Artes Plásticas

A personalidade difícil de Rego Monteiro

Por Paulo Varella - maio 29, 2017
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A galeria Almeida e Dale recebe a exposição Vicente do Rego Monteiro – Nem Tabu, nem Totem, que tem curadoria de Denise Mattar. A mostra apresenta os principais momentos do artista, cuja instável personalidade marcou sua produção e também a relação com seus pares e com intelectuais da primeira metade do século XX.

A exposição reúne ainda seis obras de Fedora e Joaquim do Rego Monteiro, irmãos de Vicente, sempre referidos nas biografias do artista, mas raramente apresentadas em exposições fora do Recife.

 

O pintor e poeta pernambucano Vicente do Rego Monteiro foi um artista singular, cuja instável personalidade marcou sua produção e também a relação com seus pares e com intelectuais da primeira metade do século XX. Colheu como fruto desse perene desassossego ser lembrado e esquecido, estar presente e ausente.

A exposição reúne 38 obras do artista, mesclando trabalhos de diferentes períodos agrupados por analogia de linguagem, pondo em relevo a excepcionalidade do artista. O recorte foca em sua produção plástica das décadas de 1920 a 1940, apresentando trabalhos da série “Lendas Amazônicas”, um conjunto de obras art déco, a breve influência surrealista, as naturezas mortas perspectivadas, além do seu interesse pela arte sacra.

Participante da Semana de 22, Rego Monteiro, estava muito à frente dos modernistas brasileiros. Já no início dos anos 1920, sua temática era povoada pelas lendas indígenas e pelo sagrado. A exposição que chega à galeria paulistana traz dessa época as aquarelas A rede do amor culpado (Bailado na Lua), Composição indígena e Sem título, que em 1921 integraram uma mostra realizada no Teatro Trianon – na época muito bem recebida pela crítica.

“Vicente do Rego Monteiro queria ser escultor, mas foi como pintor que impregnou sua obra de intensa expressão tátil. Produziu um surpreendente indianismo de vanguarda, mas nunca foi um ‘antropófago’. Criou um caminho inteiramente original na pintura, miscigenando o art déco e a cerâmica marajoara, mas nele enveredou para uma religiosidade cristã”, destaca Denise Mattar.

A curadora explica que o verso que dá nome à mostra é parte de um soneto, Meu Poema, de autoria do próprio Rego Monteiro. “O título da mostra exprime com precisão a desconcertante personalidade do artista, que, durante toda a sua vida, alternou longos períodos entre o Sena e o Capibaribe, entre as artes plásticas e a poesia, entre a criação e a edição”, afirma.

Ainda em meados da década de 1920, morando em Paris, Rego Monteiro desenvolve uma técnica, inteiramente pessoal, reportada às estilizações formais do art déco, num clima mítico, místico e metafísico, passando a integrar o importante grupo L’Effort Moderne. A produção desse período é considerada a melhor fase do pintor. Seus trabalhos da época ganharam destaque pelo caráter escultórico de sua pintura. Os óleos sobre tela Fuga para o Egito e Atirador de arco são algumas das obras primas desse momento.

Na segunda metade da década, Rego Monteiro casa-se com a francesa Marcelle Louis Villard, que herda os bens de seu primeiro marido. Deslumbrado diante de uma nova situação econômica, o artista passa a viver uma vida frenética. Nesta época, alguns de seus trabalhos ganham certa influência surrealista, tais como Arlequim e o Bandolim e Moderna degolação de São João Batista.

Em 1928, Rego Monteiro é convidado por Oswald de Andrade a integrar o movimento Antropófago. O artista não apenas recusa o convite, como também se sente insultado, por se considerar um pioneiro da antropofagia – questão que suscita opiniões diversas pela crítica até hoje. Para o crítico literário Jorge Schwartz, por exemplo, o fato de Rego Monteiro ter sido pioneiro na introdução do indianismo de vanguarda não o torna um antropófago, nos moldes formulados pelo poeta paulista no final da década.

“O movimento oswaldiano não pode ser dissociado de uma proposta revolucionária e utópica. O indianismo de Rego Monteiro não ultrapassa os limites estéticos e até decorativos que imprime a sua extraordinária obra”, afirma o autor em Fervor das Vanguardas.

