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O conceito de Global South (Sul Global) tem ganhado centralidade no debate sobre o mercado de arte contemporâneo. Muito além de uma simples localização geográfica, ele representa uma constelação de países historicamente marginalizados no sistema-mundo do capitalismo global — especialmente da América Latina, África, Sudeste Asiático, Oriente Médio e partes da Europa Oriental. No contexto do mercado de arte, o Global South se tornou um campo fértil de atenção, tensão e transformação, desafiando o modelo eurocentrado e norte-americano que, por décadas, dominou a definição de valor, legitimidade e visibilidade artística.
O Global South não deve ser entendido apenas como um hemisfério meridional, mas sim como um espaço simbólico e político. Ele reúne regiões que compartilham legados de colonização, desigualdade sistêmica e exclusão cultural. No mercado de arte, esse conceito é particularmente importante para destacar como artistas e instituições do Sul Global foram — e ainda são — historicamente sub-representados em museus, galerias internacionais e leilões de prestígio.
Contudo, nos últimos anos, especialmente após 2020, há um crescimento significativo da visibilidade de artistas do Sul Global. Estudos recentes mostram que artistas africanos, brasileiros, indianos e do sudeste asiático têm sido promovidos por redes estratégicas de stakeholders (curadores, galerias, colecionadores, museus) e que suas trajetórias de sucesso não são espontâneas, mas sim construídas a partir de articulações transnacionais.
O mercado de arte global está passando por um processo de descentralização e diversificação. Tradicionalmente, o eixo Paris–Nova York–Londres definia os principais fluxos de poder artístico. Hoje, cidades como São Paulo, Lagos, Mumbai, Dubai e Cidade do Cabo se tornam hubs culturais com circuitos próprios — conectados, mas não subordinados.
Essa nova geografia reflete o que pesquisadores como Olav Velthuis e Stefano Baia Curioni chamam de “tissage” (entrelaçamento): o mercado de arte contemporânea é formado por redes dinâmicas que interligam atores locais, regionais e globais. O Sul Global participa ativamente desse tecido, criando um mercado artístico global cada vez mais multipolar.
Paradoxalmente, muitos artistas do Global South ganham espaço no mercado internacional justamente por sua origem. O apelo por diversidade faz com que instituições e colecionadores valorizem obras que dialogam com identidades culturais, memórias pós-coloniais, ancestralidade e estéticas locais. No entanto, isso também levanta críticas quanto à “exotificação” e à demanda por autenticidade étnica como critério de valor — uma forma de neocolonialismo simbólico.
Como ressalta Denis Vidal, o processo de globalização não criou um “artista universal”, mas universalizou a figura do artista, tornando suas identidades parte do valor de mercado. Muitos artistas do Sul tentam romper com essa expectativa, buscando reconhecimento por sua linguagem, e não apenas por sua origem.
O crescimento de feiras como a SP-Arte (São Paulo), a Art Dubai, a India Art Fair ou a 1-54 Contemporary African Art Fair revela como as cidades do Sul Global se tornaram agentes centrais de produção e circulação artística. Esses eventos ajudam a posicionar cidades como polos culturais globais, com estratégias urbanas que misturam cultura, turismo e capital simbólico.
Esses centros muitas vezes reproduzem modelos de “arts districts” e zonas de gentrificação cultural que já ocorreram em cidades do Norte, mas com lógicas próprias. Como mostram estudos sobre Montevidéu, Istambul e Beirute, a produção artística local se articula com agendas de desenvolvimento urbano, na construção de imagens internacionais das cidades.
O sucesso dos artistas do Sul Global depende da ação coordenada de uma rede de instituições, galerias, curadores e colecionadores que apostam em seus trabalhos. Estudos recentes identificaram até 438 stakeholders promovendo artistas emergentes do Sul entre 2020 e 2022 — revelando o papel essencial dessas conexões globais.
O Sul Global, assim, não é um mercado isolado. Ele se insere em circuitos de legitimação transnacionais, o que permite a visibilidade global de seus artistas, mas também os torna dependentes de uma estrutura internacional de valorização que pode ser assimétrica e desigual.
Apesar dos avanços, as desigualdades estruturais entre o Norte e o Sul permanecem. A infraestrutura institucional (museus, escolas de arte, políticas culturais) ainda é muito mais robusta no Norte Global. Além disso, o acesso ao capital — financeiro, cultural e simbólico — continua concentrado nas metrópoles históricas.
Assim, enquanto o Sul participa mais ativamente do mercado global, ele o faz a partir de uma posição periférica. Isso significa que sua valorização ainda depende, em grande parte, da validação vinda do Norte — seja por meio de feiras como Art Basel, bienais de Veneza ou curadorias em instituições de prestígio.
O Global South no mercado de arte é, ao mesmo tempo, uma promessa e um campo de disputa. Ele traz diversidade, inovação e novos imaginários ao circuito global, mas também expõe contradições profundas sobre quem define o valor da arte, com base em que critérios, e para quem.
A chave para um futuro mais justo no mercado de arte está em fortalecer as redes locais de legitimação, investir em educação e formação crítica, e promover modelos que não apenas exportem talentos para o Norte, mas que também fortaleçam circuitos regionais.
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