Lenora de Barros e sua exposição individual “Não vejo a hora” inauguram a nova sede da Gomide&Co, galeria que passa a integrar o corredor cultural da Avenida Paulista, com um espaço de 600 metros quadrados no térreo do Edifício Rosa, inteiramente reformado pelos premiados arquitetos da Acayaba + Rosenberg.
Ao mesmo tempo em que inaugura o espaço expositivo, a expansão da Gomide&Co se faz também com a chegada de Fabio Frayha, ex-diretor do MASP, administrador especializado no universo das artes visuais, que passa a atuar como sócio da galeria ao lado do sócio fundador Thiago Gomide. Crítica de arte, curadora e pesquisadora com mais de 15 anos de trajetória na arte contemporânea, Luisa Duarte se une ao time como diretora artística.
“Não vejo a hora” reúne doze trabalhos, em sua maioria inéditos, que têm como denominador comum uma elaboração sobre o tempo. Desde fotografias, vídeo, instalação sonora até uma mesa de ping-pong transfigurada, a artista joga e nos convida a jogar também com as relações entre linguagem, temporalidade e corpo.
Ultrapassando os limites expositivos da galeria, quem chega à exposição já é recebido no lado de fora pela obra “Não vejo a hora” (2023), que enuncia e anuncia o título da mostra através de um letreiro em movimento. Ao se apropriar de uma expressão usada no discurso coloquial brasileiro como uma espécie de ready-made, Lenora provoca a noção de tempo e como nos relacionamos com ele. A linguagem em sua dimensão visual também é explorada em outros trabalhos, como em “ORA ERA” (2008), no qual a artista faz o uso de palavras e cores, jogando com seus significados e usos.
Ao abordar questões temporais e linguísticas, Lenora se desfaz da utilidade de aparelhos para medir o tempo. Entre as obras expostas, quatro têm ponteiros de relógios em sua composição. Na vídeo-performance “Que horas são?” (2023), projetada no teto da galeria, uma chuva de ponteiros precipita sobre uma peneira enquanto escutamos, ao fundo, as respostas de Hélio Oiticica em diálogo com Haroldo de Campos. Em “Nebulosas” (2009/2023) , trabalho que traz uma série de três fotografias, nuvens de ponteiros se tornam espécie de poeiras cósmicas gravitando no breu. Já em “Previsão” (2023), vemos um par de fotografias, no qual linhas das palmas de duas mãos formam uma cartografia sobre a qual pousam os ponteiros. O título remete tanto à ideia de previsibilidade própria aos relógios, quanto à crença de que o nosso destino estaria previsto na parte interior das mãos. Visitando o plano tridimensional, em “Camadinhas” (2023), finíssimas lâminas de vidro sobrepostas guardam ponteiros ao lado de minúsculos pedaços de papel que trazem escritas palavras no diminutivo.
Nesse cuidado minucioso com a dimensão temporal, o corpo, elemento central de toda a produção da artista, também se faz presente. No políptico fotográfico “O Ventre.” (2023), Lenora sobrepõe essas duas dimensões, temporal e corporal, ao manipular argila sobre o fragmento de corpo onde é gestado o começo da nossa contagem de tempo na Terra – o ventre. Dando continuidade a uma longa série a qual a artista desenvolve desde 1990 em torno do ping-pong como receptáculo poético, “Mesa para Ping-Poems (da série Não vejo a hora)” (2023) e quatro kits para jogos de ping-pong “imaginários” nos chamam para nos relacionarmos com nós mesmos e com o tempo de forma não convencional. Entre as demais obras expostas, a instalação sonora “Quanto tempo o tempo tem” (2023) traz a relação entre Lenora e sua mãe, Electra Delduque de Barros, a partir de uma gravação feita entre as duas.
Assim, os trabalhos reunidos em “Não vejo a hora” visitam um território candente da atualidade, aquele da nossa tortuosa relação com o tempo. Lenora de Barros sabe que diante das formas convencionais de medir o tempo, o tempo sempre tira mais de nós do que nós dele. Para pregar uma peça no tempo, a artista trata de subverter tais convenções e para isso coloca em cena o seu repertório poético que faz uso das estratégias do verbivocovisual com vias a nos endereçar, aliando rigor e humor, outras formas de nos relacionarmos com o tempo, tempo que constitui o tecido das nossas vidas.
