O Instituto Inhotim inaugura mais duas exibições temporárias, a partir do dia 27 de maio, sábado, na Galeria Praça. “Mestre Didi – os iniciados no mistério não morrem”, com curadoria de Igor Simões, curador convidado, e da equipe curatorial do Inhotim, e “A noite suspensa ou o que posso aprender com o silêncio”, de Mônica Ventura, dialogam com questões da ancestralidade e da religiosidade de povos afro-indígenas.
A mostra foi comissionada pelo Inhotim para ocupar o vão central da Galeria Praça, umas das mais visitadas no museu e jardim botânico. A obra se destaca, à primeira vista, por sua escala: são aproximadamente 4 metros de altura e 9 metros de largura. Mônica Ventura (São Paulo, 1985) traz uma proposta de olhar o entorno e a potência local, fazendo uso da terra da região na construção da obra — a parede, o leito e a escultura são feitas desse elemento. “A noite suspensa ou o que posso aprender com o silêncio apresenta uma escala que não é humana e, ao mesmo tempo, que não é arquitetura, mas nos confronta. A proposta é contemplar essa instalação que nos olha. Quem observa quem?”, questiona a artista.
Neste trabalho, Mônica Ventura faz alusão a diferentes práticas religiosas de matrizes ancestrais, e o público é convidado a desvendar as camadas da instalação, cuja forma se associa aos zangbetos, espíritos ancestrais cultuados em algumas religiões no Golfo do Benim, responsáveis pela proteção e afastamento de males, e também aos praiás, elementos fundamentais da cosmologia Pankararu, povo originário brasileiro cujo território tradicional se encontra próximo ao rio São Francisco. Para os Pankararu, os praiás marcam a presença dos Encantados, entidades vivas ligadas diretamente ao plano espiritual. Ambos são manifestados por meio da dança e do uso de um tipo de máscara de corpo inteiro feita em palha. Nos dois casos, quem ocupa aquele corpo persiste como incógnita; ele observa, mas não pode ser observado.
Como um invólucro feito de palha, a instalação possui uma abóbada de cor azul e a sua base de terra afixada no chão se assemelha a uma Yoni, forma que remete ao feminino e cujo significado do termo, em sânscrito, refere-se às noções de “passagem divina” ou “fonte de vida”. Já a escultura em si remete a Lingam, símbolo fálico que remete ao masculino. A combinação entre as duas formas, se vista de cima, faz referência a Shiva Lingam, a síntese das energias do universo. “A parte central da Galeria Praça é um espaço extremamente desafiador para se trabalhar. Ele não é um cubo branco, mas também não é uma área ao ar livre. E Mônica buscou uma composição que articula e mobiliza tanto o espaço arquitetônico, quanto o jardim ao redor”, explica Lucas Menezes.
Mônica Ventura nasceu em 1985 em São Paulo, onde vive e trabalha. Artista visual e designer com bacharelado em Desenho Industrial pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) – São Paulo. Mestranda em Poéticas Visuais (PPGAV) pela ECA-USP – São Paulo. Atualmente, pesquisa filosofias e processos construtivos de arquitetura e artesanato pré-coloniais (Continente Africano – Povos Ameríndios – Filosofia Védica). Utiliza essa investigação para a elaboração de práticas artísticas geradas a partir de experiências pessoais. Suas obras falam sobre o feminino e racialidade em narrativas que buscam compreender a complexidade psicossocial da mulher afrodescendente inserida em diferentes contextos. Mulher negra, entoa sua memória corporal friccionando-a em sua ancestralidade a partir de histórias de sua vida e pesquisas. Com sua produção artística leva também o seu corpo a ocupar espaços socialmente interditados. Em suas obras há um interesse especial pela cosmologia e cosmogonia afro-ameríndia para além do uso dos seus objetos, símbolos e rituais.
Adentrando o universo múltiplo de Mestre Didi (1917-2013), a exposição exibe cerca de 30 obras do artista, feitas em consonância com a sua atividade de liderança religiosa no Candomblé e pertencentes à Coleção do Instituto Inhotim. Seu título, de acordo com o curador convidado Igor Simões, é um trecho de uma cantiga entoada durante as cerimônias fúnebres de um Ojé, sacerdote da tradição Egungun. As obras expostas são feitas, em geral, de fibras do dendezeiro, búzios, contas, sementes e tiras de couro, com a presença de símbolos que remetem às tradições iorubá.
