Em outubro, São Paulo será palco de duas grandes exposições que resgatam a obra de Carlito Carvalhosa. A Natureza das Coisas, com abertura em 8 de outubro, no Sesc Pompeia, e A Metade do Dobro, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake (ITOh) a partir do dia 24, reafirmam o seu protagonismo na cena artística contemporânea brasileira das últimas décadas e oferecem ao público um panorama abrangente de seu percurso criativo. Será uma oportunidade única de revisitar momentos fundamentais da trajetória do artista, falecido prematuramente em 2021, aos 59 anos.
Além das retrospectivas, em exibição nos espaços até fevereiro, estão previstas mais duas iniciativas. A Nara Roesler Edições publica, em dezembro, um livro com extensa monografia dedicada à produção de Carvalhosa. Paralelamente, a editora Supersônica apresenta um audiolivro de arte, formato inédito no Brasil, no qual artistas, críticos e amigos de Carvalhosa fazem “audiodescrições afetivas” de algumas de suas obras e relembram marcos importantes de sua vida. O audiolivro será instalado como uma obra sonora na exposição do Instituto Tomie Ohtake e estará disponível nas principais plataformas de streaming.
Essa revisita ao trabalho do artista se articula em dois movimentos separados, porém complementares, organizados em torno do Acervo Carlito Carvalhosa – criado por sua viúva Mari Stockler e filhas com o intuito de pesquisar, divulgar e preservar sua produção – e articulados em uma ampla rede colaborativa, em curadoria costurada a muitas mãos. Enquanto a mostra A Natureza das Coisas, do Sesc Pompeia, apresenta algumas de suas instalações, acompanhadas por um conjunto denso de projetos, desenhos e estudos preparatórios, a exposição A Metade do Dobro, no Instituto Tomie Ohtake, reúne sobretudo trabalhos bidimensionais e escultóricos – acompanhados sempre de vasto material de arquivo –, refazendo o percurso do artista desde os primeiros movimentos de juventude até criações mais recentes e confirmando o caráter experimental e diverso de sua produção.
Carlito Carvalhosa explorou um leque muito amplo de técnicas artísticas: pintura, gravura, colagem, escultura, instalação. Trabalhou com materiais variados e muitas vezes inusitados: papel, gesso, tecido, alumínio, cerâmica, copos de vidro e um tecido leve, o TNT (Tecido Não Tecido). Com este último criou imersões sensoriais delicadas e transformadoras, em diálogo íntimo com a arquitetura (sua formação original), estimulando visual e perceptualmente novas apreensões de mundo. Para Luis Pérez-Oramas, poeta e historiador da arte venezuelano que assina a curadoria das duas exposições, em conjunto com outros pesquisadores brasileiros, a obra de Carvalhosa uniu “em uma síntese inesperada as polaridades irreconciliáveis da modernidade brasileira: a linguagem concreta e a matéria informe”.
O Sesc Pompeia apresentará a primeira grande retrospectiva das instalações de Carvalhosa, reunindo uma seleção de obras desenvolvidas para instituições renomadas. O artista, conhecido por sua exploração de materiais não convencionais, traz à tona um diálogo profundo entre arte e espaço. A curadoria é assinada por Luis Pérez-Oramas e Daniel Rangel, com a curadoria adjunta de Lúcia K. Stumpf.
Esta exposição única permite ao público vivenciar simultaneamente algumas das mais icônicas criações de Carvalhosa, como Faço Tudo Para Não Fazer Nada, Já Estava Assim Quando Cheguei, Linha de Sombra, Imaterialidade e Sala de Espera. Cada uma dessas obras, com suas dimensões monumentais e ousadas experimentações formais, parece reconfigurar o ambiente ao seu redor, ora tensionando, ora promovendo uma espécie de apagamento da arquitetura circundante. O resultado é uma experiência sensorial em que a arte e o mundo se entrelaçam em um constante jogo de aproximação e distanciamento.
Sala de Espera, exibida originalmente em 2013 no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, seria, nas palavras de Carvalhosa, como uma “paisagem deitada”, em intensa relação com o espaço. Usando postes de madeira de descarte, que um dia serviram para iluminação urbana e carregam as marcas desse uso, ele construiu uma trama labiríntica, desorientadora, que parece desafiar a arquitetura em torno e o corpo em deslocamento do visitante. O interessante embate original que promoveu com a utopia modernista de Oscar Niemeyer e sua rígida sucessão de colunas brancas, corporificada no projeto do MAC, dá lugar agora a uma interessante intersecção com o amplo e sinuoso ambiente projetado por Lina Bo Bardi, outro grande nome da arquitetura brasileira e responsável pela transformação da antiga indústria da Rua Clélia em fábrica de cultura.
