Artigos Acadêmicos

Os poemas épicos e a História da Arte


Tétis e Peleu

O mortal Peleu, rei da Ftia, região da Tessália, filho de Éaco e Endeis, irmão de Télamo era apaixonado por Tétis, a mais bela das Nereidas, filha de Nereu. Aconselhado pelo centauro Quíron, Peleu esperou a Nereida adormecer e enlaçou-a fortemente, puxando-a contra o peito, pois as divindades marinhas tinham a capacidade de metamorfosear-se quando coagidas.

“Tétis transformou-se sucessivamente em fogo, água, árvore, pássaro, leão, serpente e finalmente em uma jibóia”, mas Peleu “não a soltou até que a viu recobrar sua forma primitiva.”  (APOLODORO[3], Bibl. III, 13, 5, 2016, p. 201. Tradução nossa)

Vencida, Tétis aninha-se junto ao futuro marido e, segundo Ovídio[4] (Metamorfoses, Livro XI, 264-265, 2017, p. 593) “Assim, manifestada, colhe-a o herói em seus braços, concretizando seus sonhos, e engravida-a do grande Aquiles.”

Histórias semelhantes são encontradas também em APOLONIO[5], As Argonáuticas IV 790-798; PÍNDARO[6], Neméia IV, 62 ss. e em PAUSÂNIAS[7] V, 18, 5.


O Casamento de Peleu e Tétis

Ao longo da História da Arte, a contar do Renascimento, os estilos e artistas renovaram os temas mitológicos, encontrados nos poemas épicos e histórias contadas por gregos e romanos.

O casamento de Tétis e Peleu, por exemplo, foi apresentado segundo os diferentes estilos por inúmeros artistas italianos, franceses, alemães e principalmente por pintores holandeses, durante o Renascimento, Maneirismo e Barroco.

Cornelis Cornelisz van HAARLEM[8] (1562-1638) O Casamento de Peleu e Tétis, 1593. Óleo sobre tela, 246 x 419. Frans Hals Museum, Haarlem, Holanda. Disponível em: https://www.franshalsmuseum.nl/en/art/the-wedding-of-peleus-and-thetis/ Acesso em: 22 set. 2021.

Johann ROTTENHAMMER[9] (1564 – 1625) O Casamento de Peleu e Tétis, 1600. Óleo sobre cobre, 34×45. Hermitagemuseum, St Petersburg, Rússia Disponível em: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.%20Paintings/38781?lng=en Acesso em: 22 set. 2021.

Peter Paul RUBENS[10] (1577-1640) O Casamento de Peleu e Tétis[11], 1636. Óleo sobre painel, 27×42.6. Art Institute Chicago, Chicago, EUA. Disponível em: ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/59956/the-wedding-of-peleus-and-thetis Acesso em: 23 set. 2021.

As três telas indicadas representam os símbolos da fartura e fecundidade, características presentes e necessárias nos períodos de formação das grandes nações.

Peleu se casou com Tétis no Pelión, monte da Tessália, morada dos Centauros e “ali os deuses participaram na cerimônia com banquetes e cânticos. Quíron deu de presente a Peleu uma lança de freixo e Poseidon presenteou-o com os cavalos Balio e Janto, que eram imortais.” (APOLODORO, Bibl. III, 13, 5, 2016, p. 201. Tradução nossa)

A cerimônia celestial, com todos os deuses reunidos, interpreta um assunto anterior ao Julgamento de Páris e ao Rapto de Helena, ambos, aparentemente, responsáveis pela batalha entre gregos e troianos, história contada em Ilíada[12], poema épico de HOMERO[13].

As histórias contadas pelos antigos gregos e romanos diferem, ou se assemelham, de acordo com cada autor no decurso do tempo e são encontradas também em: ESTÁSINO de Chipre[14], EURÍPIDES[15], HERÓDOTO[16] e Pausânias.   

Zeus havia convidado todos os deuses para o banquete exceto Eris, a
Discórdia. Esta se apresentou mais tarde, porém não foi admitida no
banquete. Assim, pois, ante todos lançou pela porta uma maçã dourada
com a inscrição: “para a mais bela”. Hera, Afrodite e Atena começaram
a reivindicar para si o título de beleza, surgindo entre elas uma grande
discórdia. (HIGINO[17], Fáb. XCII, 1-2, 2008, p. 105. Tradução nossa)

Similar, o estilo Neoclássico renovou e fortaleceu as histórias encontradas nas obras clássicas, fonte da literatura épica, bem ao gosto dos temas vinculados aos personagens heroicos do período, ligados ao iluminismo, que reivindicavam menos luxo, racionalismo, idealismo, distanciamento religioso e mudanças na sociedade, na passagem do século XVIII para o XIX.

Um dos fatores mais importante presente na arte Neoclássica, tanto para os artistas como para o observador é o conhecimento sobre os clássicos, pois a obra não é mais descritiva, pelo contrário, ela é estática, ela colhe um instante da peça teatral.

