40 anos de Modernismo no MAMM/Juiz de Fora

Por Paulo Varella - março 29, 2018
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Dos dilemas de uma época surgiu não apenas uma escola ou um estilo, mas um movimento que transformou, para além da arte, as ideias do mundo: o Modernismo. Importado para o Brasil, esse acontecimento europeu adaptou-se ao clima tropical e frutificou em obras e artistas modelares com repercussão internacional nas letras, na música e nas artes visuais. Deste prolífico tempo, a mostra “Arte Brasileira: Coleção Murilo Mendes” apresenta 50 obras de 20 artistas importantes na formação recente da história da nossa arte visual.

Formada exclusivamente por peças do acervo do poeta Murilo Mendes, a exposição reúne trabalhos de diversas linguagens, do óleo sobre tela ao desenho, passando pela gravura, a arte abstrata, chegando até à optical art. A abrangência de técnicas, em alguma medida, é explicada pelo corte temporal da curadoria. As obras mais antigas datam de 1930, enquanto as mais novas são de 1968.

            Como destaca o próprio Murilo Mendes no artigo “O Impasse da Pintura” para a publicação Ariel, em outubro 1931, diante da invenção da fotografia e do cinema os artistas tiveram que abrir “as válvulas da imaginação, e se fizeram todas as combinações possíveis de formas, cores e assuntos”.

Abrindo a exposição estão obras de Ismael Nery, Candido Portinari, Oswaldo Goeldi e Guignard. Do primeiro artista, grande amigo e influenciador de Murilo Mendes, a mostra exibe seu “Croqui para Capa de Livro”, trabalho surrealista e metafísico, no qual o par de olhos da figura central está à mesma altura, mas em planos diversos. Um olho mira aquilo que está a sua frente, e o segundo parece olhar a si mesmo. A dimensão objetiva e subjetiva do ser humano e a visão da carne e do espírito estão simbolizadas no jogo de tons mais claros e escuros da figura e no choque de perspectivas.

Esse é o único original do artista que está na mostra. As demais obras de sua autoria, que pertencem ao MAMM,  aparecem em reproduções, mas por uma boa razão: os originais estão emprestados ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, para uma exposição em homenagem ao artista, que estará em cartaz a partir de abril.

De Portinari, além do retrato de Murilo Mendes, há outros dois trabalhos em exposição, uma litografia e um nanquim. Em ambos a figura central é a da mulher cujo corpo se confunde com a paisagem, envolta em névoa. O nanquim, com a imagem feminina a carregar dois peixes, foi estampado no interior da primeira edição do livro “As Metamorfoses”, de Murilo.

Da seção dedicada a Goeldi, destaca-se a maestria da técnica da gravura, no tom soturno do artista para o qual tudo é noite. Os temas são variados. O cenário urbano aparece tanto em “O ladrão” quanto numa obra sem título que retrata uma cidade envolta em elementos rurais, como o carro de boi e as montanhas do entorno. Noutro trabalho, mulheres nuas, a sorrir e a escancarar o sexo e os seios, num ambiente que insinua ser um prostíbulo ou algo do gênero. A última peça da seção traz certo humor peculiar: um macaco segurando pelo rabo o cartaz das festas de “Boa Entrada, Rio 1933”. De Guignard, dois retratos: o de Murilo Mendes e o de Ismael Nery.
No corredor seguinte, duas paredes se complementam. De um lado, obras de Flávio de Carvalho, Genaro Vidal, Henrique Boese, Geraldo de Barros e Darcy Penteado. Começando pela “Cabeça do Poeta”, desenhada em grafite por Carvalho, segue-se o trabalho dos demais, que usam a técnica do guache, às vezes misturado a outros elementos, ilustrando figuras humanas, objetos e imagens abstratas, mas nunca de forma convencional.
A parede em frente é dedicada toda à figura humana, em traços de nanquim, nas obras de Elisabeth Nobiling, Pedroso D’horta, Nobrega e Eros Gonçalves. No caso dos três primeiros, todas as obras se pautam em figuras femininas, semi-nuas, mas com expressões características. Nos trabalhos de Eros Gonçalves, dois místicos, um homem e uma mulher, em estado extático.

No próximo recorte da mostra, a cor e o experimentalismo são acentuados. Começando com a pintura de técnica mista do também poeta e médico Jorge de Lima: uma mulher envolta em verde, sentada com as mãos sobre a mesa e um leve sorriso. Depois dela, as serigrafias de optical art de Almir Mavignier e dois nanquins, com figuras geométricas de Franz Weissmann.

Em outra parede, de frente, estão dois trabalhos de Athos Bulcão, que comemora centenário de nascimento este ano: uma mulher de cabelos de folhas de árvore e o desenho de uma casa com quintal. Ao seu lado, dois desenhos de Carlos Leão, que apresentam mulheres nuas, numa cena pós-coito, uma sorridente e outra a encarar o espectador.

No centro da galeria a gravura reina absoluta com as obras de Lívio Abramo, Marcelo Grassmann, Fayga Ostrower e Lasar Segall. Nos trabalhos de Lívio Abramo, as diferentes modalidades de gravura (xilo e lito) se colocam a serviço de temáticas populares: sertanejos, o ciclo de trabalho num ambiente rural, a figura da mulata e ainda a macumba.

Por sua vez, Grassmann reveste seus trabalhos com tons feéricos e mitológicos: cavaleiros e dragões, mulher amamentando salamandras e outros traços de tom fantástico. Já nas peças de Fayga Ostrower, os contornos do abstracionismo predominam. Ocupando sozinho uma parede no centro de Convergência está Lasar Segall. Da sua famosa série “Mangue”, que retrata o mundo da prostituição na antiga região portuária do Rio de janeiro, são apresentadas seis reproduções de desenhos em zincografia.

Passado quase um século das especulações de Murilo Mendes sobre as artes visuais e seu dilema diante das novas tecnologias (da época), podemos atestar o vaticínio do poeta: “O cinema não substituirá a pintura, mas a pintura em movimento suceder-lhe-á. Com a vantagem de seu caráter de universalidade”.

 

Serviço

Exposição Arte Brasileira: Coleção Murilo Mendes

Galeria: Convergência

Visitação: de terça a sexta, das 9h às 18h | sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h

Local: Rua Benjamin Constant, 790, Centro – Museu de Arte Murilo Mendes

Entrada Franca

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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