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Quantos artistas foram envenenados por suas tintas?

Há quinhentos anos, os pintores não podiam se dar ao luxo de comprar suas tintas em lojas de materiais de arte.

Eles tinham que misturar suas próprias cores. Muitas vezes isso era difícil, caro ou perigoso o que torna ainda mais impressionante que os pintores da era medieval e renascentista ainda conseguissem produzir cores tão intensas e bonitas.

Os perigos das tintas são conhecidos há séculos. Em 1713, Bernardino Ramazzini publicou um livro sobre os perigos. “Dos muitos pintores que conheci”, escreveu ele, “quase todos achei tinham problemas de saúde”. Se estes problemas eram relacionados somente à tinta, dificil de saber, mas é algo a se considerar.

Pigmentos

O pigmento é o corante das tintas. Geralmente vinha na forma de pó e, antes do século 19, quase sempre era encontrado na natureza (de origem animal, vegetal ou de minerais naturais). Os pintores misturavam o pigmento em pó com um aglutinante para que pudesse ser aplicado como tinta. Os agentes de ligação podiam ser uma série de coisas, mas incluíam têmpera de ovo, resina de pinho, goma arábica, mel e até cera de ouvido (o que me parece um exagero, mas eu deixei porque achei divertido).

Estas eram algumas maneiras de como foram produzidas algumas cores comuns dos tempos medievais e renascentistas. Se você ainda não apreciava as belas pinturas desses períodos, certamente o apreciará agora, apenas pela energia necessária para produzir as cores.

Nem sempre era o próprio artista quem fazia os pigmentos. Podia ser seu assistente ou outra pessoa do estúdio ou mosteiro.

O envenenamento pode ocorrer pela ingestão ou inalação dos pigmentos mortais. (Sabe-se que Van Gogh colocava seus pincéis na boca para “afina-los” – quem sabe quantos outros fizeram o mesmo.)

Vermelhos

Muitos dos pigmentos vermelhos foram feitos de insetos moídos. Para produzi-los, os pintores ferviam a laca seca em pó, os Kermes ou, um pouco mais tarde, os insetos Cochonilhas com urina ou soda cáustica e depois misturavam-nos com um agente aglutinante.

Kermes Latreille, 1798 é um gênero de pequenos insetos da ordem Hemiptera de cujo corpo, após secagem, se extrai o corante natural designado por carmesim

O vermelhão, outra cor vermelha, era feito de cinábrio, principal minério de mercúrio. Ou você pode simplesmente aquecer enxofre e mercúrio para formar um cinábrio artificial. (Aquecer mercúrio nunca é uma boa idéia.)

Vestígios de cinábrio foram encontrados nos ossos de escribas medievais, e o uso habitual provavelmente levou à morte prematura de muitos.

Em seu livro do século XV, Il Libro dell’arte, Cennino Cennini alertou contra o trabalho com realgar, um pigmento vermelho à base de arsênico. “Não há como fazer companhia a este composto. . . Cuidado com você mesmo.”

O realgar é um composto de sulfureto de arsenio. A composição química é As4S4. É associado a outros minerais de arsénico-antimónio.

Azuis

A azurita era um pigmento azul profundo que continha sulfeto de arsênico e sua criação produzia um gás tóxico chamado cianeto de mercúrio.

A Azurita é um mineral do grupo dos carbonatos com composição química Cu3(CO3)2(OH)2

Era caro, mas um pouco mais barato que o ultramarino. O ultramarino era feito moendo a pedra preciosa lápis-lazúli e, por ser tão caro, era reservado principalmente para pinturas de Cristo e da Virgem.

Ticiano fez uso dramático do ultramarino no céu e dos panos de Baco e Ariadne (1520-1523)

Ouro

O ouro era frequentemente usado para dourar manuscritos. O pintor começava com uma base aderente e depois posicionava cuidadosamente um amálgama de ouro e mercúrio na página. Após a secagem, o excesso foi retirado. O envenenamento por mercúrio era frequentemente o resultado.

Cristo Aparecendo a Davi, recorte de um gradual, por volta de 1440, Giovanni di Paolo, cores têmpera, folha de ouro e tinta sobre pergaminho. Museu J. Paul Getty

Preto

Lampblack era feito de fuligem ou carvão. O preto ósseo era o tom mais profundo de preto e era feito de ossos carbonizados. Rembrandt adorava. Os pigmentos pretos geralmente contêm impurezas que podem causar câncer de pele.

A Ronda Noturna ou A Ronda da Noite (em neerlandês: De Nachtwacht) é uma pintura a óleo sobre tela do pintor neerlandês Rembrandt, pintada entre 1639 e 1642.

Brancos

O pigmento branco de chumbo era feito suspendendo tiras de chumbo sobre vinagre ou urina dentro de um vaso.

O vaso era lacrado e enterrado num monte de esterco por alguns dias. Uma crosta se formava no chumbo. Ela era raspada e triturada. “Os pigmentos de chumbo podem causar anemia, problemas gastrointestinais, danos nos nervos periféricos (e danos cerebrais em crianças), danos nos rins e no sistema reprodutivo.”

The Supper at Emmaus, Michelangelo Merisi da Caravaggio, 1601, oil and tempera on canvas, 141 × 196.2 cm (55.5 in × 77.2 in), National Gallery, London

Verde

Os pigmentos verdes incluíam malaquita, verdegris e verde espanhol. Muitos deles eram derivados de compostos de arsênico e eram altamente tóxicos.

Este detalhe de “A Natividade Mística” de Sandro Boticelli contém pigmento verdegris. Verdigris é um nome comum para qualquer variedade de sais de cobre de ácido acético um tanto venenosos, que variam em cor do verde ao verde-azulado, dependendo de sua composição química.

Amarelo

Orpiment, também chamado de King’s Yellow, era feito de uma pedra vulcânica de qualidade brilhante encontrada em todo o mundo. Era extremamente venenoso, pois também continha chumbo e arsênico. O amarelo cromo e o amarelo zinco causaram câncer de pulmão.

Pintores envenenados?

Quem pode ter sido envenenado pelas suas tintas? A pergunta provavelmente deveria ser: quem não foi envenenado? A doença comum conhecida como cólica do pintor era caracterizada por pele pálida, perda de dentes, fadiga, gota e paralisia.

Os possíveis sofredores incluíam Correggio, Raphael, Michelangelo, Goya e van Gogh – para citar alguns.

No Brasil, o pintor mais famoso a morrer por intoxicação por tintas foi Candido Portinari que morreu no dia 6 de fevereiro de 1962, quando preparava uma grande exposição de cerca de 200 obras a convite da Prefeitura de Milão (Itália), vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava. Principalmente das que continham chumbo a cádmio.

Candido Portinari
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Paulo Varella

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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