O CCBB BH (Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte) inaugura no dia 24 de janeiro a exposição “A.R.L. Vida e Obra”, que se aprofunda na produção de Antônio Roseno de Lima. O artista de Alexandria (RN), morou na favela Três Marias, em Campinas (SP), até a sua morte, em junho de 1998. A.R.L., como assinava nas pinturas, coloria seu barraco com obras comoventes, que partiam de materiais precários, a maioria encontrada no lixo. A curadoria da exposição é de Geraldo Porto, artista plástico e professor doutor do Instituto de Artes – UNICAMP. A exposição tem estreia nacional em Belo Horizonte e depois segue para os Centros Culturais Banco do Brasil em Brasília (DF), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).
Roseno não recebeu o devido reconhecimento em vida, participando de poucas exposições, sendo a primeira individual na Casa Triângulo (SP) em 1991, seguida pela coletiva “A pintura em Campinas: o contemporâneo no Centro de Informática e Cultura”, em 1992. Ainda fez uma individual na Cavin Morris Gallery, em Nova Iorque, em 1995. Apresentado por jornais como favelado, semianalfabeto e doente, A.R.L. reagiu a tais rótulos escrevendo em vários quadros, em letras garrafais: “Sou um homem muito inteligente”.
A exposição demonstra a sensibilidade de Roseno frente ao cotidiano. Seus trabalhos parecem partir de uma “necessidade de estabelecer uma relação prazerosa com o mundo”, ressalta o curador. Nas obras, as diversas aspirações do artista são representadas, uma delas se repete em toda a sua arte: “Queria ser um passarinho para conhecer o mundo inteiro!”. Alguns dos sonhos de A.R.L. são concretizados nas pinturas: a casa bonita, colorida, com luz elétrica, o prédio moderno e a fábrica onde almejava trabalhar.
Apesar da extrema pobreza e falta de reconhecimento, na arte, Roseno encontrava espaço para se expressar e sonhar, de forma livre, criativa e surpreendente. “Sua força primitiva e selvagem preenchiam um vácuo no círculo artístico, em que a arte moderna virava instituição, academicizava-se. Ele tinha uma liberdade de fazer o quisesse que ninguém tinha; inventando e tentando, esse artista brasileiro procurou no lixo a matéria de sua poesia”, comenta Geraldo Porto.
Os materiais utilizados pelo artista vão de pedaços de latas retirados dos entulhos a papelões, madeira e esmalte sintético das sobras das latas utilizadas para pintar portas. Quando gostava de algum desenho, ele recortava-o em latas de vários tamanhos para usar de modelo, utilizando-se também de outros materiais como a lã, que priorizava em época de frio.
As palavras eram parte de sua expressão poética, como uma espécie de signos herméticos expostos respeitando a anterioridade das figuras e evidenciando desconhecimento de regras gramaticais. Sua identidade artística é forte, baseada em cores vivas e chapadas. As figuras e as molduras das pinturas são frequentemente contornadas de preto. Nos quadros, anexava um pequeno bilhete, no qual informava materiais, processo de criação, execução, conservação da pintura e arrematava: “Quem pegar esse desenho guarda com carinho. Pode lavar. Só não pode arranhar. Fica para filhos e netos. Tendo zelo atura meio século.” O que só reforça o cuidado profundo do artista com o que produzia.
Antônio Roseno de Lima nasceu em Alexandria (RN), em 1926. De sua cidade natal, como tantos outros, foi para o centro-sul do Brasil fugindo da seca e jamais fez o caminho de volta. Foi para São Paulo deixando mulher e cinco filhos, sonhando em trabalhar e ganhar muito dinheiro.
Em 1961, aos 35 anos de idade, fez um curso de fotografia e passou a exercer o ofício registrando o cotidiano de crianças – além de aniversários e casamentos – e as fotos logo ganharam as nuances de seus traços.
Mudou-se para a favela Três Marias (Campinas) em 1976 e viveu ali até a sua morte, em junho de 1998. Em um barraco miserável, pintava em cima de uma mesa abarrotada de papéis e objetos, onde também comia e contava o dinheiro que recebia das crianças da favela em troca de doces.
Uma faxina para afugentar ratos e baratas de seu barraco fez com que pelo menos 500 de suas obras fossem parar no caminhão de lixo. Ainda assim, uma grande coleção das suas melhores fotografias está hoje no Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas e suas pinturas entraram no acervo de importantes museus, como a famosa Collection de l’Art Brut, de Lausanne, Suíça, e o Museu Haus Cajeth, em Heidelberg, na Alemanha.
O CCBB BH é integrante do Circuito Liberdade, complexo cultural sob gestão da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), que reúne diversos espaços com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo. Trabalhando em rede, as atividades dos equipamentos parceiros ao Circuito buscam desenvolvimento humano, cultural, turístico, social e econômico, com foco na economia criativa como mecanismo de geração de emprego e renda, além da democratização e ampliação do acesso da população às atividades propostas.
Exposição “A.R.L. Vida e Obra”
Data: de 24 de janeiro a 18 de março
Horários de visitação: de quarta a segunda, das 10h às 22h
Local: CCBB BH. Endereço: Praça da Liberdade, 450 – Funcionários. Galerias do Térreo. Belo Horizonte – MG.
Ingressos gratuitos, retirados pelo site ccbb.com.br/bh ou na bilheteria física do CCBB.
Classificação Indicativa: Livre
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