Após a quebra da bolsa de Nova York, em outubro de 1929, a vida artística parisiense é afetada e Rego Monteiro inicia uma década de pouca produção pictórica. Em 1933, retorna ao Brasil e, pouco tempo depois, passa a dirigir a revista monarquista e nacionalista Fronteiras, onde escreve artigos e realiza uma série de ilustrações e fotografias. A postura conservadora da publicação contribui para o isolamento do artista. Exemplo disso foi a proposta de queima em praça pública de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, seu amigo na juventude.

Em 1942, Rego Monteiro retoma, em pintura, alguns temas nordestinos que desenhara na década anterior. A tela O vendedor de esteiras data deste período. Na mesma época, o artista passou a retratar uma série de naturezas-mortas, da qual figuram Natureza morta e Tulipas. Ainda nesse período, ele pinta algumas obras com princípios figurativistas dos anos 20, a exemplo de Mulher com violoncelo.

De volta a Paris, o artista funda, em 1947, a La Presse à Brass, editora particular que se transformou em símbolo de sua dedicação à poesia e à cultura francesa. Durante esse período de 10 anos Rego Monteiro publica 13 livros de sua autoria, mas sua produção plástica é pequena. Em 1960, recebeu um dos mais importantes prêmios literários da França, o Prix Guillaume Apollinaire.

Rego Monteiro volta ao Brasil em meados de 1950 e a partir daí dedica-se intensamente à pintura. Na década de 1960, retoma os temas regionalistas e as naturezas-mortas desenvolvidos em 1940.

Em 1970, Rego Monteiro figura na 8ª edição da exposição Resumo JB, evento prestigiadíssimo na época, que elegia os mais destacados artistas do ano. Preparando sua ida ao Rio, para a abertura da mostra, ele sofre um enfarte, falecendo a 5 de junho, no Recife.

“Confirmando a incoerência que permeou toda a vida de Vicente do Rego Monteiro, foi exatamente quando sua obra entrou em declínio que ele recebeu o reconhecimento que tanto buscou. Rego Monteiro foi uma personalidade fascinante e incoerente – nem tabu, nem totem”, afirma Denise Mattar.

A exposição reúne ainda seis obras de Fedora e Joaquim do Rego Monteiro, irmãos de Vicente, sempre referidos nas biografias do artista, mas raramente apresentadas em exposições fora do Recife. Fedora foi a primeira mulher brasileira a participar do Salon des Indépendants, em Paris. A artista teve uma produção constante, sempre observada pela crítica francesa, até seu retorno ao Recife e o casamento com o político e jornalista Aníbal Fernandes. Dedicada à família a partir daí, a artista só voltou à sua obra 13 anos depois, pintando, então, com assiduidade, até o seu falecimento em 1975.

Já Joaquim do Rego Monteiro desenvolveu um interessante trabalho de raiz cubista, pleno de simultaneidades informais. As obras apresentadas na exposição são do início de sua carreira e retratam o interior e o exterior do atelier que ele e Vicente partilharam na Rue Gros, em Paris, no ano de 1923. O artista faleceu prematuramente, em 1935.

A exposição Vicente do Rego Monteiro – Nem Tabu, nem Totem insere-se dentro de uma ação institucional da Galeria Almeida e Dale que busca resgatar grandes talentos da arte brasileira, como nas mostras já apresentadas de José Antônio da Silva, Eliseu Visconti, Raimundo Cela, Ernesto de Fiori, Di Cavalcanti, Ismael Nery, Willys de Castro, Alberto da Veiga Guignard, Alfredo Volpi e Aldo Bonadei.

O início da carreira

Vicente do Rego Monteiro nasceu em 19 de dezembro de 1899, no Recife. Por influência de sua mãe, professora, todos os irmãos revelaram seus pendores artísticos: José seria arquiteto, Fedora, Vicente e Joaquim, pintores, e Débora, escritora.

Dez anos mais velha, sua irmão Fedora foi responsável pela mudança da família para Paris em 1911. Numa atitude bastante incomum para a época, sua mãe decidiu que a filha deveria continuar os estudos de artes iniciados na Escola Nacional de Belas Artes na Académie Julian, na capital francesa. Vicente a acompanhava em algumas aulas e frequentava cursos paralelos, mas o que realmente o interessou nessa primeira estadia foi a efervescência cultural da cidade.