“Como parte de sua programação, o Instituto Inhotim tem exibido suas recentes aquisições, com foco na produção de autoria negra. As obras do Mestre Didi presentes na mostra ratificam a missão da instituição de compartilhar essa produção com o grande público, sempre em diálogo com as discussões presentes no campo da arte”, diz o curador assistente do Inhotim, Deri Andrade.
A exposição convida o público a conhecer outras dimensões de Mestre Didi, sobretudo para a cultura brasileira. Além de sua atuação no campo cultural, Mestre Didi foi sacerdote supremo – também conhecido como Alápini – do culto aos ancestrais Egungun, tendo fundado em Salvador, em 1980, a Sociedade Religiosa e Cultural Ilê Asipá. Na mostra, todas essas vivências da trajetória de Mestre Didi — a intelectualidade, a espiritualidade e o sagrado – estão registradas, ademais as esculturas, a partir do acervo da Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil (SECNEB), com uma série de documentos e imagens cedidos gentilmente pela cantora e bailarina Inaicyra Falcão, uma das filhas de Mestre Didi. Outro aspecto abordado na mostra é a presença feminina na trajetória do artista.
“Os mistérios do Mestre Didi partem das peças e se estendem para suas várias existências como Alápini, escritor, tradutor, educador, intelectual e sua presença indissociável na manutenção dos saberes que uniram as águas do Atlântico na experiência afro-diaspórica, que extrapola os limites do país e se expande para um domínio que vai além do territorial”, complementa o curador Igor Simões. Mestre Didi – os iniciados no mistério não morrem apresenta também alguns trabalhos que se relacionam com a obra do artista como Rubem Valentim e Ayrson Heráclito, com a videoarte Ijó Mimó (2019), além de comissionamentos do Ilê Asipá, que esteve em diálogo com a curadoria desde o início da pesquisa ocorrida em viagens a Salvador.
Deoscóredes Maximiliano dos Santos (Salvador, Bahia, 1917-2013), mais conhecido como Mestre Didi, foi um sacerdote-artista, filho de Arsênio dos Santos, um grande alfaiate baiano, e de Maria Bibiana do Espírito Santo, conhecida como Mãe Senhora por seu papel de Ialorixá no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. Didi começou ainda na infância a executar objetos rituais associados ao Candomblé, mantendo essa prática ao longo de toda sua vida. Ao mesmo tempo, iniciou-se na religião aos oito anos de idade, aprofundando-se no culto aos Egunguns (ou Ancestrais), parte essencial da cultura nagô de origem iorubana. Em suas peças, fibras do dendezeiro, contas, búzios, tiras de couro, emblemas dos orixás Nanã, Obaluayê, e Oxumarê, reapresentados no campo semântico da arte e, como tal, esgarçando práticas que nem sempre cabem na palavra. Entre a década de 40 e 90, Mestre Didi se posiciona como um intelectual afro-atlântico, e em sua produção estarão presentes traduções do Iorubá para o português, autos coreográficos, contos e escritos que o posicionam como figura incontornável na guarda e na difusão dos saberes da diáspora africana, não apenas no Brasil, como entre as Américas e Europa. Em 1966, viajou para a África Ocidental para realizar pesquisas comparativas entre Brasil e África, contratado pela Unesco. Em 1980, fundou e presidiu a Sociedade Cultural e Religiosa Ilê Asipá do culto aos ancestrais Egun, em Salvador. Foi coordenador do Conselho Religioso do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira, representando no país a Conferência Internacional da Tradição dos Orixás e Cultura. Mestre Didi realizou importantes mostras individuais e coletivas em instituições como Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu Afro Brasil, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu Oscar Niemeyer, Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu Histórico Nacional e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de participar na Bienal da Bahia e na 23ª Bienal de São Paulo. No exterior, expôs em Valência, Milão, Frankfurt, Londres, Paris, Acra, Dacar, Miami, Nova York e Washington. Seus trabalhos figuram em coleções de destaque, incluindo Museu de Arte Moderna da Bahia, Museu de Arte Moderna de São Paulo, e Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.
Mestre Didi “Os iniciados no mistério não morrem” e “A noite suspensa ou o que posso aprender com o silêncio” fazem parte do Programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra. A convite da curadoria do Instituto Inhotim, Igor Simões assinará, além desta exposição de Mestre Didi, um conjunto de curadorias na instituição ainda em 2023, integradas ao Programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra.
“Mestre Didi – os iniciados no mistério não morrem” e “A noite suspensa ou o que posso aprender com o silêncio” de Mônica Ventura
Data da inauguração: 27 de maio de 2023, sábado
Local: Galeria Praça (G3), Instituto Inhotim. Brumadinho – MG.
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