Bienal

36ª Bienal de Arte de São Paulo propõe a escuta como prática viva de humanidade

A 36ª Bienal de São Paulo, ao te receber, pede mais do que apenas o seu olhar. Ela pede presença, atenção e abertura — sobretudo a prática de ouvir. Ouvir não apenas sons, mas ideias, histórias, o passado, o futuro e, principalmente, o presente. Ouvir antes de ver; sentir antes de analisar. É um convite a habitar o espaço com atenção plena, a permitir que cada gesto, cada vibração, cada silêncio te atravesse, se torne parte da experiencia.

O conceito curatorial, idealizado por Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, se manifesta em seis capítulos, publicados em livro-guia, que orientaram a seleção dos cerca de 120 artistas participantes e a construção da exposição. Cada capítulo traz conceitos que orientam experiências e sensações, funcionando como fragmentos de percepção sensível do mundo, mais do que de descrição:

Precious Okoyomon. Crédito: Sonia Balady

Frequências de chegadas e pertencimentos nos convida a olhar para o solo, às potencialidades da terra e às vibrações que sustentam a vida. Pedras, raízes e pigmentos naturais, trabalhos com argila ou terra, lembram que pertencer é escutar, reconhecer e sentir a pulsação do mundo que nos sustenta. As obras de artistas que exploram essa relação nos conectam ao chão, à memória ancestral e às comunidades, fazendo que o espectador perceba o entrelaçamento do corpo, do lugar e da história

Nádia Taquary. Crédito: Sonia Balady

Gramáticas de insurgências nos ensina que resistência também se escuta. Arquivos coloniais, histórias silenciadas, vozes apagadas — todos se tornam ecos que nos convidam à reflexão. As narrativas de luta e resistência não são apenas lembranças do passado, mas frequências que atravessam o presente e nos exigem empatia, atenção e ação. Ouvir aqui é perceber a força da memória e da insurgência em cada gesto artístico.

Marcia Falcão. Crédito: Sonia Balady

Ritmos espaciais e narrações nos fazem atravessar espaços e tempos. Deslocamentos, migrações, transformações urbanas — todos deixam marcas perceptíveis e sensíveis. Mapas, filmes, fotografias, luzes e sons criam atmosferas que nos transportam, fazendo-nos sentir a passagem do tempo, os caminhos invisíveis e os ritmos que moldam cidades e corpos. A arte se torna experiência viva, espaço de escuta das mudanças e da memória coletiva.

Akinbode Akinbiyi. Crédito: Sonia Balady

Fluxos de cuidado e cosmologias plurais rompem com modelos coloniais e patriarcais de cuidado, oferecendo outras formas de relação com o mundo. Instalações que combinam ervas, água, objetos rituais, performances e encontros coletivos evocam práticas de cura e mitologias indígenas, africanas e asiáticas. É possível sentir a interdependência entre ecossistemas e culturas, o cuidado tornando-se tangível, ritual, experiência compartilhada.

Michele Ciacciofera. Crédito: Sonia Balady

Cadências de transformação lembram que tudo muda continuamente. Obras em metamorfose, processos vivos e tradições reinterpretadas convidam a acompanhar ritmos, a perceber o fluxo da vida e da criação. Sentir a transformação é perceber a potência de se reinventar, de acompanhar processos que não se completam, mas se mantêm em movimento.

Laure Prouvost. Crédito: Sonia Balady
Laure Prouvost. Crédito: Sonia Balady

A intratável beleza do mundo encerra o percurso celebrando o belo como ato de resistência. Pinturas com pigmentos de terra, fotografias de paisagens fragmentadas, esculturas de materiais reaproveitados, obras que resistem e sobrevivem — tudo nos lembra que o belo habita o inacabado, o persistente e o resiliente. Escutar a beleza é perceber força, continuidade e o poder da vida que insiste em existir.

Antonio Társis. Crédito: Sonia Balady
Marlene de Almeida. Crédito: Sonia Balady

36ª Bienal de Arte de São Paulo propõe a escuta como prática viva de humanidade

Mais do que um roteiro de obras, a Bienal se apresenta como território sensível, onde cores, formas, texturas, sons e silêncios se entrelaçam. As obras de arte, em muitos momentos pessoais e intransferíveis, estão presentes para contar histórias que nos atravessam. A escuta ativa, o encontro, a negociação e o respeito como fundamentos da humanidade são praticados na seleção dos artistas. Cada peça, mesmo disponível para ser vista, transforma-se em experiência sensível que nos conecta à coletividade e à memória do mundo. Cada capítulo funciona como um estuário: diferentes correntes, diferentes experiências e emoções que se encontram e fluem umas nas outras. A escuta se torna prática viva, cada gesto do público se integra ao espaço, cada percepção é reverberada, cada silêncio compartilhado.

Lidia Lisboa. Crédito: Sonia Balady

No final, a Bienal não quer apenas mostrar o mundo; ela quer que o mundo seja experimentado e sentido. Bonaventure propõe que o termo “humanidade” se torne verbo, conjugado e ativo. Que o estuário — metáfora do encontro entre correntes diversas — seja lugar de coexistência real. Ouvir, respeitar, negociar, compartilhar: não são apenas ideias, mas práticas que nos tornam mais humanos.

Nem todo Viandante anda Estradas || Da Humanidade como Prática “, assim, nos lembra que a arte é processo, sensibilidade e escuta. Mais do que ver ou nomear, é aprender a estar atento e presente. É exercício de humanidade, convite à atenção, prática viva de coexistência.

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Silvia Balady

Silvia Balady é assessora de imprensa e produtora cultural a mais de uma década. Em sua coluna ela vai falar de pessoas e personalidades da cultura, desde as grandes notícias até os assuntos de bastidores.

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