A eclosão da I Guerra fez com que a família voltasse para o Brasil, em 1914, fixando-se no Rio de Janeiro. Em 1918, Vicente assiste no Recife às apresentações da companhia de Ana Pavlova, o que o leva a pensar na criação de um bailado inspirado nas lendas indígenas brasileiras. Ele dedica-se então a estudar as lendas amazônicas, e o faz com seriedade.

Em 1920, Vicente apresenta um conjunto de 43 obras na Livraria Moderna, em São Paulo, onde conhece Anita Malfatti, Brecheret e Di Cavalcanti. A mostra segue para a Associação dos Empregados do Comércio, no Rio de Janeiro, e depois é apresentada, com 31 obras, na mesma entidade no Recife. De modo geral, a imprensa recebeu bem a exposição, com destaque para as críticas de Monteiro Lobato e Ribeiro Couto.

Logo após a mostra, o artista decide retornar a Paris. Foi um momento de experimentação, de procura de novos caminhos. Em 1922, participou, por acaso, da Semana de Arte Moderna em São Paulo, com dez obras que ele havia deixado com Ronald de Carvalho quando partiu e que foram incluídas na mostra pelo poeta.

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Vicente do Rego Monteiro, 1970 | Foto: Edmond Dansot

Maturidade

A grande virada na obra de Vicente do Rego Monteiro ocorreu, entre 1923 e 1925, quando o artista teve a sensibilidade de conectar o estilo art déco, em plena ascensão na França, às suas raízes brasileiras e à arte marajoara. Foi também o momento no qual conseguiu transformar a pesquisa sobre as lendas amazônicas num livro e ainda realizar seu sonhado bailado, apresentando-o, em alguns dos melhores teatros de Paris, com dançarino François Malkovikz (1899-1982), sucessor de Isadora Duncan.

Nas décadas seguintes, o artista se divide entre Paris e Recife, em longos períodos intercalados, ora se dedicando com afinco à pintura, ora à poesia e à produção editorial.

Em 1966, é contratado para lecionar no Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília, onde assume a direção da Gráfica Piloto. No bojo dos movimentos políticos de 1968, o ateliê de Monteiro no campus da UnB é invadido e algumas de suas obras são destruídas por estudantes extremistas.

Além de estar presente nos principais acervos museológicos do Brasil Rego Monteiro é o artista moderno brasileiro mais bem representado na França, com importantes obras no Museu Nacional de Arte Moderna- Centro Georges Pompidou, Paris, Museu de Arte Moderna de la Ville de Paris, Museu Géo-Charles, Echirolles e Museu de Grenoble.

Em outubro deste ano, o Centro Pompidou apresentará uma importante exposição retrospectiva de Paulo Brüscky, que incluirá na sua exposição dois trabalhos de Rego Monteiro que integram o acervo da instituição francesa. Grande admirador do artista, Brüscky realizou extensa pesquisa documental sobre ele – material que estará presente no Pompidou -, e publicou em 2004, no Recife, um livro reunindo toda a obra poética do artista pernambucano.

Vicente do Rego Monteiro – Nem Tabu, nem Totem
Vernissage: 3 de junho (sábado), das 11h às 14h
Período de exposição: de 5 de junho a 29 de julho
De segunda a sexta, das 10h às 18h; sábado, das 10h às 14h

Galeria Almeida e Dale
R. Caconde, 152 – Jardim Paulista, São Paulo – SP
Tel.: 11 3887-7130
www.almeidaedale.com.br

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Estudou cinema na NFTS (UK), administração na FGV e química na USP. Trabalhou com fotografia, cinema autoral e publicitário em Londres nos anos 90 e no Brasil nos anos seguintes. Sua formação lhe conferiu entre muitas qualidades, uma expertise em estética da imagem, habilidade na administração de conteúdo, pessoas e conhecimento profundo sobre materiais. Por muito tempo Paulo participou do cenário da produção artística em Londres, Paris e Hamburgo de onde veio a inspiração para iniciar o Arteref no Brasil. Paulo dirigiu 3 galerias de arte e hoje se dedica a ajudar artistas, galeristas e colecionadores a melhorarem o acesso no mercado internacional.

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