Arte

Ismael Nery e seu universo narcísico

Por Paulo Varella - maio 8, 2018
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Ismael Nery (Belém do Pará, 9 de outubro de 1900 — Rio de Janeiro, 6 de abril de 1934) foi um pintor brasileiro de influência surrealista.

Descendente de indígenasafricanos e neerlandeses (holandeses), em 1909 mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Em 1917, ingressou na Escola Nacional de Belas Artes. Viajou pela Europa em 1920, tendo frequentado a Academia Julian, em Paris. De volta ao Brasil, trabalha como desenhista na seção de Arquitetura e Topografia da Diretoria do Patrimônio Nacional, órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Lá conhece o poeta Murilo Mendes que se tornaria seu grande amigo e incentivador de sua obra.

Em 1922, casou-se com a poetisa Adalgisa Ferreira. Nessa época realizou obras de tendência expressionista. Em 1926, deu início ao seu sistema filosófico de fundamentação católica e neotomista, denominado de Essencialismo. Em 1927 fez nova viagem a Europa, onde entrou em contato com Marc Chagall, André Breton e Marcel Noll, dentre outros surrealistas. Sua obra sofreu, também, a influência metafísica de Giorgio de Chirico e do cubismo de Picasso. Seus temas remetem-se sempre à figura humana: retratos, auto-retratos e nus. Não se interessou pelos temas nacionais, indígenas e afro-brasileiros, que considerava regionalistas e limitados. Dedicou-se a várias técnicas aplicadas em desenhos e ilustrações de livros. Foi, também, cenógrafo. Em 1929, depois de uma viagem à Argentina e Uruguai, um diagnóstico revelou que ele era portador de tuberculose, o que o levou a internar-se num sanatório pelo período de dois anos. Saiu de lá aparentemente curado porém, em 1933, a doença voltou de forma irreversível.

A partir daí, suas figuras tornaram-se mais viscerais e mutiladas. Morreu em 1934, aos trinta e três anos de idade, no Rio de Janeiro. Foi enterrado vestindo um hábito dos franciscanos, numa homenagem dos frades à sua ardorosa fé católica.

A obra de Nery permaneceu ignorada do público e da crítica até 1965, quando teve seu nome inscrito na 8ª Bienal de São Paulo, na Sala Especial de Surrealismo e Arte Fantástica. Suas obras foram expostas também na 10ª Bienal de São Paulo. Foram feitas retrospectivas em 1966, no Rio de Janeiro, e em 1984, no MAC-USP

Ismael Nery: feminino e masculino leva ao espaço expositivo do MAM universo narcísico do artista

Com curadoria de Paulo Sergio Duarte, exposição apresenta mais de 200 pinturas, aquarelas e desenhos em pequenos formatos de Nery

Entre os trabalhos selecionados estão nus, figuras humanas, retratos e autorretratos, que trazem à tona a personalidade de um artista voltado para o exercício simultâneo de diferentes linguagens formais de seu tempo, como o cubismo, o expressionismo e o surrealismo, e com obra calcada na androginia e na transgressão

De 8 de maio, terça-feira (a partir das 20 horas, com entrada gratuita para convidados e público), até 12 de agosto, o MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, sedia a exposição Ismael Nery: feminino e masculino, na Grande Sala do museu. A mostra reúne mais de 200 trabalhos. São figuras humanas, retratos e autorretratos, em pinturas, aquarelas, desenhos em nanquim e grafite, todos em pequenos formatos, selecionados pelo curador Paulo Sergio Duarte, que dividiu a mostra por temas: os nus, os retratos e autorretratos, as danças, os cenários, e o surrealismo.

Segundo o curador, ao se observar o conjunto da obra de Ismael Nery (1900 – 1934), revelam-se três importantes características do artista: seu desprezo pelo mercado da arte, evidenciado na produção em pequenos formatos – alguns dos trabalhos cabem na palma da mão, ao contrário de seus contemporâneos modernistas. Outra característica do artista é seu perfil contraditório. “Ismael Nery era um dândi narcisista, basta observar a quantidade de retratos e autorretratos com sua mulher e musa, Adalgisa. A beleza do casal era evidente, e aliada à habilidade intelectual do artista em rodas de discussões polêmicas, contribuía para elevar sua vaidade”, diz o curador. “Isso vindo de um homem que se dizia católico e professava sua fé em discussões filosóficas em sua casa e na casa de amigos no Rio de Janeiro. Era exímio dançarino, era o que chamamos hoje de artista performático. Esse poço de contradições nos legou uma das obras mais provocantes da arte moderna no Brasil”, declara.

