Uma pintura figurativa quando possui um alto nível de excelência, possui em sua composição um senso de organização que pode ser polarizado e estabelecido entre dois extremos: a unidade dos elementos visuais que traz um senso de ordem, e a variedade de contrastes visuais que expressa uma sensação de caos.
A organização da composição pode atingir um ponto de equilíbrio e transitar entre duas escalas:
Na escala Micro os aspectos visuais se estruturam a partir da união de elementos visuais semelhantes entre si, com isto são formados grupos organizados através de um senso de ordem.
Na escala Macro os aspectos visuais se estruturam a partir do contraste entre diferentes elementos visuais organizados em grupos distintos. A oposição entre grupos com identidades visuais contrastantes entre si estabelece um senso de caos.
Dentro da escala Micro o senso de ordem, quando apresentado de forma exagerada, deixa de expressar uma idéia de compreensão, podendo tornar a leitura visual da obra tediosa.
Em oposto na escala Macro, quando o senso de caos se apresenta de forma exagerada, a percepção baseada na curiosidade dá lugar a uma sensação de confusão.
A organização visual da obra é feita através da leitura das informações visuais dispostas ao longo da composição da pintura. Essa disposição da informação gera diferentes tipos de relações entre os elementos visuais, que podem ser de semelhança ou oposição, unidade ou variedade.
Na obra quando é apresentado o conceito de unidade a informação visual se torna ordenada dentro da composição da obra, a unidade visual organiza a pintura, e com isto os elementos visuais presentes na composição podem se tornar visivelmente mais destacados.
Quando é apresentado o oposto da unidade ocorre uma variedade da informação visual, a ordem é quebrada e a informação visual possui uma pluralidade.
Dentre os elementos visuais que estão presentes na composição da pintura figurativa podemos citar o ponto, a linha, formas geométricas, valores tonais, cores, texturas, direção e movimento.
A composição na pintura figurativa pode apresentar o conceito de unidade e variedade quando há semelhanças e diferenças entre as formas geométricas que estruturam os elementos visuais.
A percepção da forma é realizada através da leitura espacial dos elementos visuais dispostos na composição da obra, entre as formas geométricas geradas pela leitura visual podemos citar os círculos, elipses, quadrados, retângulos e triângulos.
Nympheas en fleur”. Claude Monet, 1914– 17.
Óleo sobre tela. 160 x 180 cm. Coleção Privada.
A obra do mestre Monet mostra elementos visuais estruturados a partir de quatro formas geométricas: círculos, retângulos, ovais e elipses.
A composição da obra traz a divisão das áreas visuais a partir de dois momentos: no primeiro há grandes massas de cores que expressam a idéia de silêncio, e no segundo momento, as áreas se caracterizam pela idéia de barulho que se contrasta com as áreas de silêncio.
Estas áreas mais “barulhentas” contêm diversos elementos visuais fragmentados que se unem e também se opõem entre si.
Na obra elementos visuais que geram unidade se agrupam de acordo com a semelhança entre as formas geométricas, por outro lado, as formas geométricas que se opõem entre si geram a variedade da informação visual.
Todo esse movimento formado através das diferenças e semelhanças entre as formas estruturantes traz para a composição da obra uma riqueza de ritmos visuais.
Na composição da pintura acima os elementos visuais se estruturam a partir de diversas formas geométricas, estas formas se relacionam entre seus semelhantes e contrastam com seus opostos.
As formas geométricas são divididas em grupos, dentro dos grupos cada forma geométrica se une aos seus semelhantes e caracteriza um elemento visual. As formas geométricas apresentam oposição entre si e se separam quando há na composição da obra uma variedade de elementos visuais, com tamanhos e formatos diferentes.
A ideia de caos nasce a partir dos contrastes entre os opostos, e o equilíbrio de forças que estabelece a unidade é feito através da oposição à variedade, pois dentro do conceito de unidade, cada elemento visual se une com elementos semelhantes.
Na obra a presença de uma unidade entre os elementos visuais tem a função de estabelecer um ordenamento que equilibra o caos.
Primavera sagrada: bons sonhos (Nave nave moe). Paul Gauguin, 1894.
Óleo sobre tela, 74 x 100 cm. Hermitage Museum.
Na obra de Paul Gauguin a composição se organiza a partir de três agrupamentos:
1 – No primeiro plano as duas figuras humanas retratadas possuem as mesmas formas estruturantes triangulares, as mesmas cores, e possuem o mesmo tamanho.
