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O Museu da Inocência de Orhan Pamuk

Quando Orhan Pamuk começou a escrever, em 2002, o seu O Museu da Inocência, romance que conta a história do amor obsessivo de Kemal, um turco rico e bem-nascido por uma prima distante, a bela Füsun, e do templo que ele erigiria em sua memória, o escritor já colecionava muitos dos objetos descritos no livro e que hoje fazem parte desse pequeno museu que também nos revela sobre a vida e a cultura de uma Istambul da segunda metade do século 20.

Foi em 1999 que o escritor encontrou e adquiriu, a bom preço, no bairro de Çukurcuma, então bem decadente, a casa que, no romance, se tornaria a de Füsun e que, desde 2012, não mais apenas na fértil imaginação do romancista, passou a ser o verdadeiro Museu da Inocência. No belo e recém-lançado catálogo chamado The Innocence of Objects, que pode ser adquirido na Amazon.com, Pamuk nos revela que já presenciou comerciantes do entorno informando a turistas que “a casa de Füsun é logo ali”.

Mostrando-se tão obsessivo e decidido quanto o autocentrado personagem de seu livro, Orhan Pamuk, não hesitou em gastar na reforma e na montagem do museu o milhão e meio de dólares que ganhou do Nobel em 2006. Logo à entrada, um enorme painel branco com as 4.213 bitucas de cigarro fumados por Füsun é acompanhado por um vídeo que mostra a mão da bela jovem segurando os cigarros entre os dedos. E ao longo das 74 vitrines que correspondem cada uma a um capítulo do livro, foi colocada a memorabilia que Kemal surrupiava do entorno de sua amada, mas que, na verdade, foi coletada por Pamuk em brechós de Istambul, em suas muitas viagens ao exterior e nas cristaleiras e guardados de sua mãe. Há também, em uma delas, folhas manuscritas do romance e, no último andar, um pequeno quarto com a cama onde Kemal uma vez dormiu.

Pamuk acredita que assim como um livro, um museu pode contar uma história íntima e pessoal. Prefere comparar o seu a pequenos museus europeus que, buscando inspiração e por lhe darem prazer, passou a visitar de forma regular em suas viagens à Europa, como o John Soane Museum em Londres, o Gustave Moreau em Paris e o Frederic Marés em Barcelona. Acha que os objetos têm o poder de resgatar a memória e que nesse tipo de museu mais intimista os objetos falam por si. Nada a ver com grandes instituições, em geral palácios transformados em museus, como o Louvre, o Hermitage, o Prado ou o British Museum que guardam os grandes tesouros da humanidade.

“Quanto mais objetos eu colecionava para o Museu da Inocência, mais o roteiro do romance, ainda nos anos 90, progredia na minha mente.” É o que Pamuk conta no bem elaborado texto que escreveu para o caprichado e bem ilustrado catálogo do museu. Nele, imagens das bem arranjadas vitrines que abrigam fotografias, roupas, xícaras de chá, chaves, relógio de parede, rádio, isqueiro, vidros de perfume e o famoso brinco que Füsun deixa cair quando ela e Kemal fazem amor pela primeira vez e que ele esconde consigo por anos a fio.

No catálogo, Pamuk ensaia ainda um “modesto manifesto para museus”. Nele, critica o fato de as grandes instituições museológicas darem pouca importância às histórias dos indivíduos, que seriam mais ricas, mais humanas e mais vitais do que a dos povos e nações em geral. “Demonstrar a riqueza da história e da cultura dos chineses, indianos, mexicanos, iranianos ou turcos não é só a questão – é preciso que se faça, é claro, mas isso não é difícil. O real desafio é usar os museus para contar, com a mesma profundidade, brilhantismo e poder, as trajetórias individuais dos seres humanos vivendo nesses países.”

Como Kemal no romance, Orhan Pamuk foi criado em Nisantasi, bairro rico e de famílias de hábitos ocidentalizados. Do personagem, o autor do livro fala como se falasse de alguém muito conhecido seu, não de uma criação ficcional. No próprio romance há um diálogo entre Kemal e Pamuk, talvez para dissipar a ideia de que Kemal seria de certo modo um retrato de Pamuk. Pergunta que, aliás, lhe é feita constantemente. Nesse paradoxo entre verdade e mentira, fantasia e realidade, e diante da carga emocional com que parecem impregnados os objetos, talvez possa ser levantado algo mais sobre a natureza dos museus em geral e o papel excessivamente atuante do curador.

Ambígua é também, de certo modo, a atitude da Turquia em relação ao seu mais famoso e bem-sucedido romancista, uma espécie de produto de exportação cultural. De um lado, o fato de Pamuk ter reconhecido publicamente o assassinato dos armênios pelos otomanos turcos no início do século 20 levou a que fosse acusado de estar insultando o próprio país. Foi também criticado pela imprensa de direita por sua inclinação pró-Europa. Questões que o pais ainda vive intensamente.

Hoje, em Istambul, a região onde está instalado o museu de Pamuk virou cool e os imóveis estão bastante valorizados. É algo mais a se fazer numa viagem à Turquia. Antes porém, não deixe de ler O Museu da Inocência, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

ORHAN PAMUK

AUTOR

Ferit Orhan Pamuk nasceu em Istambul em 7/6/1952 e graduou-se em jornalismo em 1976, na Universidade de Istambul. No seu terceiro romance, A Cidade Branca, passa a ser reconhecido fora de seu país. O Nobel chegou em 2006 para o escritor que enfrentou problemas na Turquia por sua defesa de direitos humanos.

Fonte: MARIA IGNEZ BARBOSA , ESPECIAL PARA O ESTADO – O Estado de S.Paulo

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Paulo Varella

Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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