axel Leskoschek e começou a expor suas obras em 1947. Obteve um prêmio na I Bienal de São Paulo (1951) pela obra “Formas”, vinculada ao construtivo, atualmente no acervo do MAC / USP.

Participou de todas as Bienais de São Paulo até 1965, tendo recebido quatro prêmios. Expôs na Bienal de Veneza em 1952, 1954 e 1962; no Walker Center, em Mineápolis, Estados Unidos, e no Salão Comparaison, em Paris.

Seus “papiers collés” de 1953 são marcados pela cor, definindo rumos a serem concretizados. Em 1961 volta a figuração e em 1963 as formas construtivas são abandonadas se concentrando em formas expressionistas e projetivas. No período de 1963 a 1964 desenvolve a fase negra, bem conhecida e de 1963 a 1965 realiza desenhos eróticos em bico de pena.

Posteriormente, em 1965 retorna à fase geométrica por meio de aprofundada pesquisa ótico-espacial. Utiliza módulos de madeira com maestria, cria objetos ou contra-relevos , anticaixas  que exploram a relação avesso-direito, interno-externo.

Crédito: Flavio Motta

Ivan Serpa liderou o Grupo “Frente”, criado em 1954, no Rio de Janeiro com a participação de Aluísio Carvão, Décio Vieira, Abraham Palatnik, Franz Weissmann, Lygia Clark, Hélio Oiticica, César Oiticica, Vincent Iberson, João José da Silva Costa, Carlos Val, Rubem Ludolf, Elisa Martins da Silveira.

Anteriormente, o grupo “Ruptura”, criado em 1952, em São Paulo teve participação marcante no movimento concretista, liderado por Waldemar Cordeiro acoplou nomes expressivos como Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Fejer, Haar, Judith Lauand, Hermelindo Fiamminghi, Anatol Waldyslaw.

Crédito: Flavio Motta

A expansão do concretismo possibilitou uma renovação no panorama artístico com o surgimento do Manifesto Neo Concreto, em 1959, no Rio, reunindo Amilcar de Castro, Claudio Mello e Souza, Ferreira Gullar, Frans Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Nota-se que em 1950 o movimento abstrato teve um defensor notável, Mário Pedrosa que incentivou os artistas mais jovens como Ivan Serpa e Almir Mavignier, reconhecidos como os primeiros a aderirem ao concreto.

O concretismo representou um movimento marcante na arte brasileira, vanguardista por essência. Max Bill (1908-1994) um dos precursores do concretismo ao lado de Valdimir Maiakovski (1893-1930) delinearam uma revolução estética inovadora, influenciando diversas gerações.

Crédito: Flavio Motta

A arte sempre revela curiosidades enaltecidas tanto pela pesquisa como pela experimentação. O concretismo foi um movimento de extrema representatividade para a cultura brasileira, período em que todas as artes passavam por grandes transformações. Havia uma perspectiva evolutiva, os anos 50 foram o prenúncio de novos tempos, as artes floresciam com força, um período notável com Bienais antológicas, a música com a Bossa Nova, a arquitetura brasileira sendo reconhecida no exterior, o Teatro se consolidando com o TBC, o Cinema Novo, um movimento cultural intenso em contraste com aspectos nebulosos dos tempos atuais.

Uma outra mostra que surpreende pela sutileza da linguagem acontece na Galeria MaPa (rua Costa, 31, Consolação) reunindo 100 obras, objetos e desenhos de Flávio Lichtenfels Motta (1923-2016) produzidos entre as décadas de 1970 e 1980. A sua atuação foi intensa, realizou projetos de intervenção urbana e autuou como professor na FAU-USP, era próximo a Vilanova Artigas, mas sua obra não se alinhava no racionalismo. O seu traço rápido e sutil aliava um certo humor, registrava cenas banais, que ganhavam uma nova dimensão pelo seu apurado olhar. Pode-se notar um diálogo com notáveis mestres da arte, os suportes variavam como uma folha de caderno, envelopes, objetos do cotidiano, concebendo personagens em cenas inimagináveis. Uma preciosidade a ser apreciada tanto no conjunto como nos detalhes, uma viagem encantadora para uma dimensão perdida no tempo, mas tocante como poética enaltecedora da pura expressão do desenho.

Origem do papier collé

O papier collé concebido por Braque e utilizado pelos cubistas na mesma linha da colagem de materiais como fragmentos de objetos como no caso de Picasso é a origem de uma das grandes revoluções plásticas do século XX, uma visão nova da obra de arte. Pela primeira vez, os artistas rompem com a tradição misturando fragmentos de materiais em contraposição com as técnicas da pintura e do desenho.

O papier collé marca profundamente o percurso artístico de Braque e Picasso, realça a passagem do cubismo analítico para o cubismo sintético de 1911, os artistas introduzem na trama quase abstrata de suas obras elementos heterogêneos a sua lógica interna, uma intervenção em sobreposições como cartas, papeis de parede, pedaços de jornais, cartas de jogos entre outros itens. Os elementos tirados do universo doméstico ajudam a decifrar o tema representado. O papier collé instaurou um novo modo de representação da realidade, sugerindo o real por intermédio dos elementos evocados em lugar de os representar de forma ilusionista.

Cria-se assim uma nova forma de representar o espaço, o espaço do papier collé descontínuo e plano organizado por formas, cores e a posição sobre a superfície do pedaço do papel, propondo uma alternativa à representação ilusionista do espaço conforme as leis da perspectiva.

Braque explora as possibilidades da experimentação espacial oferecidos pelo papier collé uma busca além do referencial. Picasso fez uma utilização mais imaginativa e mais intelectual sem se prender a dar significados novos aos elementos collés . Juan Gris (1887-1927) privilegia o valor decorativo, o papier collé orienta igualmente certas tendencias da escultura do século XX, como na obra de Henri Laurens (1885-1954) que participou da Bienal de São Paulo recebendo o Grande Prêmio (1953). A deslocação das formas permite a interpenetração do espaço e da composição. O vazio se insinua no âmago da escultura, onde os planos se irradiam a partir de um objeto central como uma garrafa ou outro objeto qualquer. Laurens realiza colagens, pesquisas construtivas profícuas rompendo com regras restritivas. Percebe-se que a trama da arte não tem limites atinge todas as tendencias possíveis, pesquisar e desfrutar das potencialidades da criatividade humana é apaixonante e sempre revelador.

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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