2 – No segundo plano intermediário os elementos visuais são figuras humanas que possuem formas estruturadas em elipse e possuem as mesmas cores de pele.
3 – O terceiro plano de fundo retrata quatro figuras humanas, aqui os elementos visuais são agrupados através das quatro formas retangulares com dimensões iguais.
A maneira como a informação visual é organizada na composição da obra estabelece tanto a proximidade entre os elementos visuais quanto a sua divisão em três diferentes grupos. Este movimento tem a função de trazer unidade e variedade da informação visual, e com isto há um destaque maior da presença dos diferentes planos visuais na composição da obra.
Santa Rosalie Intercedendo pelos Pestilentos de Palermo. Anthony Van Dyck, 1624. Óleo sobre Tela, 99.7 x 76.7 cm. Metropolitan Museum of Art.
Na pintura de Anthony Van Dyck podemos notar que os elementos visuais são agrupados e posicionados a partir de linhas diagonais que ascendem em direções opostas: o primeiro grupo de elementos visuais se direciona da esquerda para a direita, e os outros elementos visuais se direcionam da direita para a esquerda.
Devido a esta oposição entre os elementos visuais a obra apresenta um equilíbrio de forças, onde a quantidade de orientações espaciais presente na composição possui o mesmo número de elementos visuais quando há a divisão em duas partes iguais.
O elemento de maior destaque na obra é a figura humana feminina centralizada, esse destaque ocorre devido a esta figura possuir sua orientação espacial um pouco mais inclinada em relação aos demais elementos visuais que ascendem da direita para a esquerda.
Essa mudança é sutil e mantém uma harmonia visual com o todo, pois mesmo que esta orientação espacial difere de todos os outros elementos visuais, a figura humana em destaque ainda faz parte do grupo onde os elementos visuais ascendem da direita para esquerda, e ainda assim se contrapõem ao grupo oposto.
Na obra do pintor Francisco Goya a natureza morta evidencia elementos visuais semelhantes entre si mas que possuem direções de movimentos opostos.
As cabeças e olhos dos peixes possuem formas ovais e circulares, estas formas se unem em dois grupos com estruturas triangulares iguais e que dividem a composição da pintura em duas partes.
Dentro da composição da obra as formas triangulares possuem direções opostas, se posicionam do centro para a esquerda e do centro para a direita do quadro.
As formas geométricas que estruturam os elementos visuais são semelhantes e expressam um sentido de unidade na pintura.
Porém nesta obra o sentido de equilíbrio visual somente ocorre quando há uma quebra do sentido de unidade. O equilíbrio visual ocorre no momento em que as informações visuais que são iguais entre si, se contrastam em diferentes direções de movimento.
O equilíbrio visual faz com que os elementos visuais se tornem mais destacados e consequentemente, a composição da obra se torna visualmente mais dinâmica.
Narciso. Caravaggio, 1594 – 96.
Óleo sobre Tela, 110 x 92 cm. Galleria Nazionale d´Arte Antica.
Na obra do mestre Caravaggio é possível observar o alinhamento vertical e horizontal das formas geométricas que estruturam os elementos visuais da obra.
Na pintura os elementos visuais como a cabeça, mãos, ombro e joelho se estruturam a partir de formas geométricas circulares e retangulares, e a presença destas formas se repetem ao longo da composição. A maneira como é estruturada essa repetição evidencia um alinhamento das formas geométricas e estrutura um ordenamento visual.
O agrupamento dos elementos visuais que são semelhantes entre si traz a percepção de uma unidade na composição, além disto, esta percepção de unidade acaba sendo potencializando graças ao alinhamento vertical e horizontal dos elementos visuais dentro da composição da obra.
O senso de ordem é predominante na obra e o equilíbrio visual na composição se estabelece quando ocorre a contraposição da ordem. Na obra a contraposição é determinada pela variedade de formas geométricas que estruturam os diferentes elementos visuais.
A composição na pintura figurativa pode apresentar o conceito de unidade e variedade quando há semelhanças e diferenças entre cores, valores tonais e texturas presentes nos elementos visuais da pintura.
A percepção da informação cromática, tonal e de textura é realizada através da leitura espacial dos elementos visuais dispostos na composição da obra.
A deposição. Raffaello Sanzio, 1507.
