O Ateliê 31, no centro do Rio de Janeiro, apresenta a exposição individual da artista Vera Schueler Araripe “O Jardim Secreto”, a partir do dia 05 de julho de 2024 (sexta-feira), das 16h às 19h30. A mostra é resultado do seu trabalho de conclusão no curso de Pintura da Escola de Belas Artes/UFRJ e apresenta um conjunto composto por nove telas, uma gravura e uma pintura mural medindo 2,5 x 2,5 metros, produzida no local.
A mostra traça um paralelo entre a infância da artista na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e o clássico da literatura infanto-juvenil ‘O jardim secreto’ (que nomeia a exposição), publicado pela primeira vez em 1911 pela autora britânica Frances Hodgson Burnett. O primeiro contato da artista com o livro foi através de uma professora de português que a presenteou na quinta série.
O livro conta a história de Mary, uma menina de 9 anos deixada aos cuidados de um tio após perder os pais na Índia. Descobrindo um jardim trancado e abandonado, Mary, junto com seu novo amigo Dickon e um pássaro chamado pisco-de-peito-ruivo, transforma o lugar desolado em um símbolo de renovação e amizade. O livro celebra a redescoberta da natureza como fonte de vida e transformação para crianças antes solitárias e desanimadas.
Assim como Mary, Vera teve uma infância atípica na Ilha do Governador, onde nasceu e cresceu. Sua mãe teve um diagnóstico de depressão pós-parto que, como era de costume na época, não foi tratado, o que fez com que Schueler fosse criada por parentes que também enfrentavam outros desafios relacionados à saúde mental.
“O paralelo entre a obra infantil e a pesquisa de Vera surge na transformação de memórias, mesmo as mais espinhosas, em fonte abundante de cor, beleza e cuidado”, destaca Paula Amparo que assina o texto crítico da exposição e acompanha o trabalho da artista há mais de dois anos.
“O jardim secreto” trata com beleza os medos e as ânsias de quem aprendeu tardiamente a viver e amar a vida com os olhos de uma criança. “Esse projeto também traz uma mudança derradeira na vida de sua personagem principal, visto que o meu jardim secreto um dia fora um quintal maltratado e hoje é a pintura, e o meu pisco foi o sabiá-laranjeira que vivia na mangueira do quintal da casa onde cresci e fazia visitas diariamente. Hoje guardo apenas memórias dele, um passarinho grande comparado aos outros que também habitavam o mesmo quintal, além de possuir uma barriga proeminente de tonalidade laranja vivo que brilhava ao sol”, relata Vera.
Todas as obras da exposição são inéditas, exceto a maior delas, “Três Marias – Um desejo”, (2023), com 2,66 x 1,62 cm de dimensão. Este trabalho foi apresentado no começo de 2024 na exposição Alvorada, na galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro, através do projeto GAS, que promoveu uma seleção de 32 artistas dentre 770 inscritos no edital. “Três Marias – Um desejo” faz referência ao pedido por um lar feito pela pintora, ainda criança, para o trio de estrelas. “Vera produziu essa tela em retribuição ao desejo concedido. A dupla de primos afetivamente negligenciados de ‘O jardim secreto’, seguindo o exemplo do pisco-de-peito-ruivo, montam um ninho para iniciarem uma família saudável, capaz de abrigar o modo de ser das pequenas existências selvagens como as crianças, as plantas e os animais. A recuperação do jardim secreto anuncia a chegada da primavera e promove a cura coletiva, que se espalha pela propriedade em um irrefreável efeito cascata. A mágica das Três Marias, assim como a do jardim, transformou a realidade de um grupo de crianças que se colocou entre outras espécies para sonhar com um mundo acolhedor”, enfoca Paula Amparo.
A exposição também apresentará as obras “Nana” e “Bananal”, ambas com 80 x 60 cm, “Tininha”, de 150 x 200 cm, “No Jardim”, de 90 x 60 cm, “Cacuia”, “Sabiá” e “Cajuzinho”, medindo 20 x 20 cm cada, e “Aurora”, de 140 x 100 cm.
De origem de família de artistas, tendo o seu bisavô, João Moreira de Araripe Macedo, como precursor, Shueler traça toda sua pesquisa baseada nas memórias da sua infância. Por vezes traça um projeto de pintura, mas ao longo da execução se “deixa levar” pelos pensamentos e outras imagens e formas ganham espaço na tela. “Ao não planejar, fujo de resultados iguais baseados em fórmulas que já deram certo. A cada nova tela há um novo desafio e, por conta disso, a criação é sempre baseada em vivências, sentimentos e memórias ligadas ao período no qual ela foi gerida. Algumas são mais alegres em sua profundidade, outras mais pesadas e densas, mas cada uma possui particularidades que as tornam únicas, por mais que possam compor lindamente lado a lado em uma exposição individual. São tantas camadas que muitas das telas só fazem sentido para mim algum tempo depois de prontas, pois o inconsciente realmente toma conta da criação trazendo à tona coisas que eu não conseguia enxergar antes”, diz a artista.
