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Ivan Serpa, um concretista revolucionário


Ivan Serpa no CCBB

Uma instigante retrospectiva de Ivan Serpa (1923-1973) acontece no CCBB, reunindo 200 obras que ocupam todos os andares do belo espaço institucional. Uma excelente oportunidade para apreciar o percurso de um inovador que participou do Grupo Frente, tendo até sido mestre de notáveis artistas como Hélio Oiticica (1937-1980) e Waltércio Caldas.

A importante mostra abrange todas as fases de sua produção dos anos 40 até o último trabalho concebido antes de sua morte prematura, de ataque cardíaco e derrame, em 19 de abril de 1973, um desenho de um rosto sofrido.

A busca por uma estética rigorosa lhe deu um impulso no seu trajeto, envolvendo-se por caminhos conflitantes, mas conseguindo realizar uma obra expressiva em técnicas diversas abrangendo pintura, desenho e colagem.


Ivan Serpa e o Concretismo

Sua atuação no movimento concretista foi bem marcante como pode ser observado na presente mostra, grande parcela das obras expostas são de cunho abstracionista. Sua visão multifacetada da arte lhe ensejou uma energia fabulosa, tendo como resultado as incríveis obras geométricas dos anos 50, fase na qual sua intensa criatividade se fez notar.

Ivan Serpa, Biombo Concretista.
Óleo madeira, 160 x 210 cm. Coleção Ronaldo Cezar Coelho.

Incentivado por críticos do quilate de Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, participou do Grupo Frente (1954), que tinha como membros Franz Weissmann, Lygia Pape, Lygia Clark, Hélio Oiticica e Aluísio Carvão.

O grupo acabou se desfazendo em 1956, mas Ivan Serpa tendo recebido um prêmio do Salão Nacional de Arte Moderna, resolve no ano seguinte partir para Paris, ali permanecendo até 1959.

Retornou ao Brasil com mais experiência se empenhando em suas atividades artísticas com extremo vigor. Dava aulas na Escolinha do MAM carioca para conseguir sobreviver, tendo até exercido o cargo de restaurador da Biblioteca Nacional, que lhe proporcionou um aprimoramento artesanal em suas obras futuras.

Notadamente das linhas e curvas produzidas por cupins e brocas, que Serpa se defrontava na restauração de livros e documentos preciosos, surgiu uma fase chamada por ele de Op-Erótica, que teve como resultado a criação de belíssimos desenhos, que sugerem partes sensuais do corpo.

Importante salientar que na 1º Bienal de São Paulo, ocorrida em 1951, Serpa ganhou o prêmio de melhor pintor jovem, com a obra Formas, uma pintura que se destaca pelo equilíbrio de três círculos, criando uma expectativa de movimento, que nunca se concretiza.

Ivan Serpa. Formas (1951).

Recebeu elogios de todos os concretos, além do consagrado artista suíço, Max Bill, escultor e diretor da Escola de Ulm, que participou dessa edição com a famosa Unidade Tripartida, obra premiada, que fortaleceu as perspectivas do concretismo na arte brasileira, atualmente no acervo do MAC.


Percursos na exposição

As várias fases da obra de Serpa seguem uma cronologia no percurso da mostra, começando no subsolo com seu desenho mais antigo, de 1949, ao lado de trabalhos instigantes como a série Anti Letras, criando signos em letras impressas com sobreposições caligráficas. No cofre do subsolo a obra Op-Erótica (1967) proporciona ao visitante uma releitura da Suíte Vollard de Picasso com um olhar típico da Op Art.

Série Anti-Letra: Sem título (1970).
Nanquim sobre impresso, 9 x 14 cm. Coleção Gustavo Rebello Arte.

No primeiro andar, o destaque fica com seus materiais de pintura, apetrechos típicos de um atelier, e seu último desenho.

Subindo para o segundo andar, as pinturas concretas dos anos 50 dominam a cena, uma excepcional fase.

No terceiro piso, o visitante sente a dramaticidade das obras da Série Negra (1964), a fase mais forte, um expressionismo radicalmente ímpar, numa referência ao drama dos famintos de Biafra e às vítimas da guerra do Vietnã, que abalou o sudeste asiático. Essa Série Negra fez com que se aproximasse dos artistas ligados à Nova Objetividade brasileira, encabeçado por Hélio Oiticica, seu antigo aluno.

Fase Negra (1954)
Fase Negra (1964)

No quarto e último andar, a geometria impera com todo o rigor e meticulosidade de sua personalidade, cores fortes retomando aspectos teóricos propostos por um dos mestres da Bauhaus, Josef Albers, entre tantos que revolucionaram a arte no século XX.

Bauhaus, a escola de arte modernista mais influente do século XX

Deve-se frisar que a Nova Objetividade foi derivada de uma mostra realizada no MAM carioca, em 1967, movimento que consistia numa reflexão mais ampla do vanguardismo brasileiro, mas Serpa estava envolvido com a arte pop e arte op, sendo dessa época a série de desenhos eróticos expostos nessa retrospectiva. No final de sua vida, retorna à abstração, desenvolvendo um construtivismo impecável.

Série Mangueira (1968).
Óleo sobre tela, 40 x 40 cm.

Conclusão

Serpa tinha uma doença congênita no coração, nasceu com a perspectiva de ter poucos anos de vida, mas com disciplina se desviou dos prognósticos negativos, superou todos, viveu 50 anos intensamente, sendo metade dedicados à arte.

Foi essencialmente um geométrico, curtia a estética, a simetria, mas teve incursões pelo tachismo, surrealismo e o expressionismo, mas foi atraído pelas teorias do concretismo. Certa vez disse: “Nunca há nada de realmente novo. O novo é algo do passado que foi escolhido outra vez. O que existe, sempre, é uma retomada de posição”.

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Expressionismo: contexto, características e principais artistas

O início de seus estudos aconteceu em 1940 com o consagrado gravador Axel Leskoschek em um atelier no charmoso bairro da Glória, no Rio de Janeiro, onde ocorriam aulas de desenho, modelo vivo e guache como normalmente acontecia em tantos outros espaços criativos, onde os alunos buscavam os delineamentos básicos para o desenvolvimento de um percurso consistente.

Serpa conseguiu se destacar no panorama artístico com uma obra envolvente e reflexiva, resultado de uma vivência intensa e rica de experiências, da dramaticidade humana com sua fragilidade ao requinte da estética com um apurado olhar.


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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