Opinião

Visão lúdica do Modernismo

Várias exposições e eventos alusivos aos 100 anos da Semana de 22, ocorrem durante o presente ano, leituras diversas, interpretações que visam ampliar a importância do movimento modernista, desconstruindo posturas regionais, estabelecendo parâmetros nacionais, uma revolução a ser sempre analisada.

Neste clima de releitura, o SESC Pinheiros apresenta a mostra “Desvairar 22” que une Brasil e Egito, traça incursões impactantes, confrontos que expressam perspectivas inusitadas do modernismo.

Reunindo 270 itens de artes visuais, música, literatura e arquitetura, a mostra propõe em quatro núcleos uma visão do modernismo em detalhes primorosos.

Os visitantes se defrontam com obras de modernistas como Tarsila do Amaral ao lado de criações de Denilson Baniwa, Daniel de Paula e Vivian Caccuri ao som de “Alalaó” e “Rolando o Tchan”, mas no percurso os observadores encontram um sarcófago original, além de fotos de D. Pedro II no Egito e de projetos faraônicos de Brasília.

O centro de atenção da exposição é a Semana de 22, ponto de partida para fazer uma panorâmica ágil por alguns acontecimentos relevantes que aconteceram naquele ano como o Centenário da Declaração de Independência do Brasil, a Exposição Internacional do Centenário, a 1º Transmissão de Rádio no país e a descoberta da tumba do faraó Tutancâmon.

O desvairismo é a linha da mostra que se divide em 4 núcleos: Saudades do Egito, Ossos do Mundo, Meios de Transporte e Índios Errantes. O visitante é estimulado e entrar no clima da coletiva com um roteiro que define os rumos da linha curatorial vinculada com a Pauliceia Desvairada de Mário de Andrade possibilitando ao visitante entrar no clima da coletiva, uma introdução que define os rumos da curadoria formada por Marta Mestre, Veronica Stigger e Eduardo Sterzi.

As referências a viagem feita ao Egito em 1926, por Tarsila e seu marido Oswald de Andrade estão presentes na obra Calmaria II e em outras peças, uma artista sensível e observadora de seu tempo e das circunstancias sociais e culturais de um país que se transformava. Na área central da exposição encontra-se um sarcófago egípcio original numa montagem especial que atrai a atenção dos observadores.

Referencias a atuação de Flávio de Carvalho, Vicente do Rego Monteiro, Murilo Mendes e Graça Aranha são documentadas neste setor. O espírito modernista revolucionou a cultura e as artes em geral, uma renovação que aflorou nos anos 20.

No núcleo “Saudades do Egito”, percebe-se que a terra dos faraós, dos sacerdotes, das pirâmides e das esfinges sempre foi fonte de pesquisas históricas, envolvendo vários períodos estudados por especialistas, mas a evolução da fotografia e o próprio turismo incrementou o interesse pelo país abrindo um leque maior de leituras.

Por outro lado, fotos da expedição ao Egito realizada por D. Pedro II, na década de 1870 enriquece o percurso da mostra. Fato a ser mencionado que na ocasião o imperador tinha 45 anos, mas era apaixonado pelo Egito, um verdadeiro egiptomaníaco, interesse despertado desde a infância. Trouxe inúmeros artefatos históricos que formaram um invejável acervo egípcio, o maior da América Latina, mas infelizmente grande parte se perdeu no lastimável incêndio ocorrido em 2018, no Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Foto: José Henrique Fabre Rolim

Seguindo a apreciação de cada detalhe, o visitante poderá observar jornais da época que anunciavam a descoberta da tumba de Tutancâmon, ao lado de fotos de Marcel Gautherot que registrou a arquitetura faraônica de Brasília, na época de sua implantação no Planalto Central. Contrapondo-se a essas imagens surge na série de Lais Myrrha, “Um Estudo de Kama Sutra” com elementos que lembram a capital. Percebe-se mais adiante que a inspiração do Egito, marcou aquele período, especialmente o art déco. A encenação da ópera Aída de Giuseppe Verdi apresentada, em 1910, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro reforça essa tendência e mais recentemente as músicas de Margareth Menezes e Jorge Benjor e um videoclipe do grupo É o Tchan carregam um resquício da terra dos faraós. Deve-se notar que o artista plástico Abdias do Nascimento se nutriu dessas raízes para desenvolver seu trabalho, fato que pode ser observado também numa mostra recente do Masp sobre sua obra.

No núcleo “Ossos do Mundo” título de uma obra de Flávio de Carvalho que tinha grande interesse por ruínas e coleções de museus, uma infinidade de fatos marcantes são realçados, proporcionando curiosidade histórica como as imagens do desmonte do Morro do Castelo no Rio de Janeiro, marco do período colonial, que ocupava uma área de 184 mil    metros quadrados e foi destruído pelo fluxo modernista urbano, permitindo a construção dos pavilhões da exposição internacional do Centenário.                 

