O navio começando a afundar depois de ser bombardeado. A ventania, que dá ainda mais dramaticidade à cena, é tanta que um dos operadores de câmera tem dificuldade de segurar o equipamento. O caos da tragédia que até então mobilizava nossa atenção e nossas emoções sofrem um corte conforme o enquadramento da imagem vai se ampliando, ampliando a ponto de relevar sua estrutura. Vemos os andaimes, uma grua, equipamentos de luz e som, parte da grande equipe de filmagem, ventiladores e até o sistema mecânico desenvolvido especialmente para reproduzir o balanço do mar, feito de plástico, durante as gravações em um estúdio. De volta à cena, vemos dois dos sobreviventes: em um pequeno barco está Orlando e um rinoceronte. “Como pode um bicho desse tamanho dentro de uma embarcação tão pequena?”.
Não é à toa que Paula Scamparini considera a cena final de E la nave va (1983) de Frederico Fellini como uma das mais fortes imagens da história do cinema. Desde o início da sua produção, há quase 15 anos, a artista vem apresentando e ressignificando seu interesse pela ideia de construção – que, no caso dela, implica obrigatoriamente em um processo que considera também as possibilidades de desconstrução e a reconstrução. Seus trabalhos, desde as primeiras fotografias até as práticas mais recentes de ações, parcerias e residências artísticas, são como desafios para olhar, ler, ouvir, perceber. Desafios colocados primeiramente para ela mesma e depois estendidos para o público e também para o sistema de arte. A partir de deslocamentos – que podem ser sutis ou intensos, conceituais ou literais – a artista propõe para si e para o outro a possibilidade de reinvenção da percepção do mundo a partir do tensionamento entre realidade e ficção (ou encenação), natural e artificial.
Em Barco sobre lona as séries fotográficas realizadas entre 2014 e 2015 propõe a construção cênica como estratégia para colocar em dúvida a ideia que temos de realidade. Nos vemos ali, em frente ao que parecem ser registros fotográficos, ou seja, o congelamento de um instante que já passou, mas não conseguimos ter certeza se o que estamos vendo é real ou ficção. Essas fotografias se interessam justamente pelo deslocamento e o desconforto desse espaço entre. Sua pesquisa mais recente renova e amplia seu olhar (e o nosso) para essas questões. Um colchão e pedaços de fantasias e adereços usados por escolas de samba, recolhidos das ruas no fim dos desfiles, são ao mesmo tempo material e personagem. Isopor, plumas e paetês, imprescindíveis para a materialização de reis, rainhas e mundos distantes, ou formas tão corriqueiras, agora nos chamam a atenção por sua dimensão desproporcional, deslocada, ilusória e fantasiosa, criando ruídos formais e conceituais no ambiente de uma galeria.
Paula Scamparini reforça nessa exposição o território da sua produção como o lugar da dúvida, e a dúvida como potência. Aqui, o que vemos são trabalhos que nos fazem pensar sobre construção da imagem, mas também a imagem como construção. A construção da história, e a história como construção. A construção da arte, e a arte como construção.
SERVIÇO:
Abertura: 19 de maio de 2018, sábado, das 15h às 19h
Visitação: De 22 de maio de 2018 a 08 de junho de 2018, de terça a sexta das 10h às 19h, sábado das 11h às 17h
Onde: Galeria Aura Arte Contemporânea – Rua Wisard, 397 – Vila Madalena – São Paulo, SP.
Telefone Galeria: (11) 3034-3825 (Funcionamento, de terça a sexta das 10h às 19h, sábado das 11h às 17h)