Na época neoclássica atribui-se grande importância à formação cultural
do artista, a qual não se dá pelo aprendizado junto a um mestre, e sim em
escolas públicas especiais, as academias. O primeiro passo na formação
do artista é desenhar cópias de obras antigas, pretende-se que o artista,
desde o início, não reaja emotivamente ao modelo, mas se prepare para
traduzir a resposta emotiva em termos conceituais. (ARGAN, 2001, p. 25)
Giuseppe Gaudenzio MAZZOLA (1748-1838) Casamento de Peleu e Tétis, 1789. Óleo sobre tela, 85,5×114,5. Musei Reali di Torino, Galleria Sabauda. Turim, Itália.

Natural de Zuccaro, uma aldeia de Valduggia, no Piemonte, Mazzola partiu em 1777 para Roma recomendado ao cardeal e patrono Alessandro Albani (1692-1779), que por sua vez, o indicou como aluno de Anton Raphael MENGS[18].

A obra Casamento de Peleu e Tétis produzida em 1789 o colocou, definitivamente, na arte neoclássica. 

Em 1800, Mazzola foi admitido no corpo acadêmico da Accademia di Belle Arti di Brera em Milão, e mais tarde, membro oficial da Accademia Albertina em Turim.

A pintura apresenta rigor formal, técnica, equilíbrio, clareza e proporção na busca insessante pela simplicidade estética do Neoclassicismo em oposição ao exagero de ornamentos e personagens usados tanto no Barroco, como no Rococó, o estilo mais próximo no tempo.

Mazzola representa o primordial na história: O tranquilo casal e Eris jogando a discórdia entre as mais belas deusas do Olimpo, no cenário cuidadosamente elaborado com artefatos similares aos descobertos nas escavações em Herculano e Pompeia. 


Referências

APOLODORO. Biblioteca Mitológica. Tradução Julia García Moreno. Madrid, Espanha: Alianza Editorial, 2016. 340 p.

APOLONIO DE RODAS. Las Argonáuticas. Tradução Máximo Brioso. Madrid, Espanha: Cátedra, 2018. 237 p.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann; Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 709 p.

ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: ART INSTITUTE CHICAGO, Chicago, EUA. Disponível em: https://www.artic.edu/artworks/59956/the-wedding-of-peleus-and-thetis Acesso em: 19 set. 2021.

FRANS HALS MUSEUM, Haarlem, Holanda, On long-term loan from the Mauritshuis, photo: René Gerritsen. Disponível em: https://www.franshalsmuseum.nl/en/art/the-wedding-of-peleus-and-thetis/ Acesso em: 20 set. 2021.

HERMITAGEMUSEUM, St Petersburg, Rússia Disponível em: https://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/digital-collection/01.%20Paintings/38781?lng=en Acesso em: 20 set. 2021.

HIGINO, C. J. Fábulas e Astronomia. Tradução Guadalupe Morcillo Exposito. Madrid, Espanha: Ediciones Akal, 2008. 359 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin & Companhia das Letras, 2017. 715 p.

HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. 536 p.

MÉDAILLES ET ANTIQUES DE LA BIBLIOTHÈQUE NATIONALE DE FRANCE, Paris, França. Disponível em: http://medaillesetantiques.bnf.fr/ws/catalogue/app/report/index.html Acesso em: 19 set. 2021

MUSEI REALI DI TORINO, GALLERIA SABAUDA.  Turim, Itália. Disponível em: https://www.museireali.beniculturali.it/catalogo-on-line/#/dettaglio/53283 Acesso em: 19 set. 2021.

OVIDIO. Metamorfoses. Tradução Domingos Lucas Dias. São Paulo: Editora 34, 2017. 909 p.

THE J. PAUL GETTY MUSEUM, Los Angeles, CA, EUA. Disponível em: https://www.getty.edu/art/collection/artists/34/douris-greek-attic-active-500-460-bc/ Acesso em: 20 set. 2021. Acesso em: 20 set. 2021.


[1] Douris trabalhou como pintor de vasos e ocasionalmente como oleiro em Atenas no início de 400 a.C. Conhecido por quase quarenta vasos assinados, dois dos quais ele também envasou. Douris decorava principalmente Kilix com figuras vermelhas, mas também pintou alguns vasos de outras formas e em outras técnicas, incluindo fundo branco. Suas cenas são divididas igualmente entre mitologia e representações da vida cotidiana. Disponível em: https://www.getty.edu/art/collection/artists/34/douris-greek-attic-active-500-460-bc/ Acesso em: 20 set. 2021.

[2] Formato semelhante a um cálice, o Kylix era usado para se beber vinho na Antiga Grécia Antiga. O corpo raso recebia duas asas e um pé, e recebia decoração interna.

