BIENALSUR estreia no no CCBB SP e homenageia Rochelle Costi
Com trabalhos que propõem a necessidade de uma reflexão sobre como o planeta vem sendo modificado, a mostra reúne obras de artistas do Brasil, Argentina, Uruguai, Espanha, França e Arábia Saudita. O evento cultural mais extenso do mundo – 18.730 km de arte contemporânea – ocorre em 28 países e mais de 70 cidades ao redor do mundo nos cinco continentes
A BIENALSUR 2023 segue reivindicando o direito à cultura e à diversidade, com exposições e ações focadas em questões ambientais, perspectiva de gênero, construção de narrativas e democracia.
“Uma das premissas do trabalho da BIENALSUR é explorar o panorama artístico internacional por meio de um chamado aberto, livre e horizontal que realizamos para cada edição. A partir deste chamado, surgem os temas principais sobre os quais trabalhamos, bem como um conjunto de projetos de artistas de diferentes contextos culturais, que são selecionados para serem incluídos nas diversas exposições e intervenções realizadas nas mais de 40 cidades em que cada edição da BIENALSUR opera simultaneamente”, explica Diana Weschler, Diretora Artística da BIENALSUR.
Rochelle Costi na BIENALSUR
Do último chamado aberto surgiu o tema dominante que orienta a seleção de artistas nesta exposição. A experiência vital contemporânea é problematizada em todas as obras; em algumas delas, a questão ambiental é fundamental. A brasileira Rochelle Costi, uma das artistas que integra a mostra, enviou a série que produziu durante a pandemia. Essa obra – que interessou ao júri de seleção – é infelizmente a última da artista, pois ela faleceu em novembro passado em um acidente de trânsito. Sua inclusão nesta mostra é uma homenagem ao seu olhar artístico e a sua capacidade de identificar nossa convivência com o meio ambiente, com os pequenos seres que nos cercam e deixam também seus ‘sinais’ na paisagem.
Em paralelo, Aníbal Jozami, Diretor Geral da BIENALSUR salienta que “em diálogo com essas questões, a memória de formas recentes – ou não tão recentes – de autoritarismo ressoa nas reflexões dos artistas como um alerta e um convite à construção de um humanismo contemporâneo que acolha as diversidades e seja inclusivo, democrático e ambientalmente consciente”.
Signos na Paisagem reúne obras de Rochelle Costi e Dias & Riedweg (BRA); Gabriela Golder e Matilde Marín (ARG); Stephanie Pommeret (FRA); Silvia Alejandra González Soca (URY); Gabriela Bettini (ESP); Sara Abdu, Zhara Al Ghamdi e Hatem Al Ahmad (SAU). Os trabalhos problematizam a experiência de vida contemporânea e têm como chave, em sua maioria, a questão do meio ambiente.
Obras em Destaque
Água, ar, terra, fogo, os quatro elementos estão presentes no espaço através dos seus sons, da singularidade dos seus movimentos e das suas formas. O território está presente no fluxo de olhares de artistas de diferentes origens sobre um cenário natural que resiste, luta e renasce.
Para o Centro Cultural Banco do Brasil, receber a BIENALSUR 2023 – Signos na Paisagem, reforça seu compromisso de ampliar a conexão do brasileiro com a cultura, através de um projeto que traz novos olhares, promove diálogos relevantes e oferece caminhos para compreender a construção contemporânea de identidades. O CCBB acredita que a arte dialoga com a sustentabilidade, uma vez que toca o indivíduo e impacta o coletivo, olha para o passado e faz pensar o futuro.
A EXPOSIÇÃO, POR DIANA WESCHLER
Estamos diante do “fim do mundo”? Ou se trata do “fim do mundo” como o conhecemos, pensamos e imaginamos há séculos?
Essas perguntas rondam muitas das notícias e artigos relacionados à situação global do planeta. No entanto, a quantidade de informações a que continuamente somos expostos muitas vezes nos leva a neutralizar nossa sensibilidade. Costumamos acumular informações, processá-las intelectualmente, mas nem sempre permitimos que elas atinjam o nível do sensível. É aí, no lugar do “sensível”, que reside o trabalho dos artistas e das propostas curatoriais, tornando-se os lugares nos quais recuperar essa dimensão e, com ela, poder voltar a ver e pensar sobre os assuntos que nos preocupam, sobre esses aspectos que damos por certos e essas visões da realidade que nem questionamos.
As maneiras em que nos posicionamos em relação ao meio ambiente fazem parte destes aspectos que atualmente ocupam o centro da atenção, exigindo de nós uma postura empática em relação à convivência entre as espécies (e nós como mais uma entre elas), o respeito e a conservação ambiental. No entanto, surge a questão de se essa abordagem toca a nossa sensibilidade ou se são respostas automatizadas, que seguem mais o caminho do “dever ser” do que do sentir…?
