O artivista paulistano Mundano apresenta sua nova obra, em homenagem às centenas de indígenas e ativistas assassinados no Brasil nos últimos anos. Em uma empena de 618m2 na lateral de um prédio na rua Quintino Bocaiúva, a poucos metros da Catedral da Sé, Mundano retratou Ari Uru-Eu-Wau-Wau, indígena assassinado em abril de 2020, em Rondônia, e escreveu os nomes de dezenas de defensores da floresta que também foram assassinados. Segundo dados da Global Witness, o Brasil é um dos países mais letais para defensores do meio ambiente.
O local escolhido tem relação com o tema e os materiais usados para a pintura. A obra foi executada com tinta produzida com terra coletada no Marco Zero de São Paulo, na praça da Sé, que foi misturada a cinzas de queimadas da Amazônia coletadas por Mundano há dois anos. O artivista já havia usado a técnica de produzir tintas com materiais resultantes de tragédias ambientais em 2020, quando usou lama tóxica resultante da tragédia de Brumadinho, e em 2021, com cinzas de queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. Desta vez, Mundano agrega materiais que remetem a uma das maiores chagas sociais do país.
“Onde hoje temos o marco zero da maior cidade da América Latina era território indígena, que foi ocupado em um processo de expulsão e morte dos povos originários que persiste até hoje. É o que estamos vendo na Amazônia, mas também em todas as regiões onde os indígenas ainda mantêm parte de suas terras. Por isso Ari foi retratado com terra do marco zero e cinzas da Amazônia – ambos territórios indígenas”, explica Mundano.
A obra encerra um ciclo que o artivista chama de #releiturasmundanas, feitas no escopo do centenário da Semana de Arte Moderna e lançando as bases de uma nova modernidade, pautada pelo artivismo e pela arte pública. Ela teve início em 2020, quando Mundano usou lama tóxica de Brumadinho para fazer um painel inspirado no quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral. Em 2021, ele combinou cinzas de queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica para homenagear os brigadistas que combatem as queimadas em todo o Brasil com uma releitura de “O Lavrador de Café”, de Cândido Portinari.
Desta vez, Mundano inspirou-se em “Bananal” (1927) do pintor lituano-brasileiro Lasar Segall – uma das principais obras do movimento modernista brasileiro.
Enquanto em Bananal só é mostrado o rosto e o pescoço do personagem, no mural de Mundano é possível ver o corpo e também a mão de Ari, segurando a ponta de uma lança, como na imagem que ficou nacionalmente conhecida pela foto de Gabriel Uchida que ilustrou as matérias sobre sua morte. A diferença é sutil, mas reveladora de seu papel em sua comunidade. Ari Uru-Eu-Wau-Wau fazia parte da equipe de vigilantes Guardiões, que protege o território indígena, combatendo as invasões de madeireiros e grileiros. Ari era também professor na aldeia 621. Foi encontrado morto na manhã de 18 de abril de 2020, assassinado com aproximadamente quatro golpes na cabeça. Tinha apenas 33 anos.
A produção do mural levou dez dias, foi realizada pela Parede Viva e contou com a assistência de mais quatro artistas: Everaldo Costa, Carolina Afolego, André Hulk e André Firmiano. O prédio fica localizado na rua Quintino Bocaiúva e a imagem pode ser vista da praça Dr. João Mendes, no centro de São Paulo.
Utilizando a arte para marcar seu posicionamento social, ambiental e político, o paulistano Mundano há mais de 15 anos exerce efetivamente o artivismo como ferramenta de transformação social.
Defensor de causas ambientais e dos direitos humanos universais, fundou, em 2012, a ONG Pimp My Carroça, e o aplicativo Cataki, ambos voltados para a conexão entre geradores de resíduos e os catadores de material reciclável. O resultado do seu trabalho abriu portas para replicar essas ações artivistas mundo afora – mais de 20 países visitados realizando murais, exposições, graffiti, palestras, parcerias e integrando programas globais como o TED Fellows.
Nos últimos anos, vem desenvolvendo uma intensa pesquisa de materiais, coletando resíduos dos maiores crimes ambientais da história do país, criando, assim, seus próprios insumos a partir desses dejetos: lama tóxica, cinzas das queimadas das florestas e óleo derramado nas praias do nordeste. Esses resíduos se transformam em obras de denúncia, seja por meio do graffiti, em esculturas, telas ou nas empenas de prédios. Sua última obra, com mais de 1.000m2, homenageia os brigadistas das florestas que apagam os incêndios criminosos — em uma releitura da obra “O Lavrador de Café” de Cândido Portinari, Mundano usa cinzas das queimadas de 4 biomas brasileiros: Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal para criar essa gigantesca pintura como um símbolo contra o desmatamento ilegal.
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