Arte Moderna

Maria Martins e a atemporalidade de sua obra


O percurso da artista plástica Maria Martins (1894-1973) ultrapassa a linha surrealista. Sua obra rompe conceitos, inova e se envolve numa linguagem arrojada e essencialmente poética.

A complexidade de suas incursões plásticas denotam profundidade, alicerçada numa cultura densamente humanista envolta em reflexões filosóficas oportunas.

Tendo uma vida social bem dinâmica, casou-se pela primeira vez em 1915 com o jurista e historiador Otávio Tarquínio de Sousa, mas em 1924 se separa e parte para Paris com suas duas filhas.

Na Cidade Luz se casa, em 1926, pela segunda vez, com o diplomata Carlos Martins, que se tornará embaixador do Brasil em Washington no agitado ano de 1939. Maria Martins montou ateliê na própria Embaixada, desenvolvendo sua obra com extrema tenacidade.

Transitava por altas esferas, alcançando prestígio internacional pela sua excepcional escultura admirada por vários surrealistas.

Viveu em diversos lugares como Dinamarca, Bélgica, França, Estados Unidos e Japão, tendo viajado para a Índia e China. Um dos seus mais famosos relacionamentos emocionais foi com o famoso Marcel Duchamp, que admirava intensamente.

Fotografia rara em que Maria aparece junto a Duchamps

Em 1942, Maria monta um estúdio na Park Avenue em Nova York, faz amizade com a escultora Mary Callery que lhe introduz no cenário artístico da cidade. Conhece grandes personalidades como os arquitetos Philip Johnson e Mies van der Rohe.

Nesse período nova-iorquino conheceu também André Breton e Rufino Tamayo, tendo se aproximado dos artistas que frequentavam o badalado apartamento de Peggy Guggenheim como Max Ernst, Marc Chagall, Yves Tanguy, Marcel Duchamp e Piet Mondrian além de Fernand Léger, que se tornou um amigo bem próximo.

A projeção de sua obra se deve primeiramente aos elogios de André Breton, um dos mentores do surrealismo, que se integrou ao movimento pela sua linha vanguardista.

Na realidade Maria foi introduzida no campo surrealista com a sua terceira individual “Maria: New Sculptures” apresentada, em 1943, na Valentine Gallery, em Nova York, um ponto crucial na carreira da artista, ocasião em que sua obra “St. Francis” é comprada pelo Metropolitan Museum of Art e a peça “Yara” é adquirida pelo Philadephia Museum of Art.

Em 1947, realiza uma individual na Julien Levy Gallery, em Nova York, tendo no catálogo texto de apresentação de André Breton. Participou da famosa exposição “Le Surrealisme, en 1947” , na Galerie Maeght, em Paris.

Retornando ao Brasil em 1950, realiza suas primeiras individuais no país, no MAM de São Paulo e na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro, mas recebeu críticas devastadoras.

No ano seguinte, participa da I Bienal de São Paulo e sucessivamente da segunda, mas na terceira edição recebe o Prêmio de Escultura Nacional com “A soma de nossos dias”.

Transformações marcantes surgiram nessa época com figuras humanas metamorfoseadas em plantas e árvores enaltecendo personagens místicos  de uma tradição bem brasileira como Cobra Grande, Yara, Yemanjá, Boto e Boiuna. Resgatando os mitos amazônicos com formas que primam pela maestria nos resultados plásticos.

Maria Martins – Cobra Grande, 1943.

A sua obra abrange além das esculturas, objetos cerâmicos, desenhos e inúmeros textos, pois adorava escrever. As suas intensas pesquisas resultaram na transformação de figuras humanas em expressões enaltecedoras da natureza na sua essência.

As suas formas escultóricas impressionam, a sua obra é reconhecida internacionalmente com uma das grandes escultoras brasileiras, justamente no ano de 2012, quatro décadas após sua morte, a Documenta de Kassel, na Alemanha, deu um grande destaque na sua incursão plástica.

Em 2013, algumas de suas obras foram expostas no Museu Astrup Fearnley, em Oslo, na Noruega confirmando a sua importância atraindo a atenção de instituições culturais dos quatro cantos do mundo. Nesse mesmo ano, uma grande mostra “Maria Martins: Metamorfoses” ocupava o Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM, reunindo peças notáveis, num total de 38 esculturas, demonstrando o vigor de uma expressividade atemporal.

Deve-se frisar que a escultura “ O Impossível”, em uma de suas versões, pertencente ao acervo do Banco Itaú, se destacou como uma das peças mais icônicas da sua carreira.

O Impossível, 1945| Escultura em bronze, 79,5 x 80 x 43,5 cm.
Foto: Jaime Acioli

Após a publicação do antológico livro “Maria” editado pela Cosac Naify, em 2010, que reunia as imagens de todas as obras catalogadas, o interesse pelas suas esculturas tem atraído a atenção tanto de especialistas como de colecionadores, justamente pelo arrojo da propostas que criam impactos e confrontos estéticos.


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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