Artigos Acadêmicos

O Neoclássico e os Cantos XIX a XXI da Ilíada


Os artistas do período Neoclássico, franceses, ingleses, italianos, dedicaram-se freneticamente à pintura histórica e heroica. E nada mais épico que o tema da Ilíada de Homero e seus famosos heróis, principalmente, sobre Heitor, um simples mortal, corajoso, pai e esposo amoroso, lutando por seu país, e acerca do guerreiro Aquiles, filho amado e protegido da deusa Tétis, com a sentença de morte pairando sobre a cabeça, caso participasse da luta com o nobre filho de Príamo.

Para substituir a armadura anterior de Aquiles, removida de Pátroclo por Heitor, Tétis encomenda um novo conjunto, constituído de elmo e um escudo, grevas e uma brilhante couraça, ao deus ferreiro, Hefesto.

Tão logo recebe as armas divinamente forjadas, a deusa desce do Olimpo ao encontro do filho.

No interior da tenda, Aquiles pranteia o amigo, cercado e consolado por compatriotas e as mulheres choram a morte de Pátroclo.

Benjamin WEST[2] (1738-1820) Tétis trazendo a armadura para Aquiles, 1804. Óleo sobre tela, 68,6×50,8. Los Angeles County Museum of Art, Los Angeles, EUA.

Benjamin WEST (1738-1820) Tétis trazendo armadura para Aquiles, 1806. Óleo sobre tela 50.8×69.2. New Britain Museum of American Art, Connecticut, EUA.

Após o grande sucesso da pintura sobre a história da vida moderna – A Morte do General Wolfe[3] – West se afastou do tema clássico. No entanto, seu interesse foi renovado, por volta da virada do século XIX, provavelmente, inspirado pela série de gravuras publicadas sobre os desenhos produzidos por John FLAXMAN[4] para as edições de Homero, assim como, as pinturas neoclássicas de Jacques-Louis DAVID[5] e seus seguidores, observadas quando esteve em visita a Paris em 1802 (durante a breve Paz de Amiens[6] de 1802, que permitiu a West e outros artistas ingleses visitarem a cidade).

As pinturas dedicadas a Tétis e Aquiles fazem parte desse período. O tratamento das figuras principais é o mesmo nas duas pinturas. No entanto, na versão de 1806, além de mudar para a forma horizontal, West acrescenta e mostra os Mirmídones, afastando-se da nova armadura reluzente.

A introdução das trevas à direita escondendo a cabeça de Pátroclo e os apavorados Mirmídones, cujo terror é reforçado à esquerda, leva a composição neoclássica mais próxima da estética do Sublime, em que imagens ameaçadoras, opostas à beleza, tem semelhante poder estético, similar ao conceito do Romantismo, em que tudo é grandioso, belo e extraordinário, mesmo que se apresente a feiura ou o horror, de acordo com as ideias propostas por Edmund Burke[8].  

Com as novas armas, Aquiles deixa o corpo do amigo aos cuidados de Tétis e, disposto a lutar, reúne seus homens.

Agamémnon, reconhecendo seus erros, envia preciosos presentes a Aquiles, inclusive Briseide, que jura nunca ter tocado.

Julien MICHEL GUÉ (1789-1843) Briseide em luto pela morte de Pátroclo, 1815. Óleo sobre tela, 115×147. Musée des Beaux-Arts Bordeaux, França.

Aluno de Pierre LACOUR[9] na École des Beaux-Arts de Bordeaux, Jean-Baptiste Gué, ingressou na oficina de Jacques-Louis DAVID em Paris, onde participou do concurso para o Grand Prix de Rome, em 1815, com a obra: Briseide em luto pela morte de Pátroclo.  Suas pinturas foram expostas continuamente a partir de 1819 no Salão de Paris.

Durante a década de 1820, Gué dedicou-se à pintura no estilo do Romantismo, se afastando do Neoclássico.

Vendo-os chorar, Zeus se apieda e envia Atena para, com néctar e ambrosia, aplacar a tristeza e fraqueza no herói. O dia claro recebe os descansados e armados homens. Aquiles veste as armas celeste.

Na cabeça, Aquiles coloca o elmo, adornado com crina e plumagem dourada. Depois segura a inquebrável lança de freixo[10], que herdara de Peleu.

