A artista Ana Santos tem consciência disso e também da persistência desse eixo mesmo quando a escultura se liberta da ideia que a justificava, buscando autonomia, até mesmo ao ponto em que o conceito original desaparece e ela se torna uma forma, uma presença vazia.
Em sua recente exposição na espaçosa galeria da Culturgest, em Lisboa, essa evolução formal é bastante evidente. A exposição, intitulada “Colecção Primavera-Verão”, sugere a apresentação das criações de um famoso estilista para a temporada atual. No entanto, poucas referências ao efêmero e volátil mundo da moda são encontradas aqui. Pelo contrário, os materiais utilizados possuem a durabilidade tradicionalmente atribuída à escultura, embora alguns deles possam ser considerados pouco convencionais, como acrílico, alumínio, metal, bronze, além de franjas de seda de poliéster, pinturas metálicas e redes sintéticas.
A montagem da exposição é sóbria e elegante, destacando as formas esbeltas de cada escultura, algumas penduradas na parede em pequeno formato, criando surpresas visuais. A crítica Castro Caldas acertadamente a descreveu como um “traje de gala”, ressaltando a teatralidade presente não apenas na exposição, mas também no trabalho escultural de Ana Santos. Os materiais industriais utilizados, como tubos de alumínio e peças metálicas, são tratados de forma decorativa com pinturas vibrantes e elementos como fios, franjas e tecidos lamés, contribuindo para a teatralidade da instalação contemporânea.
As obras de Ana Santos podem ser divididas em dois grupos principais: aquelas construídas a partir de tubos de PVC lacados, que evocam a coluna antiga, e aquelas que se aproximam mais da escultura tradicional em termos de dimensões e formas, exibidas encostadas à parede ou penduradas como pinturas. As primeiras remetem ao cânone grego clássico e a artista apresenta uma análise minuciosa do famoso Auriga de Delfos, destacando detalhes que geralmente passam despercebidos. Enquanto no passado os deuses eram retratados com impassibilidade, nas obras contemporâneas de Ana Santos, vemos a exuberância dos detalhes, permitida pela estética da época.
Uma escultura singular de 2023 se destaca nessa série de peças verticais: uma obra feita em vidro acrílico de um amarelo-fluorescente brilhante, diferindo dos materiais metalizados habituais do trabalho de Ana Santos. Essa nova abordagem mostra uma saída da marca autoral anterior da artista, abrindo novos caminhos em suas futuras exposições.
Exposição:”Colecção Primavera-Verão”
Data: até 10 de Setembro
Local: Galeria Culturgest, em Lisboa
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