O fim de semana foi agitado para o mundo das artes aqui em Nova York. A Armory Show, umas das feiras de arte mais importantes da cidade, dominou as conversas e a programação dos amantes de arte. A feira, que está na sua 24a edição, apresenta obras de arte do século 20 e 21, e ocupa desde 2009 dois píeres no lado oeste da ilha de Manhattan, conhecidos como Píer 92 & 94. O primeiro foca mais nas obras históricas, especialmente do período pós-guerra, enquanto o segundo é dedicado às obras de arte contemporânea.
Ao longo da sua história, a Armory Show foi se renovando ao introduzir novos elementos para tornar-se mais dinâmica. A sessão Focus, por exemplo, foi criada inicialmente, em 2010, para destacar a cada ano diferentes regiões geográficas do mundo; hoje a sessão é responsável por exibir apresentações mais acessíveis de artistas solos ou dois artistas. Em 2014, foi criada a sessão Presents com o objeto de impulsionar galerias jovens e emergentes. Em 2016, a feira se propôs a ter um foco mais curatorial ao promover instalações de arte comissionadas especificamente para o espaço, conhecido como Platform.
A renovação mais interessante veio, contudo, na edição desse ano: a Armory Show foi liderada por uma mulher. Nicole Berry juntou-se a equipe da Armory em 2016 para cuidar do setor VIP e de relacionamento com o visitante, além de ser a responsável por expandir as sessões Focus e Platform. Berry substituiu o antigo diretor, Benjamin Genocchio, que foi afastado da direção da feira no final do ano passado após alegações de ter abusado sexualmente de membros da equipe.
Para a Armory 2018 Berry promoveu mudanças pequenas mas significativas. Reduziu o número de galerias participantes de 210 para 198; encurtou a linha do tempo para diminuir a diferença temporal entre as obras apresentadas, ou seja, integrar melhor o Píer 92 com o 94; apresentou trabalhos históricos nunca vistos; contou com um número considerável de obras comissionadas e uma grande seleção de galerias internacionais e emergentes. A sessão Focus, que antes era apresentada no Píer 94, foi transferida para o começo do Píer 92, não só para aumentar o fluxo de visitantes no píer – tradicionalmente mais vazio –, mas para dar mais visibilidade às galerias jovens. Além disso, a feira contou com uma cúpula curatorial liderada por Naomi Beckwith, curadora do Museum of Contemporary Art de Chicago. A programação incluiu um dia de discussões sobre apropriação cultural e conversas ao vivo com artistas.
Nicolle Berry considera de vital importância a aproximação de curadores com a feira, e fez questão de garantir a presença de 75 influenciadores vindos de museus dos Estados Unidos e estrangeiros. A nova diretora quer que a Armory Show seja imperdível para qualquer galeria que deseje por seus artistas em contato com esses influenciadores. De acordo com ela, curadores não só determinam o que suas instituições estão adquirindo, mas também atuam como investidores de artistas.
Sem saber dessas mudanças antes de visitar a feira, a Armory Show desse ano já me parecia muito mais interessante e prazerosa de visitar que a edição passada. Os trabalhos expostos estavam mais provocativos, com temas relevantes para o atual cenário global, sem parecer uma plataforma de propaganda social-política.
A feira contou com uma presença significativa de artistas negros, com trabalhos esteticamente estimulantes que valorizavam a cultura e o povo negro. A discussão sobre uma maior representatividade de artistas negros nos espaços de arte é um tema recorrente aqui nos Estados Unidos. O Whitney, por exemplo, incluiu um número considerável de artistas negros na sua Bienal de 2017 após a edição anterior ter recebido muitas críticas pela falta de diversidade. As obras da Bienal, entretanto, eram em grande parte trabalhos de denúncia social, abordando temas como violência e injustiça racial. As obras de arte eram explicitamente políticas, ao contrário das obras na Armory, que continham um princípio estético mais evidente com a questão racial sutilmente embutida. Os trabalhos da artista britânica liberiana Lina Iris Viktor, por exemplo, são belíssimos esteticamente, apropriado para uma feira de arte comercial. Mas sua presença é acima de tudo uma declaração sobre a importância de se incluir mais e mais artistas negros no circuito comercial e não somente em museus. A artista trabalha com a paleta de preto, azul e ouro de 24K para criar pinturas, esculturas, performances e instalações. A ideia do trabalho abaixo é traduzir a negritude partindo do vazio para a cor que contenha todas as outras cores.
Outros temas relevantes como pós-colonialismo, imigração, a questão dos refugiados, e feminismo também estiveram presentes por toda a feira. O artista Jeffrey Gibson, filho de nativos americanos, trabalha com a questão pós-colonial ao abordar nas suas obras sua identidade racial. O artista cria obras que misturam as artes indígenas com a arte moderna. Seu processo de criação consiste em imaginar como seria uma obra de arte indígena na atualidade se houvesse uma aproximação com a arte contemporânea. O artista produziu para a feira peças de vestuário com estilo cerimonial inspirado nas camisas da dança fantasma dos americanos nativos
O grande destaque da feira, entretanto, foi sem dúvida dado ao artista francês JR., cujo trabalho abordava a questão dos refugiados sírios. Além de ter sido um dos convidados para uma conversa ao vivo, o francês teve sua obra exposta logo na entrada do Píer 94. Sua obra So Close substituiu os rostos das fotos históricas de imigrantes na Ellis Island por rostos de atuais refugiados sírios.
Nicole Berry declarou que incluir obras com uma temática social evidente não era fazer declaração política em nome da feira, mas apenas garantir a exposição de obras relevantes ao cenário social atual. Talvez aqui eu tenha que discordar com a nova diretora. Ao garantir obras de arte com temas socialmente relevantes e maior presença de galerias emergentes e artistas jovens, Berry faz sim uma declaração política. A diretora demostra que feiras de arte no século 21 podem e devem ser um reflexo das contradições, diálogos e embates do contexto social atual. Berry declara através de sua curadoria que existe uma dimensão social, política e econômica das feiras de arte muito além de simplesmente exibir e vender obras de arte.
Destaco abaixo outras obras que me chamaram atenção:
O artista sul africano se apropria da swenka (“dandy” em Zulu), uma cultura que existe nas cidades mineradoras sul-africanas, onde aos fins de semana os trabalhadores montam peacocking competitions (uma espécie de competição entre homens para se provar quem é o melhor). Ndzube usa objetos encontrados, como pele de cobra e cones de trânsito, para brincar com suas pinturas exuberantes de corpos contorcidos.
O artista afro americano Nick Cave é conhecido por produzir criações híbridas que misturam dança e arte visual com o objetivo de explorar as maneiras que a identidade africana é subordinada a códigos culturais díspares.
José Santos III é um artista emergente das Filipinas. O trabalho apresentado na feira é uma instalação que usa bricolagem como linguagem para explorar objetos, não somente para relevar suas histórias mas para modificar nossa percepção e entendimento sobre as coisas do dia a dia.
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