O mito grego de Medeia e a escravidão no Brasil estreia no Sesc Ipiranga

Por Paulo Varella - janeiro 23, 2018
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Espetáculo que une o mito grego de Medeia e a escravidão no Brasil estreia no Sesc Ipiranga

Medea Mina Jeje traça paralelo entre a tragédia escrita por Eurípides em 431 a.C. com exploração das minas de ouro em Minas Gerais no séc XVIII

No dia 26/1, estreia no auditório do Sesc Ipiranga o espetáculo “Medea Mina Jeje”, dentro do projeto Teatro Mínimo. A peça, com dramaturgia de Rudinei Borges e direção de Juliana Monteiro, é um solo do ator Kenan Bernardes que remonta o clássico grego de Medeia, trazendo a perspectiva do genocídio de escravos nas Minas Gerais do século XVIII. A Medea negra da Mina Jeje é escrava e mãe, e ao saber que seu filho Age seria perseguido, mutilado e novamente aprisionado à boca de uma mina, decide por sacrificá-lo, numa tentativa de libertá-lo da própria sina.

Entre a Grécia e a África

O espetáculo é um poema-cênico constituído a partir da fricção entre a narrativa polissêmica da personagem Medea, escravizada na Vila Rica de Nossa Senhora de Pilar de Ouro Preto, nas Minas Gerais do Brasil século XVIII, e a leitura da tragédia de Eurípides, datada de 431 a.C..

Na tragédia grega, a Medeia de Eurípedes mata os próprios filhos em vingança pelo abandono de Jasão, por quem ela havia abandonado sua terra natal e sua família. Em Medea Mina Jeje, a escrava Medea, decide por tirar a vida de Age, seu filho, para assim livrá-lo do trabalho penoso e aterrador das minas de ouro que moveram a economia do Brasil durante séculos. O suplício materno que se desvela na peça configura uma espécie de canto, uma oração que narra, em vozeio, o sacrifício do menino.

A similaridade que permeia a obra de Eurípedes e de Rudinei Borges, segundo Trajano Vieira – Doutor em Literatura Grega pela Universidade de São Paulo e professor de Língua e Literatura Grega na Unicamp -, está na forma como a protagonista não se coloca como joguete de uma força que escapa ao seu controle e que conduz seus atos, mas em vislumbrar no próprio movimento da construção de seu intelecto e motivação emocional que se lhe entrelaça e provoca sua dor mais intensa.

A diretora Juliana Monteiro explica a influência da relação entre as obras e como ela reverberou em todos envolvidos no projeto: “A aproximação com determinados aspectos da jornada de Medeia, a jornada de uma figura que deixa sua terra, encontra-se em terra estrangeira para, depois, iniciar um caminho de regresso e afirmação de seus saberes, de sua natureza e da ambivalência que lhe é intrínseca: seu potencial de criação, de destruição e de renovação; permitiu aos artistas envolvidos com este projeto traçar uma analogia com sua própria trajetória, os valores que os formaram, os desvios realizados e o encontro com desejos de reelaborar os próprios caminhos no teatro”.

A História de um Genocídio

A extração de minérios fez de Minas Gerais um dos estados com maior concentração de negros no século XVIII. O ciclo do ouro motivou a migração de um grande número de pessoas para o trabalho nas minas, estimulou a criação da Estrada Real (que ligava Minas Gerais ao Rio de Janeiro) pelo governo e intensificou o tráfico de escravos.

As condições de trabalho nessa função eram precárias e provocaram a mortandade de incontáveis vidas escravas naquele período.

“Medea Mina Jeje busca, portanto, mover para a candura da cantiga do luto maternal o ardor profundo, como um mar revoltado, da resistência das negras e negros que, em muitos casos, resultaram na criação de quilombos que, mesmo distantes da África-mãe, compunham paragens de libertação e inauguração de uma vida comunal, às avessas da opressão dos arraiais, engenhos, plantações, casas grandes e minas do Brasil afora. E, ao mesmo tempo, adentra as mazelas e contradições do Brasil contemporâneo imerso numa disparada de dissimulação e enlace conservador” – relaciona o dramaturgo Rudinei Borges.

Os envolvidos

Rudinei Borges é poeta, dramaturgo e ficcionista, foi indicado ao Prêmio Shell de Teatro 2016 pela dramaturgia de “Dezuó, breviário das águas”. Diretor e pesquisador de teatro, é autor dos livros “Memorial dos Meninos”, “Dentro é lugar Longe”, “Teatro no Ônibus” e “Chão de Terra Batida”. Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com análise da dialocicidade em Martin Buber. Graduou-se em Filosofia. Fundador do Núcleo Macabéa, onde coordena pesquisa poético-cênica em história oral de vida, com residência artística na Favela do Boqueirão. Integrou o Núcleo de Dramaturgia da Escola Livre de Teatro de Santo André (ELT), o curso de Direção da SP Escola de Teatro e a formação de atores do Teatro Escola Macunaíma.

Juliana Monteiro é bacharel em Artes Cênicas pela UNICAMP, Doutora em Artes da Cena pela mesma instituição e Mestre pela USP, é co-fundadora da cia passo a 2 de teatro. Como diretora, participou, dentre outros, da montagem de: “Rua dos Errantes”, com 4 na rua é 8 – Jacareí; “Os meninos e as pedras”, de Antônio Rogério Toscano, com o Núcleo Entrelinhas de Teatro (Prêmio APCA e FEMSA Coca-Cola 2006 de Melhor Espetáculo Jovem e Melhor Autor; indicado ao Prêmio FEMSA Coca-Cola 2006 de Melhor Direção); Nekropolis, direção de Gustavo Kurlat e dramaturgia de Roberto Alvim, entre outros.

Kenan Bernardes é formado pela Escola Livre de Teatro de Santo André. Ao longo de sua trajetória participou das seguintes montagens como ator: Com o Coletivo Quizumba: “Oju Orum” (2015), direção de Johana Albuquqerque. “Quizumba!” (2013), direção de Camila Andrade., ambos textos de Tadeu Renato, Com o coletivo 28 Patas Furiosas, “lenz, um outro” (2014/2015), texto de Tadeu Renato, direção de Wagner Antônio. Com a Cia. Club Noir: “TRÍPTICO [Richard Maxwell]: Burger King/ Casa/ O Fim da Realidade (2010), direção de Roberto Alvim (Indicado ao PreÌ?mio BRAVO 2010 de Melhor Espetáculo do ano e indicado ao PreÌ?mio SHELL 2010).

Teatro Mínimo

Série de espetáculos intimistas, preferencialmente monólogos, baseados essencialmente no trabalho de interpretação do ator, trazendo textos de autores consagrados e de novos dramaturgos, que tenham como foco o trabalho de expressividade do intérprete.

Ficha técnica

Dramaturgia: Rudinei Borges

Direção: Juliana Monteiro

Atuação: Kenan Bernardes

Serviço

Medea Mina Jeje

Quando: de 26/01 a 18/02, sextas às 21h30, sábados às 1930 e domingos às 18h30.

Local: Auditório (30 lugares)

Preço: R$6,00 / R$10 / R$20,00 (credencial plena).

Sesc Ipiranga – Rua Bom Pastor, 822

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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