Nascida em 1953, em São Paulo, Lenora de Barros formou-se em Linguística e suas primeiras obras podem ser colocadas no campo da “poesia visual”. Em 1983, publicou o livro Onde Se Vê, conjunto de poemas construídos como sequências fotográficas de atos performáticos. Suas exposições coletivas e individuais mais importantes incluem a participação na 59a Bienal de Veneza – The Milk of Dreams (Veneza, 2022), RETROMEMÓRIA, no MAM-SP – Museu de Arte Moderna de São Paulo (2022), Tools for Utopia: Selected works from the Daros Latinamerica Collection, no Kunstmuseum Bern (Berna, 2020), ISSOÉOSSODISSO, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (São Paulo, 2016), 4a Bienal de Arte Contemporânea de Thessaloníki (Grécia, 2013), 11a Bienal de Lyon (França, 2011), além da participação na 17a, 24a e 30a edições da Bienal Internacional de São Paulo (1983, 1998 e 2012). Sua obra faz parte de importantes coleções no Brasil e em diversos países, entre elas a do Hammer Museum (CA, EUA), MACBA – Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona (Espanha), Daros Latinamerica Collection (Suíça), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Espanha), MAM-SP e Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Fundada em 2013 em São Paulo, a Gomide&Co conquistou uma posição de destaque nacional e internacional, com participação nas mais prestigiadas feiras de arte, atuação concomitante nos mercados primários e secundário e uma programação conceituada de exposições rigorosamente construídas. “Atuamos como uma das principais fontes para que colecionadores particulares, museus e instituições ampliem suas coleções de arte brasileira”, define Thiago Gomide, que iniciou sua carreira com uma pequena galeria de mobiliário moderno brasileiro em sua cidade natal, Belo Horizonte, atuou ao lado de Bernardo Paz na criação do Inhotim e dirigiu o departamento de arte contemporânea e fotografia da Bolsa de Arte. Em 2013, criou a Galeria Bergamin & Gomide, na rua Oscar Freire, que a partir de 2021 ocupou também uma casa modernista projetada pelo arquiteto e artista Flavio de Carvalho.
Entre as exposições realizadas pela galeria destacam-se “E você nem imagina que Epaminondas sou eu” (2014), com obras de Amadeo Luciano Lorenzato e curadoria de Rivane Neuenschwander e Alexandre da Cunha; “Atributos do Silêncio” (2015) com curadoria de Felipe Scovino, “BEUYS” (2016) a primeira exposição individual do artista alemão em uma galeria brasileira; “Fabio Mauri (Senza Arte)” (2017), “Mira Schendel: Sarrafos e Pretos e Brancos” (2018), “Estratégias Conceituais” (2018); curadoria de Ricardo Sardenberg; “Antoni Tàpies” (2019); “Bruce Conner: Breakaway” (2019); Bruno Munari: Always a New Thing” (2020) e “Nosso Norte é o Sul” (2021).
A inauguração da nova sede na Avenida Paulista marca uma etapa de crescimento e profissionalização, com a expertise administrativa de Fabio Frayha – que, à frente da gestão executiva do MASP, atuou no processo de consolidação das recentes transformações institucionais implantadas no Museu, ao lado de Heitor Martins e Adriano Pedrosa – e de Luisa Duarte, curadora, crítica de arte e pesquisadora com um olhar atento, ao mesmo tempo rigoroso e inventivo, para o diálogo entre produções de diferentes períodos e linguagens artísticas, que dará o tom da programação.
Exposição individual “Não vejo a hora”, de Leonora de Barros
Local: Avenida Paulista, 2644. São Paulo – SP.
Abertura: 08 de março, às 18h
Período expositivo: 08 de março a 13 de maio
Horários de visitação: segunda – sexta 10h às 19h, sábado de 11 às 17h.
Entrada gratuita.
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