A interação com o espaço – um dos mais simbólicos da cidade – traz ainda uma novidade: a remoção da vedação que há anos impede a entrada de luz natural pela claraboia do espaço expositivo, estabelecendo assim uma conexão ainda mais rica com o ambiente externo.
Em paralelo às grandes criações imersivas, A Natureza das Coisas traz ainda uma série de documentos, registros, anotações e maquetes feitas por Carvalhosa. O material é farto, já que o artista manteve um registro precioso de suas investigações ao longo de quatro décadas de carreira, anotados em mais de uma centena de cadernos, evidenciando um profundo interesse no fluxo e no processo, como explica Lúcia K. Stumpf, curadora do Acervo Carlito Carvalhosa e curadora adjunta da mostra no Sesc.
Evidenciando essa conexão nem sempre aparente entre projeto e obra final, não será exibida na mostra do Sesc Pompeia a versão final de Já estava assim quando eu cheguei e sim o molde em fibra de vidro usado para a confecção dessa gigantesca montanha de gesso, semelhante a um Pão de Açúcar flutuando no ar de ponta-cabeça. Uma versão menor da escultura do Acervo Sesc de Arte, que está exposta de forma permanente no Sesc Guarulhos, poderá ser vista em A Natureza das Coisas, reiterando a relação entre cheio e vazio, positivo e negativo buscada pelo artista e mostrando como Carvalhosa concilia, paradoxalmente, peso e leveza, permanência e instabilidade.
Em um arco amplo que vai de 1984 a 2021, o visitante vai acompanhar uma cronologia que serpenteia em torno de algumas das questões que marcam a investigação de Carvalhosa. O projeto curatorial é de Ana Roman, Lúcia K. Stumpf, Luís-Perez Oramas e Paulo Miyada.
Organizada em três salas e dividida em sete núcleos, a mostra reúne cerca de 150 obras e explora algumas das questões centrais trabalhadas por Carlito Carvalhosa ao longo de sua carreira, trazendo à tona aquilo que Oramas define como seu “repertório movediço”.
Ali estão as primeiras pinturas com esmalte sintético sobre papel kraft, desenvolvidas durante sua experiência de viés coletivo no ateliê Casa 7, um movimento essencial da chamada Geração 80; a incorporação de uma maior materialidade e o uso da encáustica e da cera, primeiro como material pictórico e depois conquistando o espaço na série das Ceras Perdidas. Como explica Miyada, “um pouco além ou aquém do léxico pictórico da cor e da linha, Carlito adentrava a espessura da pintura, indo além de sua epiderme em direção à sua carne”.
Nos núcleos subsequentes o visitante se depara com obras que usam a luz como estratégia para “lavar o olhar”; as experiências com cerâmica e alumínio; as pinturas sobre espelhos e as experimentações na zona turva entre plano e volume, entre monocromia e uso da cor, entre gestualidade evidente – como as marcas dos pincéis, dedos e das mãos – e a planaridade das superfícies espelhadas.
Os curadores usam a imagem-síntese de “encontro íntimo entre o olho, a mão e a matéria” e reafirmam a centralidade do embate entre reflexo e opacidade, fortemente presentes em obras como Flor e Espinho (sua primeira criação sonora, de 2007) ou as pinturas azuis sobre alumínio, de 2011. Essas peças ampliam a compreensão sobre suas experimentações, resgates e evoluções, onde imagem, gestualidade e sensibilidade se entrelaçam em diferentes proporções ao longo do tempo.
A mostra no Tomie Ohtake reserva ainda uma feliz simultaneidade: a de ser apresentada em paralelo a uma retrospectiva de Mira Schendel (1919 -1988), artista fundamental para a arte contemporânea brasileira. E que marcou fortemente artistas como Carvalhosa e outros de sua geração, com uma pesquisa radical acerca da expansão do campo de criação artística, incorporando novos materiais, procedimentos e linguagens.
A Natureza das Coisas – Carlito Carvalhosa
Curadoria de Luis Pérez – Oramas e Daniel Rangel e coordenaria-adjunta de Lúcia Stumpf
Abertura: 8 de outubro, às 19h
Visitação: até 9 de fevereiro de 2025.
Terça a sábado, das 10h às 21h30.
Domingos e feriados, das 10h às 18h30. Grátis. Livre.
Local: Sesc Pompeia, área de Convivência. Rua Clélia, 93.
A exposição oferece recursos de acessibilidade.
Não temos estacionamento.
Agendamento de escolares para visitas mediadas através do e-mail: agendamento.pompeia@sescsp.org.br
Para informações sobre outras programações, acesse o portal: sescsp.org.br/pompeia
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