Como parte da programação do Art Weekend SP 2019, está marcada para dia 9/11 a abertura da exposição Plano B, do artista paulista Renato Custodio.
A mostra reúne fotografias realizadas em filme cromo de médio formato – usando múltiplas exposições e revelação em processo cruzado –, as quais têm como referente a arquitetura moderna de Brasília, especificamente os edifícios de Oscar Niemeyer na capital federal. Atingindo um resultado abstrato-geométrico e de cores não-realistas, o artista trabalha na sobreposição de ângulos dessas construções, lançando potenciais reflexões sobre a criação de pontos de fuga literais e figurados, achatamentos e mudanças de planos.
Renato Custodio (São Paulo, 1981) trabalha nas interações entre fotografia, intervenção urbana, escultura, instalação e som. Fotógrafo editorial com uma sólida trajetória dedicada à captura de manobras do skate em ambientes urbanos, Custodio segue uma linha coerente na execução de seus projetos artísticos, que conferem à técnica fotográfica um lugar destacado na mesma medida em que avançam em sua função de registro para utilizá-la como veículo de abstração de formas e, posteriormente, de inspiração para a construção de dispositivos tridimensionais.
Suas imagens fotográficas estão ligadas à materialidade das técnicas analógicas e à exploração das transparências e camadas, por meio das quais o artista se volta aos elementos arquitetônicos em uma postura de atenção aos detalhes herdeira do racionalismo formal das correntes abstrato concretas do século XX.
Em paralelo à captura/confecção de imagens bidimensionais, Custodio supera a planaridade das superfícies ao projetar esculturas geométricas relacionais e costurar a instalação dessas peças em lugares propícios à prática do skate, tanto no espaço público da cidade quanto em ambientes expositivos específicos do campo da arte.
Ao embaralhar manobra, escultura e instalação, Renato Custodio convida diferentes atores culturais a uma conversa performática que enriquece o trabalho de arte na mesma proporção em que lhe confere marcas de uso, possibilitando uma obra participativa que não prescinde do enigma próprio do objeto artístico.
Em razão de seus trabalhos com fotografia e skate, Renato Custódio já viajou para países como Japão, Israel, República Tcheca, Espanha e EUA, desenvolvendo projetos com skatistas locais e colaborando com revistas especializadas. Participou de exposições coletivas em instituições como Paço das Artes e Santander Cultural e em galerias como Espaço Saracura, A Gentil Carioca, Fita Tape, LOGO, DOC Galeria, Cartel 011 e Galeria Olido.
Entre 2016 e 2017 participou do grupo de discussões de projeto Hermes Visuais, ministrado pelos artistas plásticos Carla Chaim, Marcelo Amorim e Nino Cais. Em 2017, participou da Penthouse Art Residency em Bruxelas (Bélgica) e, em 2019, a convite do Arte Joven Fest, projetou e instalou – em parceria com o arquiteto e skatista Pharrá Buarque – a obra Capa Sobre Capa, no Parque dos Museus, Córdoba (Argentina).
O plano, em sua conotação de projeto e planejamento, tem algo de miragem. Essa modalidade de imagem – caracterizada como refletida, invertida, flutuante, distante, imaginada ou distorcida -, serve como ponto de fuga (figurado) no desenho de futuros eventos, espaços ou configurações humanas. O horizonte do projeto, aparentemente sistemático, é em parte um desejo que se ancora em previsões sempre sujeitas a quedas.
Franco Berardi diz que o humano do século XX foi aquele que, por excelência, acreditou no futuro, pois teria depositado suas esperanças nas melhorias de vida que, em tese, acompanhariam a evolução tecnológica [1]. Por sua vez, esse início de século XXI viveria em plena ressaca mal curada da utopia desenvolvimentista, não em razão de uma absoluta falta de melhoras, mas porque algo teria se quebrado na esfera psicossocial. Ficou evidente que planos sempre serão interrompidos, burlados, replanejados, trocados por outros. Ruptura e reconstrução.
Brasília, capital federal, como fruto de um grande plano, contém também sua disrupção. Seu modelo, de fé em certo progresso tecnológico e no convívio comunitário ordenado – tão moderno quando positivista -, não tardou em fraturar-se. Mas os monumentos de seu plano piloto seguem despertando espantos – a arquitetura e sua relação com o sublime.
O fotógrafo atento ao espaço urbano é um sujeito com olho aberto para os fenômenos que as construções ajudam a inaugurar, destruir, alterar ou impôr no tecido social. As composições fotográficas de Renato Custodio, artista íntimo da cidade e ele também planificador de estruturas arquitetônicas instaladas em espaços públicos, acontecem nessa direção. Aparentemente abstratas, as imagens construídas por ele são, na verdade, camadas, quinas, espelhamentos, curvas, recortes e tons (todos muito concretos) de edifícios específicos: as obras de Oscar Niemeyer erguidas na capital do Brasil.
Se, por um lado, as operações executadas por Renato Custodio incluem uma homenagem inevitável às formas modernas, por outro também atuam em uma superação do tributo em benefício de modos de execução alternativos ou mesmo lúdicos. “Na medida em que a fotografia arranca os envoltórios secos da visão habitual, cria outro hábito de visão: intenso e desapaixonado, solícito e distante ao mesmo tempo; enfeitiçado pelo detalhe insignificante, adito à incongruência”, escreveu Susan Sontag na década de 1970 [2].
O ato fotográfico, frio e cálido a uma só vez, pode servir bem ao desequilíbrio das certezas; é O que vemos acontecer nos trabalhos expostos em Plano B. A inclinação de Renato Custodio para a justaposição de camadas – conseguida pelas múltiplas exposições – e para a reinvenção da cor – propiciada pelo revelado cruzado [3] – distanciam as imagens dos referentes que espelham, em uma espécie de dança caleidoscópica de reorientação do real. Nessas paisagens, que buscam redesenhar as linhas de Niemeyer, a grande fidelidade é com seu próprio nexo.
O projeto de Renato Custodio é, sem dúvida, estético, mas ganha sentido político quando seu referente é sutilmente invocado. Entre as várias imagens (miragens) presentes em Plano B, há uma delas (em tons de vermelho) que não esconde o que é, rompendo com a tônica da leitura abstrata ao apontar para um lugar, uma nação. Em outra, o grande símbolo nacional e a frase categórica que nele pode ser lida desde 1889 – Ordem e Progresso -, nos recorda que, plano após plano, sentidos nunca são fixos. Seu uso pelo artista insinua a fratura.
Texto produzido por Charlene Cabral
[1] BERARDI, Franco. Depois do futuro. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
[2] SONTAG, Susan. On Photography. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1977.
[3] O processo cruzado se caracteriza pela revelação de um filme fotográfico em um químico que não lhe é próprio. Nos trabalhos de Renato Custodio, a película positiva (cromo/slide), que idealmente seria revelada por químicos E-6, recebe revelação C-41 (própria para negativos). Como resultado, há distorções nas cores, na saturação e no grão, que em geral podem ser previstas conforme o modelo de película utilizada.
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