Os cavalos imortais[11], Xantos e Balio, também presentes do pai, recebem formosas correias, magníficas rédeas e Aquiles pronto para a batalha. O herói retorna à luta, com toda a fúria de sua alma.

Zeus convoca todos os deuses e os libera para lutar ao lado de um ou outro. Apolo segue ao lado de Heitor. Firmes, Atena e Hera acompanham Aquiles.

No campo de batalha Aquiles vence todos. Em fuga, os Troianos se refugiam no rio Xanto, do deus-rio Escamandro, onde Aquiles segue enfurecido, tingindo as águas de vermelho.

Indignado com a insolência de Aquiles, Escamandro levanta os corpos dos Troianos e envia ondas altíssimas e espumosas para derrubá-lo. Mas, auxiliado por Atena e Poseidon, Aquiles segue vitorioso avançando contra as ondas.

John FLAXMAN (1755-1826) gravado por Tommaso PIROLI[12] (ca. 1752-1824) Aquiles lutando com os rios, publicado em 1805. Gravura a água forte, 16,8×26,8. Royal Academy of Arts. Londres, UK.
Auguste COUDER (1789-1873) Teto [13] Água. Aquiles está prestes a ser engolido pelos rios Xanto e Simóis, irritados com a carnificina dos troianos, 1818-1825. 387×305. Musée du Louvre, Paris, França.

Após maiores embates, com Xanto mais calmo após a intercessãode Hera e Hefesto, Zeus observa os deuses se levantarem uns contra os outros.

Revoltado, Ares é um dos primeiros a reclamar da interferência em favor do herói e se volta contra Atena.

Jacques-Louis DAVID (1748-1825) O Combate de Marte e Minerva, 1771. OST, 146,8×114. Musée du Louvre, Paris, França.

Jovem, aos vinte e três anos, entusiasmado com os temas clássicos e o sonho de conhecer a Itália, David submeteu a pintura – Combate de Marte e Minerva – ao Prix de Rome, junto a Académie Royale de Peinture et de Sculpture, em 1771.

Segundo prêmio na competição da Academia, a pintura, ainda no estilo decorativo inicial do artista, mostra, do lado esquerdo no primeiro plano, o guerreiro derrotado ao chão com as armas já depostas e ao fundo os troianos exauridos e obscurecidos. No centro em pé, na posição que lembra um modelo da antiga Grécia, Atena segura a égide adornada pela Medusa. Do lado direito, os gregos observam.

Entre as nuvens, a deusa Afrodite acompanhada de Eros desce em socorro do amante combatido.

Posseidon e Apolo fecham acordo. Ártemis briga com o irmão, Hermes e Leto conversam, enquanto Ártemis corre junto à Zeus para reclamar de Hera, a causadora de toda discórdia.


REFERÊNCIAS

HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2017. 715 p.

LOS ANGELES COUNTY MUSEUM OF ART, Los Angeles, EUA. Disponível em: https://collections.lacma.org/node/171621 Acesso em 09 mai. 2022.

MUSÉE DES BEAUX-ARTSBordeaux, França. Disponível em: http://musba-bordeaux.opacweb.fr/fr/search-notice/detail/bx-e-369-brisei-7e542

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010066103 Acesso em 11 mai. 2022.

MUSÉE DU LOUVRE, Paris, França. Disponível em: https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010062193 Acesso em 11 mai. 2022.

NATIONAL GALLERY OF CANADA. Ottawa, ON, Canada. Disponível em: https://www.gallery.ca/collection/artwork/the-death-of-general-wolfe-0 Acesso em: 27 ago. 2021.

NEW BRITAIN MUSEUM OF AMERICAN ART, Connecticut, EUA. https://ink.nbmaa.org/objects/70/thetis-bringing-armor-to-achilles Acesso em 11 mai. 2022.

ROYAL ACADEMY OF ARTS, Londres, UK. Disponível em: https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/achilles-contending-with-the-rivers Acesso em 11 mai. 2022.

STAATLICHEN MUSEEN ZU BERLIN, Berlim, Alemanha. Disponível em: http://www.smb-digital.de/eMuseumPlus?service=ExternalInterface&module=collection&objectId=686562&viewType=detailView Acesso em 11 mai. 2022.