Uma intensa pesquisa foi efetuada pelos curadores que perceberam figuras que remetem às múmias em obras como a de Cristiano Leenhardt, ou na tapeçaria de Vivian Caccuri, intitulada “Farra do Latifúndio” que enfoca o mosquito Aedes Aegypti originário do Egito, uma obra extremamente elaborada envolvendo elucubrações e reflexões.  

A revolução tecnológica é evidenciada no núcleo “Meios de Transporte” que abraça a modernidade de forma linear como a passagem do dirigível Graf Zeppelin pelo Brasil nos anos 30, tendo ocasionado furor por onde passou e de um bonde empacado fotografado por Mário de Andrade.

Pelo telefone o primeiro samba registrado fonograficamente faz parte também da narração modernista que oxigenou o país. Outros pontos a serem considerados na releitura do movimento modernista são as obras marcantes como transformação de uma luminária sucateada da Avenida Paulista em escultura pelas mãos de Daniel de Paula, permitindo ao visitante aquilatar a dimensão relativa do tempo, tudo se interpenetra, o ontem e o hoje se vinculam numa poética sutil. Gravações feitas por Roquette Pinto de canções indígenas Pareci e Nambikawara e obras de Denilson Baniwa que inserem aparelhos eletrônicos no cotidiano indígena se mesclam no roteiro, abrindo novas perspectivas analíticas da cultura em sua ampla abrangência.

No Núcleo final, “Índios Errantes” percebe-se que a idealização do indianismo romântico, é menos a Iracema de características europeias de Antonio Parreiras e mais o Macunaíma, revisitado por Fernando Lindote. O núcleo traz obras de Anna Maria Maiolino, Carybé, Flávio Império, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Paulo Nazareth e Regina Parra. Registros de expedição realizada por Mário de Andrade à região amazônica em 1927 e fotos de Claudia Andujar e Alice Brill.

A literatura é parte relevante da mostra, em todo o percurso há trechos de autores diversos de Clarice Lispector a Ana Cristina Cesar, de Menotti del Picchia a Glauber Rocha. Nesse núcleo, ganha destaque um texto de 2018 do artista indígena Jaider Esbell, morto no ano passado: “O ser que sou, eu mesmo, é homem, um guerreiro pleno de 1,68metros, 82kg, 39 anos, é livre como o meu avô Makunaima ao se lançar na capa do livro de Mario de Andrade(….)”.

Na varanda ao ar livre, o público conhecerá a instalação carnavalesca de Gabriel Haddad e Leonardo Bora, campeões pela Acadêmicos do Grande Rio neste ano. Exunautas é uma remontagem da parte do carro alegórico que encerrou o desfile da Escola de Samba na Sapucaí, traz 7 esculturas que representam o orixá exu e suas dimensões transformadoras, um conjunto bem representativo da cultura brasileira na sua diversidade.

Na entrada principal do Sesc Pinheiros, na parede externa, uma charge de Laerte com os dizeres “Decifra-me outra hora” saúda os visitantes, propondo reflexões sobre o conteúdo da mostra.


A exposição Desvairar fica em cartaz até dia 15/01/23 no SESC Pinheiros
Terça a sábado, das 10h30 às 21h. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h
Local: Espaço Expositivo (2º andar)

Não foi possível salvar sua inscrição. Por favor, tente novamente.
Sua inscrição foi bem sucedida.
José Henrique Fabre Rolim

Jornalista, curador, pesquisador, artista plástico e crítico de arte, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisantos (Universidade Católica de Santos), atuou por 15 anos no jornal A Tribuna de Santos na área das visuais, atualmente é presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), colunista do DCI com matérias publicadas em diversos catálogos de arte e publicações como Módulo, Arte Vetrina (Turim-Itália), Arte em São Paulo, Cadernos de Crítica, Nuevas de España, Revista da APCA e Dasartes.

Share
Published by
José Henrique Fabre Rolim

Recent Posts

Emmanuel Nassar ocupa Sala de Vidro do MAM SP com obra interativa

O MAM SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo) apresenta na Sala de Vidro…

42 minutos ago

MAC Niterói apresenta exposição coletiva “Outras paisagens”

O MAC Niterói (Museu de Arte Contemporânea - MAC Niterói, no Rio de Janeiro) apresenta…

54 minutos ago

O David de Michelangelo era para ser Hércules, saiba o por quê

O bloco de mármore que se transformou na escultura de David por Michelangelo em 1504…

3 horas ago

Personal Branding: 10 regras essenciais para você ter sucesso nas artes

Criar sua marca pessoal ou Personal Branding pode parecer uma tarefa complexa e assustadora. Uma…

3 horas ago

Quem foi Richard Serra

Richard Serra foi um renomado escultor contemporâneo nascido em 2 de novembro de 1939, nos…

4 horas ago

Quem é Carol Carreteiro, nova sócia da Nonada, galeria carioca que aterrissa em São Paulo em abril

Quando entendeu que poderia trabalhar e viver a partir da sua criatividade, Carol Carreteiro decidiu…

22 horas ago