Óleo sobre Painel, 184 x 176 cm. Galleria Borghese.
Na obra do mestre Raffaello é aplicada uma hierarquia no uso das cores: em primeiro lugar há o uso das cores primárias, em segundo lugar há o uso da cor secundária verde, e em terceiro lugar há o uso de cores terciárias aplicadas em partes do plano de fundo e no chão.
Esta hierarquia tem a função de evidenciar a figura humana na composição da obra, visto que as cores primárias aplicadas a estes elementos visuais possuem uma maior intensidade visual.
Na obra os elementos visuais que possuem maior destaque se relacionam através do binômio* das cores Vermelho e o Azul, o binômio destas cores está presente na figura humana e determina uma área de maior foco visual na composição.
Em contraposição, a relação das cores complementares do vermelho e verde tem a função oposta ao Binômio do Vermelho e Azul, a cor complementar equilibra os elementos visuais destacados, trazendo para a composição da obra uma harmonia de cores.
Cores em destaque geram o conceito de variedade e cores em harmonia geram o conceito de unidade.
*Binômio: Expressão algébrica formada pela soma ou pela diferença de dois termos ou monômios.
Tirando o barco. Joaquim Sorolla, 1916.
Óleo sobre Tela, 100 x 120 cm. Coleção Privada.
Na obra do pintor Sorolla há o uso dos valores tonais aplicados sobre duas famílias de cores análogas*. O uso de valores tonais na pintura estabelece a pluralidade da informação visual, e as cores análogas são agrupadas na composição da obra a partir de duas famílias: as de cores quentes (amarelo e cores terrosas), e as de cores frias (azul e verde).
Dentro da visão de cada grupo é estabelecida uma dicotomia, onde a variedade dos diferentes valores tonais se contrapõe ao conceito de unidade gerado pelo uso das cores análogas.
Na visão geral da composição a variedade tem a função de destacar os elementos visuais, este destaque é feito de duas maneiras: através da aplicação dos diferentes tipos de valores tonais que gera a pluralidade, e através da oposição entre as diferentes temperaturas das cores.
Na composição da obra a harmonia visual ocorre quando há o equilíbrio entre o conceito de unidade aplicada às famílias de cores, e o conceito de variedade aplicado aos valores tonais.
*Cores Análogas: As cores análogas são aquelas dispostas lado a lado no círculo cromático e compartilham uma cor básica.
Campo de trigo com ciprestes. Vincent Van Gogh, 1889.
Óleo sobre Tela, 73 x 93,4 cm. Metropolitan Museum of Art.
Na obra do mestre Van Gogh é possível observar a textura aplicada na pintura através do uso da técnica do impasto*. O uso desta técnica traz uma maior plasticidade à obra, pois o excesso de tinta que é empregado à pintura possibilita que o movimento das pinceladas seja fortemente marcado na superfície do quadro.
Na obra o movimento das pinceladas possuem comprimento e espessuras diferentes e se dividem em três grupos, esta divisão gera uma variedade de texturas que são organizadas em hierarquia e aplicadas aos diferentes tipos de elementos e planos visuais:
1- As pinceladas maiores possuem movimentos mais amplos que produz a textura das nuvens, na obra estas pinceladas são aplicadas no plano de fundo da composição.
2- As pinceladas médias geram as texturas das montanhas e a base do trigo, são pinceladas que estabelecem os planos de transição, pois separam os elementos visuais em diferentes planos.
3- As pinceladas menores possuem movimentos mais curtos e geram a textura da vegetação e do trigo, são pinceladas que estão presentes no primeiro e segundo plano.
A textura gerada pelos diversos movimentos das pinceladas é presente em todos os elementos e planos visuais da obra, esta totalidade faz com seja estabelecido um conceito de unidade na obra.
Em oposição, o conceito de variedade se estabelece através da diferença entre os tamanhos das pinceladas, esta variedade faz com que a textura que é aplicada a todos os elementos e planos visuais se apresente de forma diversificada.
*Impasto: é uma técnica que consiste em aplicar pinceladas grossas de tinta sobre a tela ou suporte, de forma que o volume e a forma das pinceladas sejam visíveis ,gerem um efeito tridimensional e uma textura adicionada.
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Caracaaaaa.... ameeeeei este artigo! Dá vontade de visitar novamente todas estas obras e ficar observando os pontos levantados na matéria! Parabéns!!!!