[1]        Formato semelhante a um cálice, o Kylix era usado para se beber vinho na Antiga Grécia Antiga. O corpo raso recebia duas asas e um pé, e recebia decoração interna.

[2]     Saiba mais de Benjamin WEST[2] (1738-1820) em: https://arteref.com/artigos-academicos/pinturas-benjamin-west-e-john-copley/

[3]     Benjamin WEST (1738-1820) A Morte do General Wolfe, 1770. Óleo sobre tela, 152.6×214.5. National Gallery of Canada. Ottawa, ON, Canada. Disponível em: https://www.gallery.ca/collection/artwork/the-death-of-general-wolfe Acesso em: 27 ago. 2021.

[4]     Saiba mais sobre John FLAXMAN em: https://arteref.com/artigos-academicos/o-neoclassico-no-reino-unido/

[5] Saiba mais sobre Jacques-Louis DAVID (1748 -1825) em: https://arteref.com/artigos-academicos/expansao-neoclassica-seculo-xviii/

[6]     O Tratado de Amiens ou Paz de Amiens, assinado em 1802, que durou apenas um ano, colocou fim à guerra entre a Grã-Bretanha e França e seus aliados.

[7]    Both Flaxman and the French artists practiced more severe, archaeologically precise, and abstract formal classicism than West had in his earlier paintings, and this later influence is reflected in the essentially two-dimensional composition, the pronounced emphasis on outline, and the compact quasigeometrical arrangement of the main figures in the New Britain picture as well as in such details as Thetis’s profile, Achilles’ nudity, and the elaboration of the sword, shield, and helmet. Disponível em: New Britain Museum of American Art, Connecticut, EUA. https://ink.nbmaa.org/objects/70/thetis-bringing-armor-to-achilles Acesso em 11 mai. 2022.

[8]     Filósofo irlandês, Edmund Burke (1729 -1797) escreveu sobre as reações dos ingleses quanto à Revolução Francesa e foi responsável por teorizar a estética do Sublime, similar ao conceito do Romantismo, em que tudo é grandioso, belo e extraordinário, em meio à luz, cores e movimento, mesmo que se apresente a feiura ou o horror. A obra publicada em 1757 e 1759, com o título de Investigação Filosófica acerca da Origem das Nossas Ideias do Sublime e do Belo, marcou a tradição de se teorizar as estéticas a partir de meados do século XVIII.

[9]     Natural de Bordeaux, Pierre LACOUR (1745-1814) estudou com o pintor Neoclássico Joseph-Marie VIEN (1716-1809). Premiado no concurso do Prix de Rome, viveu anos em Roma. Por volta de 1771-1772, Lacour entrou para a Académie nationale des sciences, belles-lettres et arts de Bordeaux, tornando-se professor logo depois, e em 1801 fundou o Musée des beaux-arts de Bordeaux.  

[10]   Do monte Pélion, a lança de freixo, foi um presente do Centauro Quíron para Peleu em seu casamento com Tétis.

[11]   Imortais, filhos do deus-vento Zéfiro e da Harpia Podarga, Xantos e Balio foram ofertados por Poseidon como presentes de casamento a Peleu.

[12]      Em Florença, Tommaso PIROLI[12] (ca. 1752-1824) desenvolveu a técnica da gravura em cobre. Suas gravuras podem ser encontradas na coleção do Museu Britânico e do Museu Nacional de Estocolmo. Entre outras edições posteriores, em 1793 foi publicada pelo editor Francesco Romero: L’Iliade et l’Odyssée d’Homère gravée par Thomas Piroli d’après les desseins composés par John Flaxman, com noventa e quatro gravuras produzidas por Piroli,

[13]   Parte da decoração da Rotunda do Salão de Apolo no Palácio do Louvre. Pinturas divididas em terra, água e fogo, executadas entre 1818 e 1821 por Auguste COUDER (1789-1873), aluno deJacques-Louis DAVID (1748-1825).

[14]   Filho de Oceano e Tetís, rio da planície troiana, Simoente ou Simóis se unia ao irmão Escamandro e depois se encarregavam de levar os sedimentos em direção ao mar.

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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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