Machado de Assis inspirou as gerações de escritores que o sucederam, bem no espírito desta série de mostras que agora soma 61 edições. O autor escrevia sobre as características da sociedade brasileira e deixou em suas páginas um fiel retrato historiográfico da formação do Brasil. Acompanham a Ocupação, uma publicação impressa e conteúdos exclusivos no site do IC, além de marcar o lançamento da coleção Todos os livros de Machado de Assis, projeto em parceria da editora Todavia e o Itaú Cultural.
Aproximadamente 100 peças compõem a Ocupação Machado de Assis. Encerrando as exposições desta série para este ano, ela abre no Piso Paulista do Itaú Cultural às 11h de 18 de novembro (sábado). Segue em cartaz até 4 de fevereiro de 2024. O conjunto perpassa a vida do escritor e a construção de seus romances, contos, poemas, crônicas, peças de teatro e artigos, que o tornaram o maior representante da literatura brasileira no país e no exterior.
A Ocupação reúne antigas fotografias, manuscritos originais, cartas, exemplares de sua obra e de seus escritores favoritos – entre eles, José de Alencar, Stendhal, Blaise Pascal, Arthur Schopenhauer – e primeiras edições de livros. Há, ainda, vídeos com leituras dramáticas de contos e poemas seus, depoimentos de estudiosos de sua obra e publicações em jornais. Em torno de uma mesa e cadeira, que remetem ao seu canto para escrever, encontra-se objetos pessoais – uns, originais; outros, em réplica –, como penas, tinteiro, mata-borrão, ampulheta, pincenê (óculos sem haste que se prende ao nariz por meio de uma mola), a sua caderneta de exercícios de grego e contratos de publicações, entre outros.
Com concepção e realização do Itaú Cultural e curadoria da Gerência de Curadorias e Programação Artística da instituição, a mostra tem consultoria dos professores e pesquisadores Hélio Seixas Guimarães, Henrique Marques Samyn e Luciana Antonini Schoeps. O projeto expográfico é da arquiteta Francine Moura.
O momento da abertura da exposição, marca o lançamento da coleção Todos os livros de Machado de Assis. Trata-se de um projeto inédito da Editora Todavia e do Itaú Cultural, com organização de Hélio Guimarães, que também é vice-diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Reúne 26 volumes em uma caprichada caixa com todas as publicações que Machado escreveu e editou em vida, mantendo a sua dicção e com um projeto gráfico que se inspira na tipografia das edições originais. O conteúdo traz obras-primas produzidas por ele em todos os gêneros que praticou e suas incursões pelo teatro, poesia, contos e romances iniciais até se tornar um grande autor, cuja criação literária perpassa os séculos mantendo atualidade em suas questões.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839, no Morro do Livramento, conhecido hoje como Pequena África, na região central do Rio de Janeiro. Morreu na mesma cidade em 1908 e o Brasil entrou em luto oficial. Por quase 50 anos – a maior parte de sua vida – viveu sob o regime escravocrata brasileiro. Filho de Francisco José, homem afrodescendente e pintor de paredes, e de Maria Leopoldina, mulher branca, portuguesa nascida em uma das ilhas dos Açores, e lavadeira, foi neto de ex-escravizados que ganharam a liberdade.
Há mais de cem anos, a sua obra está – no Brasil e no exterior – no centro dos estudos e debates sobre a literatura, a cultura e a formação social brasileira, envolvendo questões de classe, gênero e raça. Embora tenha se consagrado como autor de textos narrativos, Machado também se destacou no desenvolvimento de crônicas e outros gêneros literários. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1897, ele assumiu a primeira presidência da casa, da qual também foi patrono.
Uma imponente imagem da inconfundível assinatura do autor, junto de uma ampla fotografia dele, ainda jovem, em sua mesa de escrever, recebem o público da Ocupação Machado de Assis. Ao entrar, o visitante percorre quatro espaços repletos da vida e obra do escritor – entre sua própria produção literária, os livros preferidos de sua biblioteca, referências de autores que o inspiraram, manuscritos, fotos antigas, vídeos com depoimentos atuais sobre o homenageado – até desembocar em uma sala que representa o lugar onde ele confeccionou a sua farta produção.
Sem seguir uma ordem cronológica, a mostra proporciona um passeio por essa vida vivida durante 69 anos. Além da literatura, ela inclui, outras faces do autor: enxadrista, censor, funcionário público, tradutor para o francês, alemão, inglês, italiano e espanhol. Ele foi, também, um eterno apaixonado pela portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novaes, com quem se casou em 1869. Juntos, viveram por 35 anos, até a morte dela, ao lado da cadelinha Graziela, que ocupou o lugar dos filhos que não tiveram. Não à toa, o poema A Carolina, dedicado à mulher, é considerado a melhor peça de sua obra poética.
