No momento em que as questões feministas estão no centro de nove entre dez debates acalorados pelo mundo, a artista visual Ana Luiza Rego abre a exposição “Contos Saloméicos”, onde apresenta sua “Salomé avatar”, fazendo uma releitura contemporânea da polêmica figura bíblica. Coincidentemente, a abertura acontece na data em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, na Galeria Patricia Costa, no Shopping Cassino Atlântico, com curadoria de Fernando Cocchiarale. São ao todo nove telas a óleo sobre linho, de grandes e pequenos formatos (1,85m por 1,95m a 0,70m por 0,60m), onde a narrativa deixa de lado a história bíblica em si, para falar de momentos de solidão, de reflexão, de euforia e poder, numa abordagem com alguns toques de humor. Todas têm nomes femininos, como Sofia, Diana, Isadora… Trata-se de uma Salomé ligeiramente subversiva às convenções sociais ainda vigentes, com uma leitura absolutamente individual e aberta às mais diversas interpretações.
“A ideia da personagem Salomé nas pinturas surgiu por acaso – mas nem tanto. Justamente num ano que tanto aconteceu nos movimentos feministas, num ano de #metoo, de mulheres de preto no Globo de Ouro e Time’s UP. Atribuo ao inconsciente coletivo o resgate dessa história bíblica, que conta uma das primeiras revanches ao machismo e ao preconceito contra os direitos da mulher, num planeta em que o homem ainda pode tudo”, explica Ana Luiza Rego.
A artista ressalta ainda uma curiosidade: Salomé inspirou, por dois mil anos, grandes nomes da Arte, todos masculinos, como Oscar Wilde, Carlos Saura, Strauss, Caravaggio, Regnault, Klimt e Flaubert, entre outros.
Seja qual for a interpretação, as obras apresentam composições levadas ao extremo, convidando o olhar do espectador a circular pela superfície da tela, conduzido pelas pinceladas, pela matéria e pelo uso de cor.
“Impregnada de referências contemporâneas, a personagem deixa pistas que vão construindo uma personalidade de mulher independente e emancipada. As cabeças de João Batista representam uma metáfora para a morte de um tipo de homem que não faz mais sentido nesse universo das obras”, ressalta a artista.
Fernando Cocchiarale fala sobre o trabalho de Ana Luiza Rego:
“Em 2007 escrevi que as pinturas de Ana Luíza Rêgo essencialmente nunca se afastaram das referências práticas e discursivas que marcaram fortemente sua geração (a chamada geração 80). Passados mais de 10 anos, verifico que − ao lado das transformações poéticas observáveis em seu processo criativo − podemos afirmar que estas referências permanecem até hoje como essenciais à sua pintura. Sob a influência genérica do neoexpressionismo alemão, os jovens da nossa Geração 80 esquentaram o corpo-a-corpo com a obra, numa recusa explícita ao distanciamento decorrente de processos mais racionalizados que prevaleceram nas duas décadas anteriores: o grito de uma subjetividade expressa pelo fazer. O trabalho de Ana Luzia Rego e o de outras artistas brasileiras, como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes e Cristina Canale, apesar de suas notáveis diferenças, pertence inequivocamente a essa genealogia”.
SAIBA MAIS SOBRE A ARTISTA
Voltando de um hiato de alguns anos na pintura, o cérebro da artista Ana Luiza Rego nunca descansou. Muito pelo contrário: com a vida dividida entre Rio e Nova York, além de frequentes idas à Europa, onde mantém laços familiares, foram anos de pesquisas visitando exposições e museus pelo Brasil e exterior. Entre as exposições mais marcantes, destacam-se “Geraçōes” – Ana Luiza Rego e Rubens Gerchman – Museu da República – Rio; “Rio” – Galeria Patricia Costa; “Brasilialaniche Knust auf Papier” – MOYA – Museum of Young Art – Vienna; “Arte Brasileira Sobre Papel” – Fundação Medeiros e Almeida – Lisboa; “Arte Brazilleña sobre papel” – Palacio Maldonado – Madrid.
A HISTÓRIA DE SALOMÉ
Salomé era filha de Filipe Antipas e Heródia, que depois deixa o primeiro marido para viver com o irmão deste, Herodes Antipas. Em uma festa em que Salomé dança para Herodes, ele, encantado, diz a ela que pedisse o que quisesse como prêmio, até parte do seu reino. Heródia, no entanto, sentindo-se difamada por João Batista, que pregava para o povo que ela era uma prostituta por ter largado Filipe para se casar com o cunhado, pede a cabeça do evangelizador.
Contos Saloméicos – artista Ana Luiza Rego resgata, em versão contemporânea, a figura bíblica de Salomé
Abertura: dia 8 de março, às 19h Visitação: até o dia 29 de março. Galeria Patricia Costa Endereço: Av. Atlântica, 4.240/loja 226 – Copacabana – RJ Telefone: 2227-69294 Funcionamento: de segunda a sexta, das 11h às 19h. aos sábados das 12h às 18h. |