Na exposição da Sociedade Nacional de Belas-Artes (SNBA), localizada em Lisboa, os visitantes percorrem obras de arte diversas, incluindo pinturas, bordados e um mosaico irresistível e surpreendente. Não se trata de um labirinto confuso, de forma alguma. Como isso poderia acontecer? Há coisas surpreendentes esperando lá, proporcionando uma libertação parcial (embora não completa) da frenética voragem do presente.
Muitas dessas obras retratam divindades e personagens da literatura clássica, como Dafne, Vulcano, Aretusa, Adónis, Helíades, Vulcano, Átis, Eco e outros. Desde o início, essas evocações não miméticas revelam a relação da autora das obras, Ilda David (nascida em Benavente em 1955), com um contexto mítico e temporal.
No entanto, por enquanto, concentremo-nos no espaço da SNBA. Até 22 de julho, essa galeria abrigará a exposição intitulada “Metamorfoses – Os rios transbordam e desabam”, que reúne uma variedade diversa e notável de trabalhos. Com a curadoria de Nuno Faria, um observador atento e ativo das obras, este é um momento extremamente singular que traz à luz do público uma produção pictórica que muitas vezes passa despercebida. A exposição apresenta obras novas (de 2023), permitindo uma renovação e tranquilidade ao nosso olhar.
Sentada em um banco do salão, a artista revela que sua última grande exposição de pintura em Lisboa, intitulada “Camarupa”, ocorreu em 2006, no Pavilhão Branco do Museu da Cidade. Curiosamente, a seleção atual inclui trabalhos mais antigos, oferecendo uma perspectiva panorâmica e rica de um universo onde o literário se entrelaça com o pictórico. Ilda David aponta para um conjunto de pinturas que exibem rostos masculinos, emergindo da terra e da pedra, à beira da destruição imposta pelo tempo. No entanto, eles resistem.
“Essas fazem parte da série Incubus [2000]”, comenta a artista. “Elas foram expostas na Sala Jorge Vieira do Pavilhão das Exposições, no Parque das Nações, e foram inspiradas pelo trabalho para uma edição de Fausto de Goethe [publicada pelo Círculo de Leitores e Relógio de Água]. O que você vê aqui são as cabeças dessa série. Elas evocam a personagem de Fausto a partir de um retrato do dramaturgo e escritor francês Antonin Artaud, e a de Mefistófeles a partir de um retrato do escritor, poeta e pintor belga Henri Michaux.”
No entanto, a pintura de Ilda David não é, de forma alguma, mera ilustração. Não se trata de ilustrar algo. Pode-se dizer que ela responde ao apelo das imagens da poesia épica ou da literatura de Goethe, transformando-se em algo diferente: ela mesma. “Eu desenho todos os dias, pinto muito”, reflete a artista. “Não sei se eu pintaria se não lesse [risos], porque cada escritor tem uma visão que também me transforma.” No entanto, insiste-se, a exposição “Metamorfoses – Os rios transbordam e desabam” é composta principalmente por pinturas que nos conduzem aos finais do século XIX, sem abandonar o contexto atual. “Sim, essa época está presente aqui, com os pintores ao ar livre, os pré-rafaelitas ingleses, [Gustav] Klimt. Eles me acompanham e me inspiram muito.”
Diante das séries de tons azuis e verdes, dos traços brancos que cobrem certas superfícies como teias, perguntamos se essa pintura pode nos dizer algo sobre o que nos espera lá fora. “Minha pintura é deste tempo, mas assim como a pintura desses artistas, acredito que também carrega o peso e a agitação deste mundo”, responde. Portanto, essa exposição não é direcionada apenas para aqueles que estão vivos (e eventualmente morrerão), mas também para aqueles que já partiram. A ideia de ancestralidade não nos remete apenas a um tempo passado, mas a vários tempos. O da Antiguidade Clássica, o dos finais do século XIX e do início do século XX, o da infância da artista, o do Ribatejo e das cheias que inundavam a lezíria.
“Eu realmente quis criar algo para mim e para eles. A arte nos lembra que devemos morrer, com as naturezas-mortas, as caveiras, as coisas perecíveis. Aqui, propomos o contrário: ainda estarmos vivos, lembrarmos daqueles que já se foram.”
Exposição: “Metamorfoses – Os rios transbordam e desabam”, de Ilda David
Data: 17 de junho a 22 de junho
Local: Sociedade Nacional de Belas-Artes
Ingresso: entrada livre
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