Outro ponto marcante do artista é sua coragem. Morto precocemente aos 33 anos, de tuberculose, o artista voltou-se, sem medo e com maestria, entre a década de 1920 até o início dos anos 1930, para o exercício simultâneo das correntes artísticas mundiais, como o cubismo, o expressionismo e o surrealismo. Era avesso às questões modernistas brasileiras, que buscavam uma identidade nacional através dos traços e dos símbolos.

A coragem transparece também na abordagem de sua temática favorita, a ambivalência e a ambiguidade de gênero.  “Ele alcança colocar numa mesma obra as duas situações no tratamento da questão de gênero, como em Duas figuras [s.d. grafite sobre papel], onde duas mulheres se beijam, uma branca e uma negra. Em outra, Namorados em traje de banho [s.d. Aquarela sobre papel] há a ambiguidade homem/mulher, ambos com corpos muito parecidos. Isso se repete em vários desenhos e pinturas”, comenta Paulo Sergio Duarte.

O curador prossegue: “A coragem de exercer uma transgressão formal é manifestada em inúmeras obras, como a surrealista Duas figuras e perfil [aquarela sobre papel], que na verdade apresenta quatro figuras, entre elas, a que se impõe é um ciclope negro de olho vermelho, além de uma sombra e uma figura confusa de mulher.”

De família abastada, Ismael Nery teve a oportunidade rara entre intelectuais brasileiros de viajar para a Europa. Em sua última visita ao continente (1927), conheceu André Breton, autor do Manifesto Surrealista (1924), quando frequentava o ateliê de Chagall.

Foi um dos precursores do surrealismo no Brasil, ao lado de Cícero Dias.

Paulo Sergio Duarte é curador, crítico e professor-pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESAP) da Universidade Candido Mendes e da Escola de Artes Visuais – Parque Lage, no Rio de Janeiro. Entre suas curadorias mais recentes encontram-se as retrospectivas de Lygia Clark (2012), em parceria com Felipe Scovino, e de Sergio Camargo (2015), em parceria com Cauê Alves, no Itaú Cultural, em São Paulo, esta última também exibida na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre; a retrospectiva de Amilcar de Castro (2014-2015), no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; a individual “Antonio Dias – Potência da pintura” (2015), na Fundação Iberê Camargo, e “Guignard – A memória plástica do Brasil moderno” (2015), no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

 

O Museu de Arte Moderna de São Paulo                  

O MAM é uma sociedade civil de interesse público, sem fins lucrativos, fundada em 1948. Sua coleção possui mais de 5 mil obras produzidas pelos nomes mais representativos da arte moderna e contemporânea, principalmente brasileira. Tanto a coleção como as exposições privilegiam o experimentalismo, abrindo-se para a pluralidade da produção artística mundial e a diversidade de interesses das sociedades contemporâneas.

As exposições principais são realizadas em duas salas, segundo uma grade anual estruturada em quatro temporadas. Outras mostras são exibidas regularmente nos espaços da biblioteca e do corredor de ligação, onde é desenvolvido o programa de instalações Projeto Parede.

A cada dois anos, o MAM realiza o Panorama da Arte Brasileira, exposição que resulta do mapeamento da produção contemporânea em todas as regiões do país. O crescimento do interesse pela arte brasileira no mundo consolidou o Panorama como uma mostra relevante no circuito artístico internacional.

O museu mantém ainda uma ampla grade de atividades que inclui cursos, seminários, palestras, performances, espetáculos musicais, sessões de vídeo e práticas artísticas. O conteúdo das exposições e das atividades é acessível a todos os públicos, por meio de audioguias, videoguias e tradução para a língua brasileira de sinais.

 

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Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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