Usar o termo arte da América Latina esconde a heterogeneidade de culturas, povos e manifestações artísticas de uma região extremamente diversa e variada. Por outro lado, agrupar determinado grupo numa categoria distinta pode significar para essas pessoas um desejo de querer se diferenciar, mas também pode ser uma maneira usada por uma comunidade dominante para excluir determinados povos e sua arte. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma diferença entre os termos arte da América Latina e arte latina. Arte latina é a arte produzida por pessoas nascidas ou criadas nos Estados Unidos com herança familiar da América Latina. Hoje em dia, inclusive, se fala em arte latinx, termo que pressupõe neutralidade do gênero feminino ou masculino. Outro termo utilizado é chicanx arte, que é a arte produzida por pessoas nascidas ou criadas nos Estados Unidos de origem mexicana.
Recentemente participei de um debate cujo tema era, “arte latina é arte americana”. Um grupo de importantes estudiosos e artistas latinx foram convidados para participar e falar sobre o tema. A mesa redonda contou com Marcela Guerrero, curadora contratada ano passado pelo Whitney Museum of American Art. Guerrero é hoje a primeira curadora especializada em arte latinx contratada pelo Whitney, um museu que tem como missão preservar e colecionar e exibir arte feita por artistas americanos. O Whitney vem repensando sua coleção permanente e a sua programação de exposições para abranger uma ideia mais diversificada sobre o que significa arte americana. O museu ainda não considera América Latina como América, mas entende que as relações entre os Estados Unidos e a América Latina são fluidas e complexas.
Em 2016 o museu organizou a exposição Carmen Herrera: Lines of Sight, a primeira exposição da artista cubana num museu em Nova York em quase duas décadas. Herrera mudou-se para Nova York em 1939 e começou a estudar arte na cidade. Entre 1948 e 1953 Herrera viveu em Paris e desenvolveu um estilo geométrico abstrato, reduzindo sua paleta para três cores por composição. As composições da artista prefiguram o desenvolvimento do minimalismo por quase uma década, mas ela não encontrou uma recepção positiva ao retornar para Nova York em 1954. A artista enfrentou discriminação no meio artístico por ser mulher e imigrante.
Em 2017, o Whitney planejou junto com o Carnegie Museum of Art e o Art Institute of Chicago a exposição Hélio Oiticica: To Organize Delirum. A exposição foi a primeira retrospectiva completa do artista brasileiro nos EUA após duas décadas. Importante ressaltar que quando a exposição foi exibida no Whitney houve uma ênfase particular nos anos que Oiticica viveu e produziu em Nova York. O jornalista Holland Cotter do New York Times acredita que foi para justificar uma mostra que desafia significativamente a definição fundadora de arte americana pelo Whitney. [1]
Curada por Marcela Guerrero, o Whitney inaugurou em julho a exposição Pacha, Llaqta, Wasichay: Espaço indígena, arquitetura moderna, nova arte. A exposição apresenta o trabalho de sete artistas emergentes latinx: William Cordova, Lívia Corona Benjamin, Jorge González, Guadalupe Maravilla, Cláudia Peña Salinas, Ronny Quevedo e Clarissa Tossin. Pacha, Llaqta, Wasichay tem como foco as práticas de arte contemporânea que destacam o pensamento indígena em torno do ambiente construído. As três palavras quéchuas, a língua indígena mais falada nas Américas – pacha (tempo, espaço, natureza, mundo), llaqta (lugar, país, comunidade) e wasichay (para construir) –, apontam para uma abordagem decolonial de preservação e destacam conceitos indígenas que transcendem o termo anglófono “arquitetura”. Em vez de sustentar a arquitetura modernista ocidental como um marcador de desenvolvimento nas Américas, as obras desta exposição exploram os legados conceituais herdados e ainda vivos entre os grupos indígenas, que incluem os Incas, os Quechuas, os Maias, os Astecas, entre outros. Os sete artistas da exposição investigam a complexa relação que as noções vernaculares indígenas de construção, terra, espaço e cosmologia tiveram na história da arte moderna e contemporânea e arquitetura nas Américas.
Como a presença latina continua crescendo em território americano e a questão da imigração se tornou um ponto político chave, as instituições de arte estão começando a expandir sua programação de exposições, contratar funcionários e a mudar a política de aquisição de obras de arte latinx. Iniciativas como a do Whitney são ainda mais relevantes e necessárias nesse momento para que se possa reconhecer e entender o quanto da cultura latina está inserida no próprio tecido dos Estados Unidos e quem sabe assim abrir caminhos para uma sociedade mais tolerante, diversificada e inclusiva.
[1] Cotter, Holland. Cool Heat: An Art Outlaw Who Still Simmer. “New York Times.” https://www.nytimes.com/2017/07/13/arts/design/cool-heat-an-art-outlaw-who-still-simmers.html (Accessed October 1, 2017)
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Olá, boa tarde.
Bem, desculpe o importuno, escrevo apenas para alertar que a expressão "Porque América Latina não é América?" não parece grafada corretamente.
Penso que em português usamos o temor 'porque' no corpo de uma sentença afirmativa, para explicarmos ou justificarmos algo.
Quando em perguntas diretas, penso que devemos usar "por que". Termo que creio poder ser usado também em sentenças quando equivalente à expressão ''pela qual'', como em "a rua por que passei".
Espero ter ajudado, obrigado, Roberto
Muito obrigado Roberto, já corrigi o erro.
Enquanto o país de Suriname e Guiana esse termo está excluindo eles também?
De acordo com o artigo, sim. Suriname, Guiana e todos os outros países da América Latina.