No ano de 1989, o curador Jean-Hubert Martin deu vida a tão aclamada Magiciens de la Terre, uma exposição que apresentou obras de mais de cem artistas de cinquenta países no Centre Pompidou e no Grande Halle do Parc de la Villette em Paris. Até hoje, essa exposição globalizante é um dos acontecimentos mais relevantes para a história da arte
“ Magiciens de la Terre é a primeira exposição verdadeiramente internacional, reunindo artistas de todo o mundo.” – Jean-Hubert Martin, L’Art au large, Paris: Flammarion
Supostamente, na época, 300.000 visitantes compareceram à exposição, e o catálogo da mesma nunca foi traduzido em outras línguas para além do francês, causando um conflito direto com a proposta de globalização.
Para além da atenção do público, o que mais surpreendeu na época foi a crítica voltada a exposição. Até hoje, Magiciens de la Terre é objeto de debates curatoriais, pois gerou questionamentos sobre a sólida estrutura da história da arte eurocêntrica.
Metade dos 104 artistas expostos vieram de países ditos “não ocidentais”, inclusive artistas hoje bem conhecidos, como Chéri Samba ou Cildo Meireles. Com uma equipe de orientadores, o curador viajou pelos cinco continentes, visitando artistas com formações acadêmicas e autodidatas, não se deixando levar pela discriminação entre arte e artesanato no momento da seleção de obras.
A proposta da mostra era acabar com o monopólio da arte europeia – americana e sua perspectiva narcisista. Dessa forma, a exposição descrevia a prática artística como um fenômeno universal e espiritual em um mundo global. No catálogo, havia uma espécie de atlas do mundo da arte, onde a origem geográfica de cada artista era destacada.
Devido a uma mudança na exibição dos continentes, o local da mostra sempre foi localizado no centro do mundo – um apelo metafórico para uma nova geografia da história da arte. Com sua prática curatorial, Jean-Hubert Martin queria se dissociar da exposição de William Rubin sobre o “primitivismo” na Arte do Século XX, Affinities of the Tribal and the Modern, apresentado em 1984 no Museu de Arte Moderna de Nova York.
O grandioso projeto de Jean-Hubert Martin não o trouxe só elogios, mas foi fortemente debatido em dois campos. Um lado via Magiciens de la Terre como uma ameaça à sua modernidade “ocidental”, sua visão de mundo hegeliana, que precisava ser defendida. O outro lado criticou a forma como Martin lidou com artefatos religiosos ou cerimoniais, julgando-os pelas lentes dos padrões estéticos “ocidentais”.
O curador classificou-as como obras de arte sem olhar mais de perto sua função, ignorando assim uma parte essencial de seu significado. Sua busca pelas dimensões autênticas e espirituais da arte também foi apontada contra ele.
Muitas vezes o curador selecionava um artista supostamente “tradicional” ou privilegiava a “originalidade” de um artista autodidata – mas apenas em relação à arte “não ocidental”. As vozes de artistas profissionais não foram ouvidas.
Ao impor o papel de contrapartida da arte acadêmica ocidental à arte de países “não ocidentais”, o curador reforçou sua imagem exótica de arte popular “primitiva”. Assim, o conceito de Martin não era mais do que um frágil gesto de igualdade? Por mais que o curador tenha se distanciado da exposição de Rubin, os críticos prontamente equipararam sua abordagem à atitude neocolonial de Rubin.
A importância da exposição Magiciens de la Terre é indiscutível, embora o conceito certamente pareça inadequado e desatualizado para os padrões de hoje. Na época, o próprio curador acreditava que a mostra era a primeira tentativa de transformar o mundo da arte dominado pelo “ocidental”.
Esse valor a essa mostra em especifico se deu por causa de todas as críticas que a exposição inaugurou em uma era que progressivamente se democratizou e se descentralizou o discurso da arte.
Porém, atualmente, Magiciens de la Terre é considerada o nascimento da chamada “virada global”, como o incentivo para inúmeras exposições que desde então empreenderam uma reescrita pós-colonial da história, por exemplo, Sete Histórias sobre a Arte Moderna na Africa ou Africa Remix. Depois da mostra “Primitivismo” na arte do século XX, a exposição mediada por Martin foi o estopim para os estudos pós-coloniais de curadoria e enfatizou a necessidade de um discurso de arte global.
Hoje, mais de 30 anos após Magiciens de la Terre, a globalização do mundo da arte está no seu auge, estamos presenciando a era das bienais, artistas nômades e curadores interconectados. Apesar disso, a exposição ainda inspira debates sobre nossa sociedade global e suas relações de poder geopolíticas e hierarquias.
Magiciens de la Terre não é apenas uma importante peça da história da arte. O fator principal para a discussão contínua da mostra na literatura, em painéis e exposições é que sua demanda por um mundo da arte igualitário não foi, até hoje, consistentemente satisfeita. Muitas das perguntas que foram levantadas na exposição ainda estão esperando para serem respondidas.
https://arteref.com/podcasts/a-globalizacao-da-arte/
As férias estão chegando, e São Paulo está cheia de opções culturais imperdíveis! Com uma…
Fizemos um guia prático com dicas para te ajudar a ganhar dinheiro sendo artista. Hoje,…
Da segunda metade do século XVIII ao início do século XIX ocorreram inúmeras discussões no…
A Capela Sistina iniciada no século XV, deve seu nome ao Papa Sixto IV della…
Muitos séculos e fases caracterizaram o período de produção da arte grega. Embora se sobreponham,…
O termo “arte ultracontemporânea” foi adotado pela plataforma Artnet para designar trabalhos feitos por artistas…