Arte Contemporânea

Sensibilidade ampliada na obra de Iberê Camargo


Uma envolvente mostra aberta recentemente no Instituto Tomie Ohtake, enfoca aspectos pouco difundidos do percurso artístico de Iberê Camargo (1914-1994), denominada “O Fio de Ariadne”, concebida inicialmente para a 12º Bienal do Mercosul (2020), resgata primorosamente, cerâmicas e tapeçarias que encantam os apreciadores pela dimensão criativa de um mestre.

Anteriormente exposta na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, no RS, se reveste de excelente oportunidade a presença do excelente conjunto de obras no circuito paulistano. Iberê visto como um exemplo de machismo gaúcho, possuía um lado mais sensível testemunhada pela sua esposa dona Maria, que por 55 anos conviveu com o famoso artista.

Iberê, mais conhecido por suas pinturas, fez também tapeçarias nos anos 70 com orientação feminina, especialmente no atelier da tecelagem de Maria Angela Magalhães no Rio, por outro lado nos anos 60, cerâmicas foram desenvolvidas com as ceramistas Luiza Prado (1914-2000) e Marianita Linck, de Porto Alegre.

Maria Angela Magalhães em seu ateliê Artesanato Guanabara dec.1970.
Foto: Cortesia Família Almeida Magalhães Hermeto.

O espectador se defronta com uma série de peças que ampliam a compreensão da profundidade de sua obra, observando as tapeçarias de grandes dimensões, os desenhos, as cerâmicas, os desenhos, os cartões e as excepcionais gravuras.

Iberê observando sua produção de pintura em pratos de porcelana no ateliê̂ de Luiza Prado, Porto Alegre, 1961.
Foto: Fundação Iberê Camargo.

Uma série de fotos e depoimentos gravados de mulheres que o influenciaram permite ao visitante aquilatar a dimensão exata da visão de Iberê ao criar obras memoráveis. Uma de suas incentivadoras é sem dúvida alguma sua esposa Maria Coussirat Camargo (1915-2014), que conservou uma infinidade de documentos e demais peças importantes que possibilitaram a criação da Fundação Iberê Camargo, que conta com cinco mil obras do artista em seu acervo.

As pinturas em cerâmicas produzidas entre 1960 e 1965, surpreendem pela força de um grafismo, enquanto outras peças se alinham num erotismo bem representativo. O uso das cores se concentra na sobriedade dos cinzas, marrons, vermelhos e pretos. As cerâmicas refletem, notadamente concebidas em 1965, a sua linguagem pictórica com espessas camadas de esmalte, lembrando os trabalhos realizados por Picasso, com a introdução de animais.

Sem título, c. 1961. Esmalte cerâmico sobre prato de porcelana industrial. Foto: © Fabio Del Re_VivaFoto

As tapeçarias são extremamente impactantes pela sutileza das transparências, adaptar as cores existentes nos guaches para as linhas bordadas, era uma tarefa das mais complicadas para as artesãs que realizavam os tapetes, como chegou a revelar Maria Ângela Magalhães, que com seu atelier produziu 10 tapeçarias de Iberê, sendo que oito estão na mostra, aliás todas peças foram feitas entre 1975 e 1981.

As gravuras em metal também são destaque na exposição, que demonstra a versatilidade do artista, um mestre incluindo a técnica da litografia, desenvolvendo uma temática abstrata acoplando lances figurativos com os carretéis, resquício de suas lembranças de infância.

Iberê se relacionou profissionalmente com diversas mulheres, sabendo lidar com muita sensibilidade, revelando seu outro lado, respeitoso para o sexo oposto, apesar de sua virilidade gaúcha muito propalada.

A mostra, com curadoria de Denise Mattar e Gustavo Possamai, é especialmente essencial para se compreender a real expressão desse grande artista, que aliou sua experiência vivencial com temas profundos, envolvendo a fragilidade humana com um vigor singular.

O sugestivo título da mostra “O Fio de Ariadne” nos leva à mitologia grega, Ariadne, filha do rei de Creta, que se empenhou em ajudar seu querido Teseu a escapar do Minotauro e se liberar do labirinto concebido pelo arquiteto Dédalo. Um simples novelo de lã dada pela jovem Ariadne salvou Teseu, que pode retornar do labirinto no seu caminho de libertação. Uma bela metáfora para uma mostra que evidencia a importância da colaboração feminina na execução de uma saída estrutural labiríntica para a oxigenação de uma obra personalíssima e universal nos resultados finais.


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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