Vista da instalação Magdalene Odundo: The Journey of Things, no Hepworth Wakefield (cortesia do artista; fotografia de Lewis Ronald).
Em um mundo saturado pela produção industrial e pela efemeridade digital, o ressurgimento do artesanato na arte contemporânea emerge não apenas como uma tendência estética, mas como um ato de resistência. O artesanato, historicamente relegado à sombra da “alta arte”, agora desafia as fronteiras estabelecidas, questionando o que significa criar em uma era de reprodução mecânica. Para um público já imerso nas nuances da arte contemporânea, este retorno não é uma mera nostalgia, mas uma provocação: o que o fazer manual revela sobre a condição humana que a arte conceitual, por vezes, obscurece?
A arte contemporânea, com sua multiplicidade de mídias e abordagens, encontra no artesanato uma forma de reconectar-se com a materialidade e a autenticidade. Artistas como Sheila Hicks, que entrelaça fibras têxteis em instalações monumentais, ou Grayson Perry, cujas cerâmicas narram histórias sociais e políticas, exemplificam essa fusão entre o tradicional e o inovador. Este texto explora como o artesanato, longe de ser um anacronismo, se torna um veículo para a crítica cultural e a experimentação estética.
Antes da Revolução Industrial, o artesanato era a essência da criação artística, uma prática onde forma e função se entrelaçavam. Com a ascensão da produção em massa, no entanto, o artesanato foi marginalizado, visto como uma relíquia de um tempo pré-moderno. A arte, por sua vez, abraçou o conceitual, muitas vezes desdenhando o manual como mero ofício.
Contudo, o final do século XX testemunhou uma reviravolta. Movimentos como o Arts and Crafts de William Morris já prenunciavam uma revalorização do fazer manual como resposta à desumanização industrial. Hoje, artistas contemporâneos como Theaster Gates, que revitaliza comunidades através da cerâmica, ou El Anatsui, cujas tapeçarias de metal reciclado transcendem a utilidade, reabilitam o artesanato não como um retorno ao passado, mas como uma afirmação do presente.
O retorno do artesanato na arte contemporânea é multifacetado. Primeiro, há uma busca por autenticidade em um mundo de simulacros. O trabalho manual, com suas imperfeições e singularidades, contrapõe-se à esterilidade da produção em série. Artistas como Magdalene Odundo, com suas cerâmicas que evocam tradições africanas, celebram a unicidade do objeto artesanal.
Segundo, o artesanato resiste à homogeneização cultural imposta pela globalização. Em um contexto onde a padronização estética é a norma, técnicas tradicionais como o bordado ou a tecelagem tornam-se atos de preservação identitária. O coletivo indígena Ka’apor, por exemplo, utiliza o artesanato para reafirmar sua cultura em face da colonização cultural.
Terceiro, o artesanato permite a exploração de novas formas de expressão. Artistas contemporâneos não apenas revivem técnicas ancestrais, mas as subvertem. A obra de Yinka Shonibare, que utiliza tecidos africanos em esculturas que questionam o colonialismo, exemplifica essa hibridização.
Por fim, o artesanato serve como comentário social e político. Em uma era de consumo desenfreado, artistas como Liza Lou, que cria instalações com miçangas para criticar o trabalho exploratório, utilizam o fazer manual para abordar questões de sustentabilidade e justiça social.
Diversos artistas contemporâneos incorporam o artesanato de maneira inovadora. Na tecelagem, por exemplo, artistas como Diedrick Brackens criam tapeçarias que narram histórias de identidade queer e racial, enquanto na cerâmica, Roberto Lugo mescla grafite e porcelana para discutir classe e raça.
Uma obra emblemática é “The Dinner Party” de Judy Chicago, uma instalação que utiliza cerâmica e bordado para celebrar figuras femininas históricas, desafiando a exclusão das mulheres na arte e na história. Outro exemplo é a série “Mended Spiderwebs” de Nina Katchadourian, que repara teias de aranha com linha, questionando a intervenção humana na natureza.
Essas obras não apenas empregam técnicas artesanais, mas as elevam a um patamar conceitual, onde o processo manual se torna parte integrante da mensagem artística.
O retorno do artesanato na arte contemporânea tem implicações culturais e sociais profundas. Ele valoriza tradições culturais, preservando saberes ancestrais em um mundo que os ameaça com o esquecimento. Ao mesmo tempo, cria novas formas de arte, expandindo as fronteiras entre o que é considerado “arte” e “artesanato”.
Além disso, o artesanato conscientiza sobre questões sociais e políticas. Artistas como Tania Bruguera, com seu projeto “Immigrant Movement International”, utilizam práticas artesanais para empoderar comunidades marginalizadas, transformando o fazer manual em um ato de resistência política.
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