Tiago Sant’Ana é artista visual, doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas em performance e seus possíveis desdobramentos desde 2009.
Seus trabalhos imergem nas tensões e representações das identidades afro-brasileiras – tendo influência das perspectivas decoloniais. O açúcar aparece com recorrência em seus trabalhos como uma tática de aproximar o debate sobre colonização com a atualidade, sobretudo, no que tange o racismo e a violência contra a população negra.
Foi um dos artistas indicados ao Prêmio PIPA 2018. Realizou, no mesmo ano, a exposição solo “Casa de purgar”, no Paço Imperial no Rio de Janeiro e no Museu de Arte da Bahia em Salvador.
Além disso, Tiago Sant’Ana também participou de festivais e exposições nacionais e internacionais como “Histórias afro-atlânticas” (2018), no MASP e Instituto Tomie Ohtake, “Axé Bahia: The power of art in an afro-brazilian metropolis” (2017-2018), no Fowler Museum at UCLA, “Negros indícios” (2017), na Caixa Cultural São Paulo, “Reply All” (2016), na Grosvenor Gallery, e “Orixás” (2016), na Casa França-Brasil.
Foi curador-assistente da 3a. Bienal da Bahia (2014), além de ter organizado outras mostras como “Campo de Batalha” (2017) e “Future Afro Brazil Visions in Time” (2017). Foi professor substituto do Bacharelado Interdisciplinar em Artes na Universidade Federal da Bahia entre 2016 e 2017.
As ruínas de uma capela rural pertencentes ao antigo Engenho Paramirim são cobertas por 100 quilos de açúcar. Na ação, o artista utiliza do açúcar como uma maneira destacar o engenho – hoje esquecido e deteriorado pelo tempo – como um espaço que catalisou os processos de violência racial escravocrata no Brasil.
A ação foi realiza nas ruínas da Capela de Nossa Senhora do Vencimento, pertencente ao antigo Engenho Paramirim, construção do século XVIII, na cidade de São Francisco do Conde/BA.
Uma expressão popular empregada para designar um trabalho ou uma ação imperfeita e mal executada. Há um imaginário sobre essa expressão que remete ao fato de pessoas escravizadas construírem telhas tendo como forma suas próprias coxas. No momento de edificação do telhado, as cerâmicas esculpidas não se encaixavam perfeitamente umas nas outras.
A ação duracional desenvolvida nessa obra se aproxima da narrativa criada ao redor dessa expressão – sem julgar se seu significado é ficção ou realidade – como mote para discutir o trabalho negro e seus regimes de força na história e na contemporaneidade.
Nessa performance, torrões de massapê extraídos do antigo Engenho de Oiteiro, no Recôncavo da Bahia, são exaustivamente pilados, peneirados e transformados em massa para que a telha seja moldada nas coxas.
O terreno de massapê tem um alto grau de importância para a instalação da cultura escravista canavieira nessa região do Brasil por sua composição orgânica propícia para o plantio. A performance duracional foi apresentada pela primeira na exposição Negros indícios.
No trabalho “Passar em branco”, há uma tentativa de identificar uma continuidade dos sistemas coloniais no que tange as relações de trabalho e raça no Brasil. Uma fricção entre as ruínas da construção colonial e materiais que remetem ao presente – como o ferro de passar elétrico.
É uma obra que tenta falar do e para o tempo de agora, que não se propõe em ser histórico. Questiona-se sobre quais as atividades que as pessoas negras são vinculadas e os motivos pelos quais elas continuam sendo aquelas destinadas ao ambiente doméstico, da servidão, da força braçal.
Ressalta a existência de uma estrutura em que raça e divisão de trabalho estão em plena associação e reforço mútuo. A brancura tem uma posição estratégica na obra em uma posição de contraste com as ruínas, com a negritude corporificada no artista e também num dado cromático de como muitos eletrodomésticos possuem uma cor clara como uma tentativa de “neutralização” desse trabalho braçal racializado.
O trabalho foi realizado nas ruínas do antigo Engenho da Vitória, em Cachoeira, no Recôncavo da Bahia – um casarão construído no início do século XIX às margens do Rio Paraguaçu, logo, tendo uma posição estratégica na geolocalização da Bahia colonial.
Nos trabalhos “Refino #3” e “Refino #4”, há uma aproximação com a iconografia sobre o trabalho negro nos sistemas coloniais, insistindo na necessidade de revisitar, estranhar e interferir nas historiografias do Brasil.
