A Galatea Salvador estreia no próximo dia 17 de outubro a exposição “Mucki Botkay: janelas imaginárias”, maior individual apresentada pela artista. A mostra reúne um conjunto de 17 telas inspiradas na exuberância das paisagens naturais do litoral do Rio de Janeiro e da Bahia, segundo lar de Mucki há mais de vinte anos. As obras aguçam não só a visão, mas também o tato, pelo movimento e textura alcançados através dos bordados com as contas de vidro. O texto crítico é assinado pelo jornalista e curador Leonel Kaz, que acompanhou a produção da artista nos últimos anos.
Mucki traz para a sua pintura com miçangas formas e cores presentes em diversos ecossistemas dentro da Mata Atlântica, como manguezais, lagunas e restingas. Criando composições que por vezes remetem a mestres da tapeçaria como Genaro de Carvalho e Roberto Burle Marx, ela não só reencena a natureza, como também estica a figuração de modo a flertar com abstração.
Em uma espécie de zoom in, a artista vai ao detalhe da paisagem, depurando-a até de repente tornar o real abstrato. Essa decomposição da natureza em formas e cores é um convite à contemplação e à imaginação de um universo vivo e abundante. Por isso as obras de Mucki são como janelas imaginárias, título de sua individual.
Ademais, a criação do trabalho da artista conta com a colaboração de um coletivo de bordadeiras de Ilhéus e do Rio de Janeiro que dão forma final às obras e com quem a artista reparte os resultados. São obras que geram renda para mulheres artesãs advindas de contextos sociais vulneráveis e que se tornam parceiras em tornar real a sua imaginação.
Sobre seu processo criativo, Botkay diz: “Não existe forma concreta de como vou criar meu trabalho, pois é uma surpresa para mim. Basicamente, minha inspiração vem da natureza, onde eu costumo frequentar as matas em que eu fotografo às vezes uma pequena folha ou uma árvore enorme e vou pegando esse arquivo de ideias. Eu começo num desenho e vão entrando as camadas e as sobreposições de como vejo a natureza. Remodelo ele inteiro com uma caneta de ponta fina para evitar uma visão errada das cores, para surgir uma divisão que é muito importante na criação. Dou as cores que eu estou usando para cada espaço e com isso me facilita na hora da seleção do material que vai para os artesãos. É um processo que demanda paciência, mas que vale a pena quando está concluído”.
O curador Leonel Kaz, que assina o texto crítico, comenta que “há anos, visitei no Centre Pompidou, em Paris, uma exposição de Ghada Amer, artista egípcia renomada que foi uma das pioneiras da arte contemporânea com bordados, fibras tingidas, incrustações têxteis. Era uma pintura e não era. Era uma escultura na parede e não era. Era, apenas, o que deveria ser: um bordado que superava o artesanato contido em si mesmo e ganhava foros de grande arte. O mesmo ocorre no caso de Mucki. Há décadas, ela se debruça sobre panos. Nos panos, criou cores. Sobre as cores, refez caminhos, trajetórias, pontos e pespontos. Agora, com miçangas, cria uma forma nova, singular. Afinal, a função do artista não é a de criar algo fora do banal para acrescentar ao mundo o que ainda não foi visto? É o que ela consegue fazer com as telas bordadas, em que os fios invisíveis sustentam miçangas que fazem brotar uma paleta de cores diante de nossos olhos. A obra de Mucki reverbera o que a mata tem a dizer.”
Mucki Botkay (Rio de Janeiro, 1958) sempre buscou a cor. Após cursar, ao fim da década de 1970, artes decorativas na École Supérieure des Ensembliers, em Genebra, volta ao Brasil e explora as cores inicialmente no campo da moda e dos utilitários. Trabalha com diversos estilistas e funda a sua própria marca, até que decide mergulhar na criação de obras de arte. O trabalho com estamparia evolui, então, para composições a partir do tingimento e da costura de recortes de tecido sobre tela. A entrada do bordado em sua obra abriu espaço, por sua vez, para os experimentos com miçangas, que resultaram no estágio atual da sua produção. O curador Leonel Kaz identifica a prática de Mucki, hoje, como uma pintura feita não por meio do pincel, mas por meio das miçangas de vidro que são tingidas de acordo com a paleta da própria artista.
Através de colaborações com bordadeiras da cidade do Rio de Janeiro e de Ilhéus, na Bahia, suas obras não só celebram a cultura e arte local, mas também proporcionam o empoderamento de uma rede de mulheres em situação de vulnerabilidade social, ao gerar uma fonte adicional de renda para as suas famílias. Assim, além de ser um trabalho repleto de memórias afetivas, que captura a riqueza cultural e natural brasileira, ele combina arte e impacto social, oferecendo a oportunidade de crescimento econômico para mulheres talentosas provenientes de contextos vulneráveis.
A Galatea é uma galeria que surge a partir das diferentes e complementares trajetórias e vivências de seus sócios-fundadores: Antonia Bergamin esteve à frente por quase uma década como sócia-diretora de uma galeria de grande porte em São Paulo; Conrado Mesquita é marchand e colecionador, especializado em descobrir grandes obras em lugares improváveis; e Tomás Toledo é curador e contribuiu ativamente para a histórica renovação institucional do MASP, de onde saiu em 2022 como curador-chefe.
Tendo a arte brasileira moderna e contemporânea como foco principal, a Galatea trabalha e comercializa tanto nomes já consagrados do cenário artístico nacional quanto novos talentos da arte contemporânea, além de promover o resgate de artistas históricos. Tal amplitude temporal reflete e articula os pilares conceituais do programa da galeria: ser um ponto de fomento e convergência entre culturas, temporalidades, estilos e gêneros distintos, gerando uma rica fricção entre o antigo e o novo, o canônico e o não-canônico, o erudito e o informal.
Além dessas conexões propostas, a galeria também aposta na relação entre artistas, colecionadores, instituições e galeristas. De um lado, o cuidado no processo de pesquisa, o respeito ao tempo criativo e o incentivo do desenvolvimento profissional do artista com acompanhamento curatorial. Do outro, a escuta e a transparência constante nas relações comerciais. Ao estreitar laços, com um olhar sensível ao que é importante para cada um, Galatea enaltece as relações que se criam em torno da arte — porque acredita que fazer isso também é enaltecer a arte em si.
Nesse sentido, partindo da ideia de relação é que surge o nome da galeria, tomado emprestado do mito grego de Pigmaleão e Galatea. Este mito narra a história do artista Pigmaleão, que ao esculpir em marfim Galatea, uma figura feminina, apaixona-se por sua própria obra e passa a adorá-la. A deusa Afrodite, comovida por tal devoção, transforma a estátua em uma mulher de carne e osso para que criador e criatura possam, enfim, viver uma relação verdadeira.
Exposição: Mucki Botkay: janelas imaginárias
Local: Galatea Salvador
Endereço: R. Chile, 22 – Centro, Salvador – BA
Abertura: 17 de outubro, 18h às 21h
Período expositivo: 17 de outubro de 2024 a 16 de janeiro de 2025
Horário de funcionamento: terça – quinta, 10 às 19h / sexta, 10h às 18h / sábado, 11h às 15h
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