Arte no Mundo

Conheça a maior pintura que Picasso já fez e você nunca viu

Quem pensava que a maior pintura que Picasso já fez é a Guernica, se enganou. Encomendada por Serge Diaghilev (1872-1929) para os Ballets Russos, a cortina de cena do balé Parade, com 10,50 m de altura, 16,40 m de largura e pesando 45kg, é a maior obra do artista espanhol. Integrando a coleção francesa do Museu Nacional de Arte Moderna e guardada no Centre Pompidou-Metz, a cortina foi raramente exposta em razão de suas dimensões e por ser extremamente frágil. Emprestada excepcionalmente pelo museu, a pintura de Picasso pôde ser novamente vista, mas por apenas uma semana (do 7 ao 15 de maio desse ano) e no Théâtre du Châtelet, em Paris, local para onde a cortina foi originalmente criada.

Feita durante o fim da primeira grande guerra, ao invés de retratar os horrores do conflito, a cortina assim como o balé, trazem uma cena típica da commedia dell’arte italiana. Do lado direito da pintura, sete saltimbancos (um guitarrista vestido de toureiro, um marinheiro, um pierrô, um arlequim, um criado negro e duas mulheres) se reúnem a mesa a volta de um banquete; do lado esquerdo, uma bailarina (Olga Khokhova, uma das nove mulheres de Picasso) sobe uma escada com a ajuda de um macaco e, à sua frente, um cavalo com asas, Pégaso, e seu filhote. A pintura evoca os afrescos de Pompéia, que Picasso visitou durante o período de preparação de Parade.

Apesar de sua monumentalidade, a obra perderia muito se considerada a parte do balé para o qual ela foi criada. A estréia de Parade no dia 18 de maio de 1917 no Théâtre du Châtelet – que contou com a presença de Coco Chanel, Léon Bakst, Paul Morand e Guillaume Apollinaire – deixou o público dividido. Tudo era novo. Pela primeira vez o music-hall se misturava à « Arte ». Parade recebeu mais críticas que elogios e não obteve o sucesso esperado.

Hoje, é considerado um dos balés mais emblemáticos da história da dança.

Serge Diaghilev, diretor dos Ballets Russos, reuniu para essa obra quatro grandes nomes. O argumento foi assinado por Jean Cocteau (1889-1973), que queria criar nos palcos uma história sobre o circo, mas que retratasse também os tempos em que viviam. Erik Satie (1866-1925) compôs uma música relativamente simples sobre a qual se adicionam, como sugeriu Cocteau, sons típicos da modernidade – o barulho de uma máquina de escrever, as sirenes das fábricas… A coreografia de Léonide Massine (1896-1979) privilegiava movimentos menos codificados, como tradicionalmente vistos na dança clássica, e mais livres. A cenografia e os figurinos de Picasso vieram completar Parade com sua nova maneira de abordar a realidade.

Da colaboração entre esses quatro artistas nasceu o que se define como « obra de arte total », na qual nenhum elemento que a compõe pode ser considerado isoladamente. Questiona-se justamente a separação das diversas categorias nos espetáculos (dança, mímica, música, iluminação, cenografia, etc). Recusando a tradição do século XIX, Parade foi considerada por Apollinaire como uma obra sobre-realista (« sur-réaliste ») ao mesclar duas linguagens artísticas diferentes: uma que reproduz a realidade, e outra que a desconstrói.

Parade é um desfile no qual os artistas realizavam alguns números curtos afim de ganhar a atenção e a admiração do público para que eles viessem ver o espetáculo. Quando a cortina de Picasso sobe para dar início à apresentação, tem-se um sentimento de desorientação. Se a pintura não revela as conquistas cubistas do artista, os figurinos dos dois managers (gestores) que entram em cena o fazem. Eles vestem um tipo de escultura de papelão (como se alguém vestisse um dos quadros cubistas de Picasso) que deixam apenas as pernas livres, impedindo o movimento dos braços e dos corpos dos bailarinos. Seguindo uma linguagem artística completamente diferente, os outros personagens do balé (um mago chinês, a bailarina americana e os dois acrobatas) se aproximam da realidade, contrastando com a aparência dos managers transformados em marionetes. A figura do cavalo, encenada sem música por dois dançarinos que vestem uma máscara cubista, reforça o lado cômico da obra. Parade, ou o convite para o espetáculo, é aqui o espetáculo em si. Sendo o primeiro balé cubista, ele abre as portas para as vanguardas do século XX.

Na ocasião da última exibição da cortina pintada por Picasso no Théâtre de Châtelet, apresentou-se também o vídeo da remontagem do balé feito em 2007 pelo Europa Danse. Se a cortina de cena de Picasso nos impressiona pelo seu tamanho (170 m2), de nada adianta expô-la sem olhar o que está por trás dela…


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Marina Mantoan

Formada em Critica e Curadoria de Arte (PUC-SP), mudou-se para Paris para estudar Estética e Filosofia da Arte (Universidade Paris IV - Sorbonne). Fez um master em História e Gestão do Patrimônio Cultural da Universidade Paris 1 Panthéon - Sorbonne. Apaixonada por arte contemporânea e dança, é também uma globetrotter assumida.

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