Exposições

No balanço da rede em tempos diversos

A tradição popular nos remete sempre a outros tempos, confrontando aspectos marcantes das transformações do ser humano que busca interpretar os seus devaneios com a realidade multifacetada dos dias atuais.

Ilustração de Gustavo Caboco

A mostra VaiVém, em cartaz no CCBB, transmite uma visão lúdica de um ícone bem brasileiro, a rede de dormir, concebida pelos nossos indígenas e presente não só na memória afetiva de nossa infância, em lances de lazer, como nas elucubrações artísticas de expoentes mestres da criatividade brasileira, como pode ser observado nos quatro andares do charmoso prédio da rua Álvares Penteado, no centro antigo de São Paulo.

Reunindo mais de 300 obras dos séculos 16 ao 21, com a participação de 140 artistas entre os quais 32 são indígenas, a exposição destaca a rede de dormir como o foco dessa incursão. A rede foi concebida pelos ameríndios, tendo sido apropriada pelos colonizadores, ocupa um lugar privilegiado na identidade brasileira.

A exposição conta com pinturas, esculturas, instalações, fotografias, vídeos, documentos, intervenções e performances como objetos da visualidade contemporânea. Também se destacam HQs e selos que compõem um painel bem amplo da presença desse ícone brasileiro na expressividade popular.

No subsolo do CCBB, surge a parte inicial da exposição com o tema “Resistências e permanências” apresentando as redes como elemento comum dos povos originários do território brasileiro.

Arissana Pataxó Rede de Tucum (1800×1012)

Símbolo da cultura indígena, a rede é conectada com obras que fazem uma releitura sobre a importância da arte que destrincha os significados mais tangíveis para penetrar nas reflexões de propostas marcantes de artistas como Bené Fonteles, Hélio Oiticica, Artur Bispo do Rosário, Frans Post, Hercules Florence, Ranchinho, Pierre Verger, Claudia Andujar, Djanira, Ernesto Neto, Paulo Nazareth, Luiz Braga, Mestre Vitalino, Tarsila do Amaral e Tunga, cada qual acrescentando aspectos inusitados e vivenciais formando um painel onde o ritmo de linguagens se harmoniza com o tempo.

Participam também 30 artistas contemporâneos indígenas como Arissana Pataxó, Denilson Baniwá, Duhigó Tukano, Gustavo Caboco, Jaider Esbell e o coletivo MAHKU (Movimento dos Artistas Humi Kuin do Acre).

Dividido em núcleos, a mostra percorre uma linha curatorial instigante. Em uma das etapas a rede de dormir se destaca como escultura, numa linguagem interativa especificamente na instalação do coletivo Opavivará. Nela uma rede gigante foi colocada no hall que atrai os visitantes a se deitarem num balanço lúdico ao som dos chocalhos estrategicamente envoltos na obra.

Fotografia do artista Tunga

No segundo andar, o núcleo “Olhar para o outro, olhar para si” reúne documentos e obras artísticas que abrangem nomes como Hans Staden, Jean Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas que registraram magistralmente a vida cotidiana do Brasil durante a colonização, um resgate histórico sempre oportuno.

No terceiro andar, o enfoque se direciona ao “Modernismo: Espaço para a Preguiça” realçando a conotação do cansaço envolvendo o trabalho físico com o forte calor dos trópicos. Neste segmento um dos focos principais é ocupado por Macunaíma (1929) livro de Mário de Andrade, com as ilustrações de Carybé, ao lado do filme de Joaquim Pedro de Andrade baseado nessa obra basilar do modernismo, tendo o Grande Otelo como um dos atores principais. Um desenho raríssimo de Tarsila do Amaral retrata o Batizado de Macunaíma, além de um autorretrato de Djanira, “Descasando na rede” em que surge ao lado de seu inseparável cachorro. Peças clássicas do mobiliário desenhadas por Paulo Mendes da Rocha e Sérgio Rodrigues completam a visão interpretativa dos rumos modernistas enraizados na tradição.

“Ninho” de Bené Fonteles, músico e artista plástico

No quarto andar, a temática “Invenção do Nordeste”, a série de fotos pelo sertão captadas pelo olhar de Maureen Bisilliat e as cerâmicas de Mestre Vitalino, refletem a tradição e a magia da cultura regional, conectando valores e confrontos estéticos.

No último andar, a obra de Tunga, “Bells Falls” em nova versão ocupa o espaço ao lado dos registros fotográficos da performance “100 rede”, realizada em 1997 na Avenida Paulista. Uma homenagem merecida a Tunga, falecido em 2016, que inaugurou o CCBB São Paulo, em abril de 2001.

Horário de visitação: de quarta a segunda das 9h às 21h

Data: 22/05 até 09/07

Valor: Entrada Franca

Local:

Rua Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo-SP.

Próximo à estação São Bento do metrô

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José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

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