“Signos na Paisagem” é um relato curatorial construído a partir de uma seleção de artistas de diferentes horizontes culturais que buscam, com suas propostas, interpelar nossos sentidos, nos convidando a olhar novamente e, nesse caminho, a pensar com eles. Usar nossos sentidos implica pensar de maneira sensível, colocar em ação nossas subjetividades e deixar, por um momento, o automatismo de nossas reações para que flua novamente nossa capacidade de perceber nosso entorno.
Ai então aparecem as obras de Rochelle Costi e Dias & Riedweg, realizadas durante os tempos de confinamento na pandemia de Covid-19. De maneiras diferentes, eles forçam a realidade, a perturbam e fazem surgir dessa operação uma dimensão que sobre expõe a complexidade da experiência vivida em sua tensão, artificialidade e dramatismo.
A observação do entorno próximo durante o período de isolamento social entre 2020 e 2021 devido à pandemia foi o ponto de partida para as observações de Rochelle Costi (BRA), o que a levou a desenvolver sua série “Casa & Jardim”, da qual apresentamos uma seleção nesta exposição. As fotos de “Jardim”, que foram tiradas durante o período de isolamento, registraram insetos encontrados na área externa de sua casa/ateliê (localizada a 4 km do centro da cidade de São Paulo). O trabalho não foi apenas uma observação, mas também uma ‘provocação’, pois incorporou na ‘paisagem’ do jardim doméstico placas de plástico em relevo, criando uma topografia na tentativa de imitar a natureza, ao mesmo tempo atraindo e causando estranheza nos insetos, alterando seus comportamentos habituais. A série exibe, por meio dessa ação da artista sobre esses pequenos seres com os quais ela convive, o contraponto do que a comunidade global estava passando naquela época, quando as rotinas e paisagens cotidianas estavam sendo alteradas e a sensação de estranhamento dominava a sociedade.
Em uma linha de reflexão semelhante, o trabalho de Dias & Riedweg (BRA), a série “Silencio”, composta por 16 fotografias digitais, observa as marcas no ambiente urbano e adota um tratamento formal dessas fotografias que remove o volume e a cor, deixando apenas as linhas, aproximando-se da imagem de uma gravura em metal. Esta estratégia escolhida para desafiar o olhar é um convite para descobrir, através de pequenos detalhes, a anomalia, o estranho, o que se torna alheio a uma narrativa visual convencional. Por meio destas imagens tiradas em 2020, eles destacam a questão do risco latente e o aviso de que algo se perdeu.
Mas as marcas e as perdas não se devem apenas aos tempos de pandemia, elas atravessam outros momentos e tempos.
“Vamos considerar, por exemplo, a abordagem de Gabriela Golder (ARG) em sua obra ‘Tierra Quemada’. O vídeo, gravado no Cerro Mariposa (Valparaíso, Chile), observa a área devastada pelo incêndio: casas e fauna queimadas por um fogo que, conforme um testigo local era tão alto como se o mundo estivesse prestes a acabar. O testigo continua; “Às 16h do sábado, 12 de abril, duas aves pousaram num cabo elétrico nos arredores de Valparaíso. O vento, que estava muito forte, sacudiu esses cabos. Elas foram eletrocutadas. As faíscas saltaram para o chão, voaram pelas pastagens. O incêndio havia começado. O vento sul o fez se intensificar. “A terra queimou”. A convivência entre as intervenções humanas e a natureza expõe suas tensões, e a sensação de saturação, de ‘fim do mundo’, emerge.
Embora esta série de obras remeta a situações distópicas de estranhamento e finitude da natureza, e possam funcionar como uma alerta sobre a posição que os seres humanos assumem diante dela, outros trabalhos incluídos nesta exposição direcionam o olhar para os indícios que a paisagem oferece sobre nossa sensibilidade, como nos vemos nesses espaços, como eles evocam diversos passados e antecipam diferentes tempos por vir.
Desde uma perspectiva diferente, Matilde Marín (ARG) aborda sua série ‘Temas sobre a Paisagem’, fotografias que, em seu formato extremamente panorâmico, captam a sensação de infinidade experimentada nesses espaços, criando faixas de atmosferas inesgotáveis, linhas e fugas de luz que se tornam imagens cativantes de um momento efêmero que resgata o conceito de beleza na paisagem e seus limites. O ponto de vista escolhido pela artista é ao mesmo tempo sua marca registrada e a marca de sua presença latente.