[3] Do século I a.C. ou I d.C., a Biblioteca mitológica, apoiada em Homero, Hesíodo, e outros autores, inclusive alguns anônimos, atribuída à APOLODORO, é um compêndio de mitologia escrito em prosa sobre a genealogia dos deuses gregos até a história de Odisseu.

[4] Em Metamorfoses, influenciado pelos poemas épicos e pela genealogia grega, Publios OVÍDIO Naso (43 a.C.- 17 d.C.) descreveu em cerca de doze mil versos, em latim, as histórias dos deuses e heróis.  A obra que abrange a cosmogonia e a etiologia fundiu ficção e realidade, transformou personagens e deuses mitológicos em animais, plantas, rios e pedras, no princípio dos tempos e chegou até o tempo do poeta e de Augusto. Ovídio seguiu o conceito da Teogonia, de HESÍODO (ca. VIII-VII a.C.) na divisão cronológica da mitologia clássica e uniu os deuses aos mortais nas descrições sobre o amor, incesto, ciúme e morte. Os personagens ganharam humanidade e se afastaram das solenes divindades.

[5] De Alexandria, aclamado em Rodes, autor da obra épica As Argonáuticas, APOLÔNIO de Rodes (ca. 295-215 a.C.) dirigiu a Biblioteca de Alexandria.

[6] PÍNDARO (ca. 520-438 a.C.) poeta lírico da Antiga Grécia, nasceu na Tessália e viveu em Argos onde escreveu sobre a Mitologia e sobre os Jogos Olímpicos.

[7] Geógrafo grego, PAUSÂNIAS (ca. 110/115-180) viajou pela Grécia e regiões próximas, onde pesquisou sobre a história de cada local. Autor da Descrição da Grécia.

[8] Cornelis Cornelisz van HAARLEM (1562-1638) Pintor holandês um dos principais representantes do maneirismo em Haarlem, na Holanda.

[9] Johann ROTTENHAMMER[9] (1564 – 1625) Pintor alemão, trabalhou na Itália na virada do século XVII.

[10] Peter Paul RUBENS[10] (1577-1640) um dos mais famosos artistas flamengos do século XVII. Saiba mais em: https://arteref.com/artigos-academicos/peter-paul-rubens/

[11] Saiba mais sobre a pintura O Casamento de Peleu e Tétis em: https://arteref.com/artigos-academicos/peter-paul-rubens/

[12] A Ilíada trata da guerra de Troia e a disputa entre o herói Aquiles e Agamémnon comandante, dos exércitos gregos em Troia. O longo poema se encerra com a morte e o funeral de Heitor, herói troiano, filho do rei Príamo. Um dos personagens centrais da guerra de Troia, Aquiles, de ânimo feroz, é filho de Peleu, rei da Ftia, na Tessália e da nereida Tétis (uma das cinquenta filhas de Nereu e Dóris, filha de Oceano). Rei de Micenas, Agamémnon, da casa Atreu, é um dos maiores heróis dos aliados gregos e irmão de Menelau, marido de Helena, uma das causas da guerra de Troia. 

[13] HOMERO (ca. IX-VIII a.C.) é autor de Ilíada e Odisseia. Os poemas heroicos datados por volta do século IX a.C., relatam as aventuras e os combates de diferentes personagens gregos e troianos, envolvidos e manipulados por poderosos deuses.

[14] Estásino de CHIPRE. Poeta de origem imprecisa, do século VII a.C., autor do poema épico sobre os troianos: Os Cantos cíprios. Diversos autores se apoiaram nos fragmentos do que restou dos seus contos para desenvolverem semelhantes histórias.

[15]  Poeta trágico grego EURÍPIDES (ca. 480-406 a.C.)  ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina. Tratou dos relacionamentos da sociedade ateniense de seu tempo, valorizando as ações do homem e suas tradições.

[16]  HERÓDOTO (ca. 485-425 a.C.) Historiador grego, autor de As Histórias de Heródoto, lançado no século V a.C.

[17]  Escritor da Roma Antiga, Caio Júlio HIGINO (64 a.C. – 17 d.C.) é, segundo autores, da Província Ibérica, provavelmente de Valência, na atual Espanha.

[18]Saiba mais de Anton Raphael MENGS (1728-1779) em: https://arteref.com/artigos-academicos/neoclassicismo-antiguidade-grega-imitacao-poesia/


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Fatima Sans Martini

Mestre em Artes Visuais com Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-graduação em História da Arte pela FAAP-SP. Formada em Artes Plásticas. Experiência profissional: Projetista em Design de Interiores. Experiência acadêmica: nas disciplinas de Projetos, Desenho, História do Mobiliário e História da Arte nos cursos de Arquitetura e Design de Interiores. Professor das disciplinas de Estética e História da Arte Mundial e Brasileira no Curso de Artes da Unimes, Universidade Metropolitana de Santos, SP

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