Exposições e Eventos

Lygia Clark: Um percurso inovador, revelando sutileza e arrojo


Comemorando 100 anos de nascimento de Lygia Clark (1920-1988), a Pinakotheke Cultural, localizada no Morumbi, realiza uma preciosa exposição curada pelo visionário Max Perlingeiro.

Belíssima homenagem a uma das mais expressivas artistas brasileiras, que se consagrou no concretismo com um notável aprofundamento de sua linguagem acoplando uma infinidade de recursos inovadores.

A sua obra permite uma interação com o espectador, captando o aspecto lúdico das formas, uma poética aberta à interpretações variadas que buscam sempre a essência da existência, a sua fragilidade como a própria intensidade de um momento, um segundo talvez, mas que define toda uma postura frente ao mundo e a sua complexidade.

Apreciar cada obra exposta é percorrer um dos capítulos mais reveladores do concretismo brasileiro, a montagem impecável, estruturada numa linha museológica possibilita ao visitante um deleite imensurável pela extraordinária capacidade criativa da artista que se conecta com o espaço numa harmonia com a forma, uma musicalidade interna com um perfeccionismo intenso em cada detalhe, que alcança uma dimensão reflexiva e participativa.

Nos anos 40, iniciou seus estudos com Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro, quando já tinha 27 anos. Mudou-se para Paris em 1950, onde teve como mestres Fernand Léger, Arpad Szènes e Isaac Dobrinsky, que lhe proporcionou profunda experiência. Nesse ritmo de pesquisa e estudo fez sua primeira exposição individual no Institut Endoplastique. Ao retornar ao Rio, em 1952, expõe no Ministério da Educação e Cultura – MEC. Em 1954, integra o Grupo Frente com Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Abraham Palatnik, Lygia Pape e Hélio Oiticica entre outros. Esse grupo formado por artistas que se reuniam no MAM e na casa do crítico Mário Pedrosa, representou uma referência do movimento concretista nas artes visuais do país naquele período marcante para a cultura em geral. Nesse mesmo ano Lygia Clark exporia sua série de composições na Bienal de Veneza.

O Manifesto Neoconcreto teve como uma das participantes, Lygia Clark que se contrapunha a “exacerbação racionalista” da arte concreta, defendia um envolvimento mais emotivo e afetivo.  Por outro lado a 1º Exposição de Arte Neoconcreta aconteceu por sua sugestão, contribuindo para o incremento do movimento.

Lygia Clark visava romper com os parâmetros contemplativos da arte, o espectador não deveria somente contemplar as obras, mas manuseá-las, participar de certa forma da criação artística. Surgiu assim Os Bichos, entre 1960 e 1964, obras em metal com partes ligadas por dobradiças, que possibilitavam a manipulação do observador. Para Lygia as peças tinham vida própria, certa ocasião disse: “Um bicho não é apenas para ser contemplado e mesmo tocado, requer relacionamento. Ele tem respostas próprias e muito bem definidas para cada estímulo que vier a receber”.

Outro aspecto importante a ser realçado na sua obra foi a exploração sensorial, uma preocupação que surgiu em 1966. A sua trajetória porém teve destaque em sala especial na Bienal de Veneza de 1968, uma incursão oportuna para aquilatar a dimensão de sua obra extremamente arrojada.

No período de 1970 a 1976, se instalou novamente em Paris, onde exerceu a profissão de professora na Faculté D’Arts Plastiques St.Charles, na Sorbonne. Sua obra se envolveu num vivencia criativa de forma grupal, caminhando para outros desafios.

Posteriormente em 1978, aperfeiçoa seus estudos no campo das intensas possiblidades terapêuticas, criando assim os “objetos relacionais”, não os vendo como obras de arte, mas como instrumentos terapêuticos, as máscaras, os sacos, os óculos e outras peças foram criadas para serem usadas em vivencias corporais com a finalidade que o corpo dos pacientes, por suas relações revelasse o que estava no inconsciente, sutileza que não fluía verbalmente.



Deve-se frisar que depois da Bienal de Veneza, Lygia se afastou do mundo da arte, especificamente da economia do mercado, a sua comunicação estética se baseava no sensorial. (estética do grego aisthesis tem como significado sensação, percepção ou sensibilidade)

A atual mostra reunindo 90 de suas obras, a maioria inédita, segue o rumo de seu envolvimento em 17 linhas conceituais abrangendo todo o percurso da artista: Escadas (1947), Légeriana (1951), Kleemania (1952), Quebra de moldura (1954), Linha orgânica (1954), Arte/Arquitetura (1955), Superfície modulada (1955-1956), Planos em superfície modulada Série A (1957), Planos em superfície modulada Série B (1958), Espaço Modulado (1958), Unidade (1958), Contra-relevo (1959), Casulo (1959), Bicho (1960-1964), Obra mole (1964), Trepante (1965) e Objetos Relacionais (1968-1973).

Bicho Linear, 1960.

O precioso catálogo que acompanha a mostra se aprofunda em diversos aspectos da obra da Lygia Clark, reproduzindo correspondência dela para com Piet Mondrian, Mario Pedrosa, Franz Weissmann e Helio Oiticica, entre tantas curiosidades que enaltecem a sua notável contribuição para o concretismo brasileiro, consagrado internacionalmente.


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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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