Já Gabriela Bettini (ESP) traz para a mostra Paisagens Brasileiras – Pernambuco / Maranhão, realizadas a partir das obras de Frans Post – pintor barroco holandês que trabalhou as paisagens do Brasil levando-as para a Europa. A artista é conhecida por suas pinturas hiper-reais que se aproximam da estética da fotografia de arquivo. A memória pictórica de Bettini, rica em referências visuais, resulta em obras que não apenas remetem para a questão colonial, mas também para as disputas identitárias que ocorreram e ocorrem nestes espaços lidos a priori como “paradisíacos”.
Por sua vez, Hatem Al Ahmad (SAU) desenvolve em sua vídeo-performance ‘To Speak in Synergy’, junto aos membros da comunidade de Abha (SAU), uma prática antiga para o cuidado das árvores que a transforma em algo semelhante a um ritual que reestabelece o tempo e boas práticas de convivência com o meio ambiente natural. O artista saudita resgata uma técnica de cuidado antiga que tende a fornecer certos elementos às árvores em seus processos vitais, ao mesmo tempo em que contribui para sua proteção contra mudanças de temperatura ou alguns insetos, por exemplo. Através da ação dos corpos na paisagem, ele expõe práticas e conhecimentos tradicionais atualizando-os. Dessa forma, a ação artística se oferece como uma reconexão com o meio ambiente e com a tradição. Hatem afirma: ‘Não pretende ser uma prescrição fixa do que “deveria” ser feito, mas, através da duração e da encarnação, extrai as tensões entre o tempo e o coletivo, ao mesmo tempo em que aborda a crise ecológica atual. O sentido prolongado da temporalidade da performance oferece um reconhecimento das histórias e dos corpos que moldaram e habitaram o passado, bem como da racionalidade de nossos futuros’.
A questão das relações com recursos do passado, o tempo e a forma como ele nos interpelam aparece reinterpretada como um cenário fictício na obra de Zara Alghamdi (SAU) ‘Echo of the past’, uma instalação com seiscentas peças de blocos de areia e argila fabricados que busca expressar, através do resgate de técnicas antigas de construção, as formas pelas quais o tempo afeta a existência. As rachaduras visíveis nessa orografia imaginária estariam revelando o colapso dos arquétipos tradicionais ou, pelo menos, tensionando as tradições ancestrais vernáculas com um presente que as altera.
Em uma dimensão diferente, a instalação ‘Moebius’ de Alejandra Gonzalez Soca (URY) tem como objetivo ‘Cultivar o vazio’. Segundo ela, ‘convivem dois tempos de um mesmo rosto para gerar uma matriz de eventos onde a germinação e a ação performática modificam constantemente a peça e, portanto, as possíveis relações com ela’. Moebius continua a artista, ‘aspira a criar um espaço quase ritual que questiona a ideia de um sujeito autoconsciente e seguro de si mesmo, a partir de uma vulnerabilidade assumida e oferecida. Um evento cíclico e efêmero, onde o que acontece de alguma forma evidencia a mínima distância entre os processos de construção e destruição’.
‘Unir a ecologia, a conservação da natureza e a arte permite um diálogo de ideias que vai além das culturas. É necessário aproximar esses mundos e, assim, abrir o campo de possibilidades para ativar um novo imaginário de colaboração’, afirma a artista Stéphanie Pommeret (FRA), que desenvolve em sua série de fotografias ‘Tous Migrants’ uma síntese poética possível na qual explora as maneiras como nos relacionamos como ‘migrantes’ com nosso ambiente. Este projeto realizado na reserva natural da baía de Saint-Brieuc a levou a uma longa observação que resultou na operação de apropriação das fotografias naturalistas de Alain Ponsero, combinadas com suas próprias imagens, servindo para reivindicar ‘a hospitalidade como o único ambiente que favorece o futuro de nossa espécie’. Descobrir o mundo do outro, conhecer seus conhecimentos, sentir sua sensibilidade desencadeia um novo olhar sobre seu horizonte.
Sara Abdu (SAU), em ‘Anatomy Of Remembrance’ oferece um conjunto de paisagens imaginárias que procedem do seu interesse em explorar as qualidades indiciais de sentidos distintos da visão. Com base nas memórias olfativas, ela resgata sua imediatez para evocar uma imagem mental do passado e suas emoções, resultando em cartografias psicogeográficas suspensas com as quais Abdu explora o lugar ou ‘loci’ da memória dentro de nós e cria um ambiente particular ao enfrentar essas topografias do passado.
Serviço
BIENALSUR 2023 – SIGNOS NA PAISAGEM
Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo (prédio anexo)
Período: 22 de novembro de 2023 a 28 de janeiro de 2024
Ingressos: gratuitos, disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB SP a partir de 17/nov.
Funcionamento: todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças-feiras