História

Hokusai: biografia, principais obras e legado

Hokusai é um dos artistas mais influentes da história da arte mundial. Nascido em 1760, no coração de Edo — a futura Tóquio — ele se tornou o nome mais reconhecido do ukiyo-e, a xilogravura que retratava a vida urbana e os prazeres efêmeros do Japão pré-moderno. Mas sua obra ultrapassa qualquer definição simples: Hokusai reinventou a paisagem, ampliou os limites técnicos da gravura e estabeleceu um diálogo visual com o Ocidente muito antes da globalização cultural.

Sua obra mais célebre, A Grande Onda de Kanagawa, tornou-se uma obra-prima universal, das mais reconhecidas, replicadas e reinterpretadas do mundo até hoje. Por trás dessa imagem amplamente difundida existe, porém, uma trajetória intensa marcada por experimentação, dificuldades financeiras e uma busca incansável pelo aperfeiçoamento artístico.


Uma vida dedicada à imagem

Hokusai começou a desenhar muito cedo — relatos indicam que, aos 6 anos, já cobria papéis e superfícies com desenhos espontâneos. Aos 14 anos, iniciou formalmente seus estudos em um ateliê de gravura, entrando em contato com técnicas que moldariam toda a sua produção futura.

Ao longo da vida, adotou mais de trinta nomes artísticos, cada um marcando uma fase criativa distinta — prática comum no Japão da época, mas que nele expressava também uma necessidade interna de renovação permanente.

Extremamente produtivo, deixou dezenas de milhares de obras entre gravuras, pinturas, livros ilustrados e séries temáticas. Apesar da genialidade reconhecida hoje, sua vida foi marcada por instabilidade financeira, mudanças constantes e um apego quase espiritual ao trabalho. Aos 75 anos, declarou:

“Se Deus me conceder mais dez anos de vida, talvez eu finalmente me torne um verdadeiro artista.”

Hokusai
Retrato de Hokusai, feito por seu discípulo Keisai Eisen (anterior a 1848). Crédito: Wikimedia Commons

Morreu aos 88 anos acreditando que ainda não havia alcançado seu auge.


A Grande Onda e a reinvenção da paisagem

Criada em 1830–31 como parte da série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, A Grande Onda de Kanagawa é talvez o melhor exemplo da fusão entre tradição japonesa e inovação formal.

“A Grande Onda de Kanagawa” – 1831. Série: Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji. Xilogravura de Katsushika Hokusai. Crédito: Wikimedia Commons

A cena é conhecida: barcos de pescadores enfrentam uma onda colossal enquanto, ao fundo, o Monte Fuji permanece sereno. O impacto, porém, vem da composição — o contraste entre a força da natureza e a pequenez humana, aliado ao uso magistral de curvas, diagonais e ritmo visual.

Hokusai incorporou elementos ocidentais de perspectiva e profundidade, obtidos de gravuras europeias que circulavam clandestinamente no Japão do período Edo. Ele absorveu essas referências e as transformou em algo inteiramente novo.


Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji — a paisagem como jornada

A série que abriga a Grande Onda representa um marco na história do ukiyo-e. O Monte Fuji aparece como protagonista absoluto, observado sob diferentes atmosferas, estações e pontos de vista.

Com essas imagens, Hokusai desloca o foco tradicional das gravuras — antes centrado em cortesãs, atores e cenas urbanas — para a contemplação da paisagem, da viagem e do cotidiano comum.

“South Wind, Clear Morning” (Red Fuji) – 1831. Série: Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji. Xilogravura de Katsushika Hokusai. Museu de Belas Artes de Boston. Crédito: Google Arts and Culture

A série combina espiritualidade, naturalismo e observação social, transformando a montanha em símbolo, mito e presença contínua na vida japonesa.


Shunga: a série erótica de Hokusai

Outra faceta essencial de sua produção é o conjunto de gravuras eróticas conhecidas como shunga (“imagens de primavera”). No período Edo, tais obras circulavam livremente e faziam parte da cultura visual: eram colecionadas, oferecidas como presentes e apreciadas sem o tabu moderno.

A obra mais célebre entre elas é:

O Sonho da Esposa do Pescador (1814)

A composição mostra uma mulher envolta em uma cena erótica com dois polvos, misturando sensualidade, humor e fantasia.

“O Sonho da Esposa do Pescador” – 1814. Katsushika Hokusai. Museu Britânico. Crédito: Wikipedia

Nela vemos:

  • o domínio absoluto da linha,
  • a liberdade imaginativa,
  • e a capacidade de transformar o desejo em narrativa visual.

O shunga de Hokusai revela um artista que transita entre o sublime e o popular com a mesma maestria.


A influência de Hokusai na arte europeia

Com a abertura dos portos japoneses no século XIX, as gravuras de Hokusai chegaram à Europa e provocaram uma transformação profunda. O movimento conhecido como Japonisme se espalhou pelos ateliês, pelas coleções particulares e pelos círculos artísticos.

A influência foi direta e marcante:

Van Gogh

Estudou atentamente o uso de cores planas, linhas definidas e enquadramentos ousados em estampas japonesas.

Monet

Colecionava gravuras de Hokusai e incorporou ao Impressionismo a lógica de cortes e a visão atmosférica presentes no ukiyo-e.

Degas, Toulouse-Lautrec e Whistler

Absorveram a composição assimétrica, os cortes inusitados e o dinamismo que caracterizam as gravuras japonesas.

Esse impacto foi tão amplo que muitos historiadores consideram Hokusai um precursor silencioso da arte moderna ocidental.


Por que Hokusai permanece tão atual?

Porque sua obra transcende fronteiras culturais e temporais.
Porque equilibra tradição e inovação com uma naturalidade rara.
Porque sua linguagem visual, ao mesmo tempo simples e sofisticada, continua ressoando no design, na moda, na animação e na arte contemporânea.

Hokusai não apenas representou o Japão — ele ajudou a moldar a sensibilidade visual global. Seu legado é a prova de que a arte, quando guiada por curiosidade e reinvenção, encontra sempre novos caminhos para atravessar o tempo.

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Equipe Editorial

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