As peças ali exibidas provêm de importantes acervos como os da Academia Brasileira de Letras, da Fundação da Biblioteca Nacional, da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e do Banco Itaú. Assim, o espaço expositivo reúne elementos que dialogam entre si e revelam, ainda, o processo criativo do autor e a construção e amadurecimento de sua obra.
No percurso pela Ocupação, se encontra, por exemplo, o original da transcrição datilografada do conto A Cartomante, com assinatura de Machado. Também a reprodução de manuscritos, como o de Esaú e Jacó. A obra é o oitavo romance do autor e conta a história de Pedro e Paulo. Eles passam a vida em uma eterna disputa, até mesmo pelo amor da jovem Flora, que não consegue escolher entre os dois irmãos. O livro foi publicado em 1904, sob o título de Último. Entre os manuscritos, também chama a atenção o do nono e último romance de Machado, Memorial de Aires, publicado 1908, poucos meses antes de sua morte.
Encontra-se, também, primeiras edições de suas obras, como a peça de teatro Desencantos: fantasia dramática, lançada em 1861. Este foi o primeiro texto publicado por ele, impresso pela tipografia de um editor importante para a literatura brasileira, Francisco de Paula Brito. Embora não tenha sido encenada, há indícios de boa recepção da peça na época. No livro exibido na mostra, há uma dedicatória do escritor ao ator Pedro Joaquim da Silva Amaral.
A primeira edição de Quincas Borba, de 1891, é mais um dos destaques na exposição. O romance havia sido publicado anteriormente em formato de folhetim na revista A Estação, entre 1886 e 1891. Machado de Assis modificou substancialmente o texto de uma versão à outra, tendo suprimido capítulos e reescrito e redistribuído o conteúdo. Para as pesquisadoras Marta de Senna e Manuela Fantinato, enquanto o folhetim dá mostras de ser um trabalho em processo, o livro é já plena expressão da maturidade do autor. Veja mais neste PKD em Curiosidades.
Historicamente sendo embranquecido, a partir de quando começou a ganhar notoriedade, a exposição também tem como pauta tratar da negritude do homenageado. Encontra-se, por exemplo, em vídeos com depoimentos de especialistas e ativistas.
Outros materiais audiovisuais, todos com interpretação em Libras e dirigidos por Edi Cardoso, se entrecruzam no percurso da exposição. Em um deles, a atriz, dançarina e diretora de Teatro Aysha Nascimento faz a leitura dramática do conto Mariana, de 1871, na qual interpreta a personagem que dá nome ao texto em seu imbróglio amoroso que a separa de Evaristo para obrigá-la a casar com Xavier. A atriz e poeta Elisa Lucinda declama as poesias Erro, de 1864, Lágrimas de Cera, poema publicado em Falenas, em 1870, e o já mencionado A Carolina, publicado em 1906 e considerado o último poema de Machado.
Ainda, as atrizes Cleide Queiróz e Juçara Marçal interpretam em vídeo a peça Os deuses de Casaca, encenada pela primeira vez em 1865. Atriz e dramaturga, Dirce Thomaz faz a leitura de crônica publicada por ele no jornal Gazeta de Notícias, em 19 de maio de 1888, sobre a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888. A atriz Carlota Joaquina dramatiza o texto do Capítulo CXXVII. Formalidade, de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Jovens estudantes da Escola Estadual Maria Trujilo Torloni, em São Caetano do Sul (SP), protagonizam o vídeo Além da prova. Eles declaram as suas impressões após a realização de leitura e discussão em sala de aula do conto O caso da vara, de Machado, orientadas pelo professor Alcides Villaça, em setembro de 2023.
Um globo terrestre, com destaque em libras, indica países que receberam a tradução de Dom Casmurro, como Croácia, Espanha, França, Inglaterra, Líbano, Japão, Polônia, Alemanha, Dinamarca, Estônia, Holanda, Estados Unidos, Itália, Romênia, Sérvia, República Checa, Suécia e Egito. Ele também dá suporte a um áudio de um trecho deste livro – o capítulo XXXII, Olhos de ressaca, em audiovisual, em libras.
Vídeoguias com cinco faixas e um teaser, em português e libras, navegam por cinco temas relacionados com a vida e a obra machadiana. A primeira trata da racialidade. O tema da segunda se desenvolve no seu trabalho como romancista e de outros gêneros literários. A terceira faixa discorre sobre os objetos originais, ali expostos, que o artista utilizava para escrever: sua pena, seu tinteiro e demais itens de seu local de trabalho. A dramaturgia e a crônica são o tema da quarta faixa. Para encerrar, o assunto são as suas traduções. Objetos táteis para a manipulação do público de baixa visão, foram criados de uma seleção de objetos pessoais de Machado, como o tinteiro, caneta-tinteiro e o piscinê.
A equipe de mediação que integra o Núcleo de Formação do IC, prepara oficinas de xadrez, com um tabuleiro e peças especiais, focando na faceta enxadrista de Machado e dos problemas de xadrez que ele publicava em jornal.
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