35ª Bienal: o que esperar do maior evento de arte da America Latina
Com certeza existem pessoas com muito mais conhecimento do que eu para analisar e posicionar-se quanto a obras de arte. Sua importância, técnica utilizada e posicionamento no circuito contemporâneo atual. São profissionais que podem embasar e endossar esse significado. Determinar a relevância dos trabalhos e dos artistas no panorama atual e se serão perenes ou perpétuos. Se irão servir como influência ou apenas como um registro momentâneo. Conheço algumas pessoas com essas qualificações e esse não é o meu lugar.
Reservo-me o direito de oferecer minha visão, como observadora, que busca sentir nos trabalhos o que me foi dito que seria o conceito, e sensação, que eles me transmitiriam. Algumas vezes, tento ouvi-los, mas as obras ficam mudas.
“coreografias do impossível”, expressão que nomeia a 35ª Bienal de São Paulo, com curadoria conjunta de Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, exibe aproximadamente 1.100 trabalhos de 121 participantes, entre artistas individuais e coletivos, que foram desafiados, pelo quarteto curatorial, a expressar em arte a resposta à indagação central por eles proposta: “como as impossibilidades de nossa vida cotidiana refletem na produção artística?”.
O termo ‘coreografia’ remete a dança, trilhas ou roteiros de movimentos que, em sua maioria incluem elementos sonoros. Isso posto, o contato com as obras que recepcionam o visitante, cumprem seu papel. A instalação de Ibrahim Mahama – Parlamento de Fantasmas – remete a um grupo de dança contemporânea, posicionado e no aguardo do início de seus movimentos a apenas um sinal. Essa contagem pode vir da marcação do ritmo contido na movimentação das varetas da obra de Ana Pi e Taata Kwa Nkisi Mutá Imê.
O cenário e os trabalhos mostram um impossível, possível! Criativo, sensível, contestador, consciente de seu papel mas em uníssono com o conceito proposto. Mais alguns passos e a presença de Emanoel Araújo nos lembra de sua ausência. Mas ele está! Emanoel é coreografo e coreografado!
Obras em Destaque
Torkwase Dyson, com sua instalação monumental provoca um impacto agradável que, ao mesmo tempo em que é destituído de cor e delicadeza, com sua brutalidade sofisticada remete à solistas de uma coreografia clássica, um pas-de-deux possível e, extremamente delicado, em seu cinza e preto.
Sonia Gomes, com suas obras que utilizam a cor sem pedir licença nem desculpas, é um impacto na retina de olhos que estavam acompanhando trabalhos consistentes, fiéis a mensagens e vivencias que provocam reflexão. A ‘Dança’, da série ‘Pano’, induz o movimento, a coreografias marcadas por desenhos corporais determinantes, como em Lovely, de Billie Eilish, onde a cor é o personagem que responde pelo gesto.
“coreografias do impossível” exibe sim, nos trabalhos presentes, as possibilidades artísticas de críticas e posicionamentos de nossa vida cotidiana. As mensagens, celebrações e dores, estão presentes, contando cada uma sua história através de registros criativos.
As “Mulheres-Mangue”, de Rosana Paulino, com suas mulheres-ouro, com raízes que as prendem a um lugar que, pode ou não, impedir movimentos ou ascensões mas também possibilitam transmissões ocultas de sabedorias e vivências que vão servir de guias para movimentos de gerações futuras em uma tentativa de rompimento com práticas do passado onde a liberdade de coreografar a própria vida não era uma possibilidade permitida a todos. O painel de fotos – “Parede da Memória” – que lembram um relicário, como amuletos ressignificados, compostos por personagens importantes em diversas vidas bem como na da artista, onde lhes é confere o direito à dignidade.
A conversa possível entre as mais de 1.000 obras de “coreografias do impossível” dialogam, com quem se aproxima delas e busca escutá-las, senti-las e enxergar sua mensagem e movimentos.
O impossível, coreografado, com inúmeras possibilidades.