A obra de Jean-Baptiste Debret é tomada como mote para essa investigação. Nas incursões pelo Brasil durante 15 anos, o artista francês – encarregado de integrar uma missão para a instauração do ensino de Belas Artes no Brasil – produziu uma série de trabalhos que retratavam pessoas negras escravizadas no século XIX.
Embora muitas de suas obras tragam registros de trabalhos forçados e torturas, suas anotações sobre aqueles contextos naturalizavam o fato de estarem escravizadas e considerava exótico o “arcaísmo” daqui em comparação a uma Europa pós-Iluminista. Há também o próprio fato de Debret apelar para os discursos das leis brasileiras da época como justificativa de castigos e vilipêndios públicos.
As imagens de Debret são ainda hoje muito utilizadas como materiais iconográficos sobre a escravidão no Brasil. E as imagens históricas se repetem na atualidade em cozinhas, casas de fundos e subempregos destinados à população negra.
O açúcar aparece nos trabalhos de Tiago Sant’Ana a partir de uma necessidade de apagar a reprodução da violência, chamando atenção novamente para como o açúcar esteve e está presente na construção de estratificação social.
Ao mesmo tempo, a intenção do artista é escavar/revelar quão vil foi o processo colonial em torno da produção desse produto e o impacto que ele causa na atualidade um século depois do declínio desse modo de produção. O que é descortinado quando executamos uma arqueologia do açúcar?
As ruínas de um antigo engenho de açúcar guardam marcas que o tempo não tratou de apagar. Uma cascata de açúcar rui ininterruptamente sob o corpo de um homem negro. A ativação de um espaço inóspito como tentativa de refletir sobre a colonialidade que age sob corpos racializados.
A ação foi realizada no antigo Engenho de Oiteiro, construção do século XIX, localizado na cidade de Terra Nova, no Recôncavo da Bahia. Veja a performance e demais trabalhos do artista no vídeo abaixo:
O título, “Baixa dos sapateiros”, remete a uma região de mesmo nome em Salvador, na Bahia, local em que muitas pessoas negras recorriam para confeccionar seus sapatos.
Tiago Sant’Ana contou em uma entrevista que o nome surgiu como proposta de falar de um lugar em que muitas pessoas iam desejando a representação de liberdade que, na época, eram os sapatos.
“Era uma geografia que simbolicamente envolvia uma expectativa por essa promessa de cidadania para as pessoas negras, que nunca chegou completamente até hoje” – Tiago Sant’Ana.
Considerado um dos pontos altos do trabalho do artista, as esculturas com sapatos de açúcar cristal estabelecem um paralelo com o complexo sistema de exploração da cana-de-açúcar e a chegada de muitos engenhos na região do Recôncavo.
O artista, em meio a seus trabalhos, criou uma série de proposições de performance, resultado de uma residência artística de Sant’Ana por dois meses em Lisboa, Portugal.
Nessas obras, Tiago trabalha com os imaginários sobre a colonização portuguesa no Brasil, incluindo uma peça que critica os nomes perversos que europeus intitulavam os navios negreiros.
Durante sua exposição sobre o tema, o artista criou um núcleo formado por um vídeo e uma fotografia que são compostos a partir da presença de homens negros descalços que carregam consigo pares de sapato a tiracolo. Para realização do trabalho, o artista usou como locação um antigo casarão no centro de Salvador.
A curadora enfatiza que Tiago Sant’Ana integra um momento recente da arte brasileira, no qual as questões centrais relativas à formação social do país são tratadas por aqueles que, histórica e contemporaneamente, experimentam as violências e contradições desse percurso.
Ela diz que o trabalho de Tiago trata-se de uma arte que não mais tematiza – de um ponto de vista distanciado, folclorizante e cientificista – essa história, mas reconta, reencena criticamente, escancara suas feridas abertas e performa suas possibilidades de transformação.
Diz também que as obras de Tiago Sant’Ana tem a capacidade de falar sobre processos complexos como a escravidão ao, por sua vez, propor situações nas quais seus sujeitos como, por exemplo, os negros ocupam outra posição diante da narrativa.
Conclui dizendo que, tanto suas performances quanto os demais trabalhos reposicionam a história do Brasil e, em especial, rearranjam, no presente, sua arte. Ela traz como exemplo a obra Baixada dos Sapateiros, que reproduz mais um capítulo desse recente momento social, político e cultural da arte produzida no (e a partir do) Brasil.
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