SOMENTE O NECESSÁRIO
Instalação de Marcelo Zocchio no MAC USP cria narrativa com imagens, objetos e sobras para investigar ideias de uso e descarte
“Eu uso o necessário,
somente o necessário,
o extraordinário é demais”
Em um momento clássico da animação Mógli, o menino-lobo, da Disney, o urso Balú antecipa a ideia de sustentabilidade. Dançando, ele sacode uma árvore para fazer uma fruta cair em sua mão, alivia a coceira das costas se esfregando num tronco e canta que usa somente o necessário, ou seja, o que a natureza oferece, para satisfazer suas necessidades. Acrescenta o que acha da tendência humana ao abuso dos recursos: “O extraordinário é demais”.
Vista e revista dezenas de vezes com os filhos pequenos, a cena inspira e dá nome ao novo trabalho do artista Marcelo Zocchio, que abre no MAC USP dia 2 de setembro. As ideias de uso racional dos recursos naturais e reuso de materiais descartados fundamentam e diferenciam sua prática à frente da marcenaria artesanal em que constrói objetos e móveis usando apenas madeiras descartadas de alta qualidade. As mesmas ideias contaminam sua pesquisa artística, relacionada à fotografia e à escultura.
A instalação Somente o necessário surge de um exercício sugerido pelo dia-a-dia da marcenaria e pela noção de economia de material, mas radicaliza e vai além de ambos. As obras partem do desafio auto-imposto de construir objetos de madeira maciça reaproveitada com um mínimo de sobras possível. A fotografia registra o material inicial e o processo de produção de cinco objetos: três cadeiras, uma mesa e um cabideiro. As sobras, que em outra circunstância seriam consideradas lixo, ganham aqui novo significado, compondo arranjos que integram a obra de arte.
Nada se perde em Somente o necessário: todo o material selecionado no início é aproveitado até o final. Cada uma das cinco obras da instalação é composta por três elementos, que criam uma narrativa: a imagem fotográfica da matéria-prima inicial; o objeto; e as sobras, arranjadas em híbridos de fotografia e tridimensional. O resultado é, ao mesmo tempo, um exercício estético e uma reflexão sobre uso e descarte, novo e velho, forma e função, real e virtual.
Em consonância com o espírito da investigação do artista, os objetos – mesa, cadeiras, cabideiro – não têm estatuto de obra de arte intocável na exposição. Ao contrário: os visitantes são convidados a utilizá-los para sentar-se, apoiar-se, ler, pendurar bolsas e casacos, e, assim, poderem demorar-se na instalação.
O artista
Contemplada pelo ProAC 2016 (Programa de Ação Cultural do Governo do Estado), Somente o necessário dá sequência a uma investigação iniciada por Marcelo Zocchio em séries anteriores. Utilizando a fotografia e a marcenaria, o artista produz trabalhos a partir de narrativas relacionadas a processos de transformação e reutilização da madeira. Suas séries Utilidades Domésticas (2005 – 2011) e Segunda Mão (2010 – 2011) investigam os diálogos possíveis entre imagem fotográfica e forma tridimensional.
O processo de criação dessas obras se inicia com a seleção de madeira maciça de qualidade – ripas, caibros, vigas, sarrafos, tábuas – encontrada em caçambas de entulho ou nas calçadas da cidade. São materiais provenientes de telhados, pisos, armários, rodapés, batentes e portas, e que foram considerados antiquadas, inúteis ou obsoletos. Impregnado de memória e marcas adquiridas no tempo e no uso – quebras, cortes, furos, pintura –, o material é recolhido, estocado, beneficiado e transformado em móveis e objetos.
Essa transformação interessa ao artista como exemplo de uma prática de produção de bens e de vida sustentáveis: trata-se de resgatar e dar novo significado a algo de qualidade que só foi descartado graças à predominância de uma lógica socioeconômica que valoriza exclusivamente o novo. Mas sua pesquisa reverbera em questionamentos mais amplos, como nota a crítica Maria Hirzman em ensaio publicado pela revista Zum: “Artista, fotógrafo e marceneiro, Zocchio vem há tempos enfatizando esse choque criativo entre o virtual e material”. “Afeito às séries, ele lança mão de diferentes recursos compositivos, pesquisas conceituais e estratégias formais para investigar temas como a potência tridimensional da imagem e sua relação com o entorno, a cultura do desperdício e do excesso e o potencial afetivo e transformador da representação.”
Marcelo Zocchio tem obras em coleções públicas importantes, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Entre outras exposições, seu trabalho foi tema das individuais Marcelo Zocchio e a imagem materializada, curadoria de Tadeu Chiarelli (Pinacoteca do Estado, SP, 2016) e Repaisagem (Casa da Imagem, SP, 2011).
Exposição: Somente o Necessário
Artista: Marcelo Zocchio
Abertura: 2 de setembro, a partir das 11 horas
Encerramento: 26 de novembro de 2017
Funcionamento Terça das 10 às 21, quarta a domingo das 10 às 18 horas
Local MAC USP Ibirapuera – Avenida Pedro Álvares Cabral, 1301
Telefone 11 2648.0254 (recepção) – 11 2648.0258 (educativo)
Entrada gratuita