A Galeria Estação apresenta, a partir de 24 de agosto, a mostra coletiva “Reversos e Transversos: artistas fora do eixo (e amigos) nas bienais”, uma acurada investigação sobre a inserção crítica da chamada arte popular em algumas das mais expressivas bienais realizadas nas últimas sete décadas, dentro e fora do Brasil.
Reunindo um instigante recorte de trabalhos de 42 artistas – um painel multifacetado, de diferentes técnicas, tradições e suportes – a exposição, que fica aberta para visitação até 28 de outubro de 2023, tem curadoria do professor, curador e artista baiano Ayrson Heráclito, celebrado por suas impactantes reflexões sobre as interseções entre arte e religião e que participará, inclusive, da próxima edição da Bienal de Arte de São Paulo, em setembro. Um mês antes, outros dois artistas que integram a mostra, Xadalu Tupã Jekupé e Chico da Silva (Francisco da Silva), estão entre os selecionados para a primeira edição da Bienal das Amazônias, que será aberta em 4 de agosto.
Nessa imponente seleção de trabalhos, que também explicita interlocuções estético-geracionais, Heráclito chama a atenção do público para a crescente necessidade de revisões inadiáveis sobre temáticas urgentes que têm se desdobrado em novas perspectivas de compreensão inclusiva sobre a representatividade sociopolítica da arte popular brasileira no ambiente da chamada arte erudita.
“O pensamento decolonial e o pensamento antirracista, no momento histórico atual, vêm pressionando as hierarquias tradicionais do sistema da arte, com seus diferentes sujeitos, linguagens e poéticas, promovendo, por consequência, uma profunda revisão nas concepções de arte. Daí que os marcadores étnicos-raciais e sociais, que enclausuravam artistas em rótulos – como ‘primitivos’, ‘primitivistas’, ‘naifes (ingênuos)’, ‘populares’ – estão sendo explodidos em seus significados de subjugação política, denunciando a relação da arte com as estruturas de dominação e com as desigualdades sociais”, defende Heráclito.
No desenvolvimento de sua sensível proposta investigativa, realizada com o apoio de Emerson Dionísio, historiador com um trabalho que atualmente aborda a presença de artistas populares em bienais, Heráclito estabeleceu pesquisas sobre quatro principais frentes: bienais internacionais; bienais nacionais; bienais latino-americanas; a Mostra do Redescobrimento, organizada pela Fundação Bienal em 2000; e um recorte livre que o curador baiano classificou como “amigos de produções poéticas semelhantes”.
Nesse contexto de ressignificações, escancarado com as proposições da nova mostra organizada pela Galeria Estação, transformações das concepções do que é erudito e uma reinterpretação de seu campo simbólico têm também levado a uma revisão crítica da ideia de cultura popular. Afinal, arte e política têm estabelecido novos diálogos no campo da representatividade, da figuração, da abstração e da performance.
Discussões escancaradas, por exemplo, nas escolhas políticas da 35ª Bienal de São Paulo, com abertura em setembro próximo e com projeto curatorial coletivo concebido por Manuel Borja-Villel e três celebrados curadores negros, Diane Lima, Grada Kilomba e Hélio Menezes. Com o tema Coreografias do Impossível, a edição 2023 da Bienal também promete ser marcada por uma representatividade inédita de novos sujeitos da vida política brasileira, com a escolha majoritária de artistas afro-indígenas.
Em Reversos e Transversos a poética defendida por Ayrson Heráclito também soma forças para potencializar esse momento transformador ao questionar a cronologia histórica da representatividade dos artistas do povo nas grandes bienais, denunciando, assim, décadas de segregação percebidas desde a primeira Bienal de São Paulo, de 1951, quando, rompendo uma barreira de invisibilidade, Heitor dos Prazeres recebe a medalha de prata na categoria “Pintura Nacional”, com a tela Moenda; Lúcia Suanê ganha visibilidade com as pinturas Jesus Curando o Leproso e Domingo de Ramos; e José Antonio da Silva, um trabalhador rural e artista autodidata, recebe o Prêmio Aquisição do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
A despeito dos esforços históricos de grandes eventos, como a Bienal de São Paulo, em promover uma gradativa luta contra políticas de exclusão, vivenciamos, hoje, uma conjunção inédita de valorização de manifestações artísticas havia décadas subjugadas, reitera Vilma Eid, sócia-fundadora da Galeria Estação.
“O momento cultural não poderia ser mais propício para esta mostra. Finalmente estamos vivendo tempos de inclusão, de queda de preconceitos e de paradigmas. Sinto-me feliz e gratificada por, há 37 anos, vir acreditando e trabalhando a força e o talento desses artistas autodidatas, hoje participando do mercado da arte através do circuito das galerias e das instituições. Durante todos esses anos tenho dito que arte é arte pela excelência e não está em gavetas separadas. A escolha do Ayrson para a curadoria da exposição foi baseada na sua importante trajetória no mundo das artes. Estamos muito felizes com essa parceria. A seleção dos convidados feita por ele inclui Volpi, Djanira, Antonio Bandeira, Marepe, J Cunha, Heitor dos Prazeres, José Adário, Lúcia Suanê, Marco Paulo Rolla, Juraci Dórea. Um grande, democrático e inclusivo diálogo”, celebra Vilma.
Confira a lista completa dos 42 artistas que compõem a mostra Reversos e Transversos: Artistas fora do eixo (e amigos nas) bienais, que terá uma visita guiada (aberta e sem necessidade de inscrição prévia) em 26 de agosto, às 12h, com o curador Ayrson Heráclito.
Agnaldo Manoel dos Santos – Agostinho Batista de Freitas – Alcides Pereira dos Santos – Alfredo Volpi – Antonio Bandeira – Antonio Poteiro – Arthur Pereira – Aurelino dos Santos – Babalu – Chico da Silva – Chico Tabibuia – Conceição dos Bugres – Dalton Paula – Djanira – Elza de Oliveira Souza – G.T.O. – Heitor dos Prazeres – Izabel Mendes da Cunha – J Cunha – José Adário – José Antônio da Silva – José Bezerra – Júlio Martins da Silva – Juraci Dórea – Louco (Boaventura da Silva Filho) –– Madalena – Marco Paulo Rolla – Marepe – Maria Auxiliadora – Mestre Didi – Mestre Guarany – Miriam Inês da Silva Cerqueira – Neves Torres – Nilson Pimenta – Nino Lucia Suanê – Pedro Paulo Leal – Ranchinho – Samico – Véio – Xadalu – Zica Bérgami.
Com um acervo entre os pioneiros e mais importantes do país, a Galeria Estação, inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp, consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não-erudita. A sua atuação foi decisiva pela inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco, que passou a ocupar espaço na mídia especializada, vem conquistando ainda a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições Histoire de Voir, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França), em 2012, e da Bienal Entre dois Mares – São Paulo | Valencia, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual do Veio – Cícero Alves dos Santos, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, além de individuais e de integrar coletivas prestigiadas, os artistas da galeria têm suas obras em acervos de importantes colecionadores brasileiros e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (SP), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (SP), o Instituto Itaú Cultural (SP), o SESC São Paulo, o MAM- Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.
Reversos e Transversos: Artistas fora do eixo (e amigos nas) bienais
Quando: 24/8 a 28/10/2023
Onde: Galeria Estação
Endereço: Rua Ferreira Araújo, 625 – Pinheiros, São Paulo
Abertura: 24/8 (quinta-feira), das 18h às 21h
Visita guiada com o curador Ayrson Heráclito: 26/8 (sábado), às 12h
Horários de funcionamento da galeria: segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 15h; não abre aos domingos.
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