Uma das características do trabalho de Schueler são os padrões de repetição inspirados na azulejaria, que fascinam a artista e trazem consigo a beleza óbvia que ela tenta alcançar no seu trabalho. “Eles trazem também uma profunda conexão com a moda e funcionam como uma espécie de amparo visual para todos os outros elementos citados anteriormente. É, em toda a composição, mas principalmente nos padrões que a cor se cria sozinha, aparecendo organicamente na minha cabeça sem um planejamento prévio, como em um exercício de desapego e conexão interior”, diz Vera.
A pintura inicialmente chapada e lisa no início de sua carreira gradualmente deu lugar a abordagens mais ousadas, gestuais, texturizadas e intuitivas. Vera percebeu que a pintura se faz de forma mais significativa quando “o artista” se liberta do gosto, do belo, do bom e do ruim, quando uma espécie de transe surge entre o pintor e a tela, o muro, o painel, o metal, a madeira, enfim, a superfície pictórica. Segundo a artista “é por isso que os trabalhos mais recentes surgem sem um planejamento prévio definido”.
A artista utiliza predominantemente a tela, geralmente esticada em chassi, mas ocasionalmente fora dele, fixada na parede com grampeador ou fita crepe apropriada para pintura. A composição pode variar entre formatos retrato e paisagem, com uma inclinação pelo formato retangular e também pelo tondo (formato redondo). Além da tela, há uma preferência por trabalhar com papel e madeira. O muro, onde iniciou sua jornada artística, é um suporte pelo qual a artista nutre um profundo apreço, influenciada pelo graffiti e muralismo.
Vera foi uma das artistas convidadas a participar do projeto “Cores da Brasil” promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, um esforço colaborativo que engajou 131 grafiteiros na produção artística das estações do BRT ao longo de 26 km na Avenida Brasil. Sua contribuição foi na estação Vasco da Gama, onde ela escolheu ornamentar com motivos de cajus, em homenagem ao bairro do Caju, nas proximidades. A intervenção artística na estação Vasco da Gama do BRT TransBrasil ocorreu em dezembro de 2023, como parte do projeto que transformou visualmente importantes pontos de transporte da cidade.
Ilha do Governador, 1994.
É artista-pesquisadora em formação pelo curso de Pintura da Escola de BelasArtes/UFRJ. Tem sua pesquisa voltada para questões relativas à infância e ao momento de urgência ecológica atual, concentrando a atenção em elementos relacionados à mata atlântica, plantas medicinais e à figura do gato-maracajá, um dos primeiros habitantes da região onde hoje se situa a Ilha do Governador, antes conhecida como Ilha do Gato.
Como últimas realizações, teve seu trabalho exposto em exposições coletivas no Paço Imperial, no Centro Cultural Correios, na galeria Anita Schwartz, no Rio de Janeiro. Teve publicado nas três edições da Revista Imago-EBA (2021-2023), e foi selecionada para participar da Residência Artística no Laboratório de Plantas Medicinais do Instituto Oswaldo Cruz (2022-2023).
Inaugurado em abril de 2023, o Ateliê 31 se firmou como um ponto de encontro para a cena artística carioca e potencializador do projeto de revitalização do centro do Rio de Janeiro. Neste período, realizou oito exposições, entre coletivas e individuais, e recebeu quatro residentes, tendo suas pesquisas e trabalhos sob o acompanhamento curatorial de Shannon Botelho, curador e crítico de arte, responsável pela gestão artística do espaço.
Com um total de 220 m² e localizado em um ponto estratégico do centro do Rio de Janeiro – Rua México 31 -, próximo aos principais museus, centros culturais, estações de metrô e teatros da cidade, o Ateliê 31 é um espaço de arte independente e com a proposta de proporcionar aos artistas cinco salas exclusivas de ateliês; uma sala para exposições que abrigará mostras coletivas e individuais; uma sala para residentes nacionais e/ou estrangeiros; áreas comuns para encontros, troca de ideias e criações; ambiente colaborativo para workshops, palestras e outros eventos; e suporte para artistas contemporâneos, através do acompanhamento artístico e de carreira.
Exposição “O Jardim Secreto” – Vera Schueler Araripe
Abertura: 05 de julho (sexta-feira) | 16h às 19:30
Visitação: terça a sexta-feira, das 13h às 18h.
Texto crítico: Paula Amparo
Projeto expositivo e identidade visual: Vinícius Carvas
Local: Ateliê 31. Rua México, 31, 10º andar (sala 1003), Cinelândia – Centro. Rio de Janeiro – RJ
Entrada gratuita
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